18 DE JANEIRO DE 1947 309
correios fica ali", e designou-se o sitio. É um bom local. Marcou-se com estacas o terreno escolhido e com pormenores combinou-se: "a Câmara paga tanto de expropriação -100 contos aproximadamente-, a repartição A manda visar isto à repartição B, os senhores - Câmara Municipal - pagam desta maneira - e disse-se a forma - e o problema fica arrumado". Mas qual, passado um ano o local não servia e tudo isto tinha sido um balão. A Câmara que escolhesse outro local. E agora estamos no princípio, como há mais de oito anos. Esta é a comparticipação que poderia chamar cara, pelo preço que custaria, e mentirosa, pelos métodos utilizados. Não está certo. E tanto mais abusivo quando pertence ao respectivo sector da Administração ocorrer à construção do edifício sem encargo algum para o Município.
Mas há mais, Sr. Presidente. Pretende-se aumentar o edifício do liceu com anexos que fazem falta ao bom funcionamento pedagógico do estabelecimento. E que se faz? Entra a tal comparticipação. A Câmara expropria os terrenos necessários e o Estado faz o acrescentamento. Encargo para a Câmara de aproximadamente 150 contos com um edifício que obrigatoriamente deveria estar a cargo do respectivo Ministério. Diga-se de passagem que este edifício - o liceu - ocupa a seguinte posição: tem a sua frente principal fronteira em toda a sua extensão com o mercado semanal e onde diariamente se faz o mercado do peixe, está pela retaguarda a 100 metros do cemitério público e dista lateralmente uns 200 metros da cadeia civil. Creio que pedagogicamente não pode ser mais distinta a localização. Esta é a comparticipação cara no custo o incompetente na solução técnica.
Pretendeu-se construir um bairro do habitações para pobres. A Câmara escolheu o sítio que lhe pareceu melhor, no prolongamento dos novos bairros e no sentido da expansão normal e prevista da cidade. Não senhor! O plano de urbanização, que levou uma eternidade a ser aprovado, não consente o bairro dos pobres senão em sítio oposto ao prolongamento da cidade e a uns 200 metros do sanatório. Uma espécie de gafaria para pobres. Como se fosse culpa de alguém ser pobre e não houvesse necessidade de que essas habitações tivessem luz e ar e fossem risonhas.
E o plano de urbanização não permitiu que se construísse o bairro no local indicado pela Câmara porque vai lá ser plantada uma mata! Mata que não existe, nem sequer pintada, no tal plano de urbanização. Há por lá quem diga que a mata é para criação do veados... Como consequência de tudo isto, a comparticipação não aparece. Esta é a comparticipação abusiva nas suas exigências técnicas.
E por último, Sr. Presidente, para não fatigar a Assembleia:
Está a fazer-se há mais de quatro anos a pavimentação dum pequeno largo fronteiro à Sé Catedral. A obra é feita em regime de comparticipação, e sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, quanto custam os escassos pouco mais de 1:000 metros quadrados do referido largo? Mais de 400 contos!
E para cúmulo fica o belo edifício da Sé, que é monumento nacional, enterrado mais de 1 metro numa das suas fachadas laterais. Esta é a comparticipação caríssima, incompetente e criminosa.
Creio, Sr. Presidente, que estes exemplos, e não são só estes os que sucedem em Portalegre, me levam a admitir que há erro de método na aplicação do esplêndido princípio da comparticipação. E é me grato referir nesta tribuna que sempre recebi da parte do Governo as maiores facilidades, todas as informações e os melhores desejos de concertar.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Outro tanto não poderei dizer de algumas tribunecas onde pontificam sectores da Administração que se supõem donos deste País e que eu considero responsáveis de muitos males que, propositadamente ou não, provocam com atitudes que não são aquelas que mais convêm ao bem público e que não estão nos hábitos dos que superiormente comandam e dirigem os destinos deste País.
O Sr. Carlos Borges: - Tribunecas não quer dizer tribunais, pois não?
O Orador: - Não, senhor. São certas repartições públicas ...
Como corolário das minhas considerações tencionava mandar para a Mesa uma moção, mas como sei que no final do debato o Sr. Deputado Mendes do Amaral apresentará uma moção, cujo texto me satisfaz inteiramente, desisto de enviar a minha.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Luis Teotónio Pereira: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que comece por felicitar o ilustre Deputado Sr. Rocha Paris por ter trazido a esta Assembleia um assunto de interesse tão palpitante e sério, se o encararmos no seu aspecto político.
Li há poucos dias que mais de 80 por cento da população portuguesa vive fora das cidades, isto é, nas vilas e aldeias. Para a maior parte dessa gente o Governo é a câmara municipal, é esse o departamento da Administração com o qual estão mais em contacto. E que ideia poderá essa parte da população fazer da administração pública, olhando-a através das ruas esburacadas das suas vilas, dos caminhos intransitáveis das suas aldeias, das fontes sem torneiras, das obras por concluir, das imundícies acumuladas por toda a parte e tudo o mais que chama a nossa atenção quando visitamos muitas dessas localidades ?
E tudo isto, Sr. Presidente, porque o Código Administrativo actualmente em vigor e a legislação especial que tem sido publicada vieram agravar ainda mais esta situação.
Fui presidente da Câmara Municipal de Almada durante cerca de quatro anos. Lembro-me de que dias antes de tomar posse do lugar encontrei um funcionário daquela Câmara, já falecido por sinal, homem muito culto e sabedor, que, depois de trocar comigo algumas palavras amáveis, me disso: e o senhor não pode fazer nada. Ninguém pode fazer nada. Há o Código Administrativo".
Isto foi assim mesmo. Eu tinha conhecido o Código Administrativo no seu período de incubação, quando Procurador à Câmara Corporativa, quando ele foi apreciado pela secção de que fazia parte, mas depois a minha atenção foi desviada para outros assuntos, e eu não tinha mais pensado no Código Administrativo. Em breve, porém, verifiquei que nada tinham de exagero as palavras do antigo funcionário da Câmara; bastou-me para isso a elaboração do primeiro orçamento camarário a que tive de proceder.
A previsão das receitas é fácil, há para isso regras estabelecidas no Código Administrativo, mas se fiz isso sem preocupação no primeiro ano já o mesmo não sucedeu no segundo. Tinha a experiência do que me havia sucedido no ano anterior com a recepção de ofícios de determinados organismos responsáveis, como agora se diz, e concebidos pouco mais ou menos nos seguintes termos: "Para os devidos efeitos comunica-se que no mês de tal o gado a abater não poderá ser em quantidade superior a 50 ou 30 por cento do abatido em igual