172 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
e o orgulho de afirmar: sacrificámos tudo para que possa realizar-se a verdadeira união sagrada dos portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, neste sacrifício pela união, que sejamos todos iguais, Sr. Presidente! Nós, os que não queremos revoltar-nos quando por detrás de nós sentimos o ímpeto da revolta, procedemos assim porque, pela nossa idade e pelos exemplos do passado, temos obrigação de servir de guias aos mais novos e de exemplo aos impetuosos. Mas é preciso que à nossa coragem moral outra coragem corresponda.
Se nós, os humildes, respeitamos e amamos os chefes que o destino e a providência de Deus nos estão dando actualmente, também é indispensável que eles respeitem a nossa pequenez. Compreendam que é mais difícil o sacrifício de abdicação pró-unidade que nós vimos fazendo do que o sacrifício de comando que estão a realizar. Muitos deles, que não têm na sua vida passada nem na sua vida presente folhas de serviços comparáveis às dos cadetes de Sidónio, recordem quem os ergueu e quem os mantém. É preciso que os grandes de Portugal compreendam tão bem como nós que a união dos portugueses não pode ser acto unilateral, de baixo para cima. Deve constituir acto bilateral de quantos estejam no alto e de quantos estejam em baixo. De todos os homens que se sintam portugueses e que acima das intrigas e desuniões, acima de tudo o que não é português, ponham a sua qualidade - essa que, repito, só nós temos a honra de possuir - a qualidade de filhos desta bendita terra lusitana.
«Pais pequeno demais para um homem tão grande», disse-o alguém. País enorme, formidável, maior que todos os outros na nossa consciência do portugueses, respondo eu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já vi algures escrever-se que Sidónio Pais, num ano de governo, poucas obras materiais deixara atrás de si. Talvez seja verdade.
Ainda não me dei ao trabalho de pesar na balança da economia política - se é que a economia política porventura possui alguma balança que não tenha os pesos falsificados - as obras materiais do tempo de Sidónio. Mas quando olho para esta Câmara e reconheço que, dos homens de cabelos brancos que aqui estão, a grande maioria é constituída por antigos colaboradores de Sidónio Pais; quando verifico que no exército, nos postos de comando, os oficiais que continuam dando exemplo de prudência e sacrifício à mocidade são os antigos companheiros de Sidónio Pais; quando vejo no próprio Governo alguns dos homens que pela sua obra ou sua memória mais se sacrificaram - pergunto a mim próprio se, acima de todas as realizações materiais, que nunca na vida dos povos conseguiram aguentar um Governo, não é mais perdurável a obra espiritual!
Haja em vista o que sucedeu na vizinha Espanha com Primo de Rivera, atirado ao charco pela ingratidão de um rei, depois de realizar obras materiais importantíssimas!
Recorde-se o vivido actualmente entre nós, quando se chega a negar a evidência dos factos, quando se evita comparar aquilo que existia antes de 1926 com quanto existe hoje, feito por vezes tarde, mas não a más horas, realizado sempre, apesar das criticas dos outros que nada faziam!
Pergunto: para que servirão as realizações materiais, que valem elas, se porventura não tivermos acima de tais obras a força espiritual?
Quem, com o seu sangue herói, regou os corações e fertilizou a terra? Quem fez dos cadetes de Sidónio os homens herdeiros de tão grande força espiritual que são capazes de sacrificar o interesse material em defesa, não dele, que já morreu, mas desta situação política, que é sua continuadora?
E essa obra do espírito, essa obra que não morre, um monumento grandioso que há-de ficar para sempre, ei-la bem patente, é a obra de Sidónio!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Duas palavras mais. Um rapaz, um garoto como eu, que tinha sido um dos heróis da revolução de Sidónio Pais, descreu dos factos, como Martim de Freitas, e não quis acreditar na morte do grande chefe. Veio lá de longe, de terras que são património africano de Portugal, e foi aos Jerónimos verificar se o Presidente tinha morrido.
Ainda hoje, nesta tragédia da vida portuguesa, palpita dentro de mim a repercussão angustiada do que se passou nesse momento.
Sidónio teria morrido verdadeiramente? A sua queda trágica seria mentira posta em curso para que a situação caísse, como caem todas as situações que não estão eficazmente preparadas para o desaparecimento dos seus chefes? ou iria realmente verificar-se mais uma vez como desaparecem os regimes políticos que não possuem, por parte dos seus servidores, este espírito de união que felizmente vive em todos nós e que nos há-de fazer sair vitoriosos das crises internas ou externas por maiores que elas sejam?
A resposta ao tenente de Sidónio foi dada, anos depois, por uma lápide modesta que lá está na igreja dos Jerónimos, no túmulo mais democrático que um Presidente da República poderia ambicionar: «Morreu pela Pátria. Vive eternamente».
Aos homens como Sidónio pode morrer-lhes o corpo, mas a alma, felizmente, essa vive eternamente para guiar as nações através dos séculos.
Há dias recebi uma carta de alguém que estimo, prezo e admiro sobre o comum dos homens. Dizia-me que me sabia preocupado pelo futuro e descrente de alguns homens. Daqui respondo que, enquanto a estrela ardente de Sidónio nos animar, enquanto essa chama sagrada nos iluminar, nós, cavaleiros do optimismo, pela memória de Sidónio e pela vida dos homens que hoje nos comandam, continuaremos a sentir este santo orgulho de sermos portugueses. Poderemos, como a velha guarda de Napoleão, ou como Ribeiro Cazaes e como eu, ser aqueles homens que protestam sempre, vieux grognards, eternos insatisfeitos, sempre em busca de mais e melhor. Poderemos ser, às vezes, um tanto imprudentes nos protestos. Mas, no momento de perigo, ai dos inimigos, ai dos que contam com o nosso desanimo!
A vitória é antecipadamente nossa, porque conservamos o optimismo sadio de não descrer que somos portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes pediu que a Câmara interrompesse os seus trabalhos, por alguns momentos, em homenagem à memória de Sidónio Pais.
Sidónio Pais foi, certamente, nos últimos cinquenta anos da vida nacional a figura que mais vivamente impressionou a imaginação popular, que mais vivamente impressionou o País, porque venceu com bravura; e, assassinado vilmente, morrendo em beleza, com o último pensamento na Pátria, recomendando aos seus amigos que a salvassem, realizou as condições necessárias para acender nas almas