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13 DE DEZEMBRO DE 1946 139

Com este saldo compraria: um par de botas de cano em 19 dias, um chapéu de feltro em 6,6 dias e um bom fato (12$) em 80 dias.

Em 1945 (Dezembro):

Jornal ....................... 13$
Sustento ..................... 8$93(2)
______________
Sobra ........................ 4$06(8)
______________

Precisaria de trabalhar para comprar um par de botas 63,9 dias, um chapéu 17,2 dias e um fato 221 dias.
Em média, o que em 1914 o trabalhador comprava com 10 dias de trabalho custava-lhe em Dezembro de 1945 28 dias, e hoje deve custar-lhe mais, talvez.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se se fizesse o mesmo cálculo para o trabalhador rural do Minho o resultado seria muito mais desolador.
O Minho tem vivido em miséria negra. No verão passado estive lá perto de um mós e num dos concelhos mais férteis estive uns dias. Pois nesse concelho e em muitos outros, senão em todos, a ração de farinha de milho que se estava distribuindo à população rural era de 500 gramas por semana!
"Mas para onde foi o milho que aqui se colheu?", perguntei ao lavrador que me deu em primeira mão a novidade. "Para onde foi não sei. Sei só que o levaram de noite, em camionetas, e nos deixaram reduzidos a esta miséria".
Um amigo, rico em terras, que exerce uma profissão liberal nesse mesmo concelho, disse-me: "Dantes, quando saia para a minha vida e quando regressava a casa, nunca deixava de ir ver os jornaleiros, para vigiar o que faziam. Agora não ponho pé nos campos. Andam cheios de fome, não podem trabalhar".
A um velho abade, a quem esse meu amigo perguntou diante de mim como ia do subsistências, ouvi esta resposta, indignado:
- Olhe, Sr. doutor, não tenho vergonha de o dizer: tenho passado fome... Não há pão, não há carne, não há arroz, não há azeite, não há nada. Que há-de a gente comer? Como sabe, tenho comigo uma sobrinha. Pois vou entregá-la ao pai, porque não tenho que lho dar".
Tal era a situação do Sul e a do Norte. Em ambas o trabalhador rural se via fundamente lesado nos seus interesses e até na sua saúde e força, que são a sua única riqueza.
Do funcionário público já aqui descrevi a sua situação em palavras claras, verdadeiras e proféticas. O que aqui anunciei no ano passado como iminente já está à vista: a debandada dos melhores, a corrupção de muitos, a miséria e a degradação de grande número, a má vontade e a inércia de todos. Por este andar, não tardará que a desorganização dos serviços atinja um grau nunca visto e muito dificilmente remediável.
Sirva de exemplo o que se está passando no magistério secundário. De há anos para cá que os novos abandonam essa carreira, tão miserável é a sua paga e tão odioso o regime a que a sujeitam. Só aparecem senhoras a concorrer a tal oficio. As consequências que depois advirão calculam-nas V. Ex.ªs muito bem, não preciso eu de as escrever.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se está a dizer do professorado secundário dá-se na generalidade dos serviços públicos. Não vale a pena insistir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, o dinheiro que deixou de entrar no bolso do lavrador, do trabalhador rural, do funcionário e de tantas outras classes que seria fastidioso enumerar não fica perdido, não cai no chão. Entra como lucros noutros bolsos e é com eles que uma pequeníssima minoria de indivíduos de certos ramos do comércio e da indústria estão açambarcando tudo: quintas, casas, palácios, jóias de milhares de contos, automóveis estupendos, peles e vestidos ultrajosamente ricos, jogatinas e amantes caras!...
O que sobra de tudo isto, por não haver em que o gastar, é que vai acumular-se nos depósitos bancários.
Aqui fica, em resumo, explicada a origem da inflação destes depósitos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Disse há pouco o ilustre Ministro das Colónias, que muito considero como professor de Direito Administrativo e de quem o eminente professor Gaston Gèze fez em minha presença o mais rasgado elogio - Gaston, que é o criador do Direito Administrativo moderno -, num discurso que os jornais publicaram na íntegra, que a deflação já começara. Já o mesmo dissera no ano passado, pêlos mesmos termos ou quase, o Sr. Ministro das Finanças, que também muito considero. A que factos se referiram Suas Excelências quando fizeram tal afirmação ?
Evidentemente que nem o Sr. Ministro das Finanças nem o Sr. Ministro das Colónias iriam fazer sem fundamento uma afirmação desta importância e gravidade.
Parece-me que a afirmação do Sr. Ministro das Finanças se baseou na baixa que então vinha verificando-se nos preços por junto. Mas essa baixa, devida a causas de momento, logo foi abafada pela inflação e passou sem ter obstado à constante subida do custo da vida - do real, que não só do estatístico.
A afirmação do Sr. Ministro das Colónias parece-me que se refere a um facto que tem ligação com a baixa, que já assinalámos, da circulação potencial e a que já ouvi referências em conversas particulares.
Há rumores de que a afluência de dinheiro aos bancos se estancou desde há uns meses. A procura de dinheiro no mercado subiu e os juros tendem também a elevar-se. Estes rumores explicam a baixa verificada na circulação potencial e, mais do que isso, a baixa de mais de 300:000 contos verificada na totalidade dos depósitos desde 31 de Julho a 31 de Agosto. Pelo visto, essa baixa continua e explica as palavras do Sr. Ministro das Colónias.
Simplesmente, essa baixa dos depósitos, essa deflação da moeda bancária, dado que continue, muito longe de vir iniciar a verdadeira deflação, a autêntica, que é a do volume da moeda circulante, vi-la-á agravar, se a nau das finanças públicas continuar a seguir no rumo que traz, isto é, se continuar a seguir-se o plano financeiro que o Governo adoptou já muito antes da guerra, manteve através de toda ela e que é ainda o que informa a proposta de lei que está em discussão. Que plano é esse?
O Sr. Ministro das Colónias resumiu-o em poucas palavras numa passagem do seu notável discurso já por nós citado. Diz Sua Excelência:

...que a inflação é uma das causas da alta do custo da vida...
Inflação que já se tornou em deflação, com legítimas esperanças de que, segundo a ordem natural das coisas, pela realização de grandes compras no estrangeiro (e basta lembrar todo o movimento normal de reconstituição da marinha mercante e a realização, também em curso, do plano de electrificação do País) se reduziria muitíssimo a circulação monetária.