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18 DE JANEIRO DE 1947 303

de Campos, no seu livro Problemas Fundamentais Portugueses.

Quando os cruzados do Norte abordaram ao Douro e subiram à sua acrópole para ouvirem o prelado Pedro Pilões, que os convenceu a acompanharem D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa aos mouros, já o cruzado Osberno aludia ao Cabedelo, dizendo que as suas areias tinham grandes virtudes medicinais. Hás, se as areias da foz do Douro tinham então essas pretensas virtudes medicinais, hoje têm defeitos gravíssimos. Já então a barra do Douro possuía o Cabedelo.

No século XIII, segundo decretos de D. Afonso III, como é recordado sobre ampla documentação por Alberto Sampaio, o porto do Douro estava em comunicação estreita, em comércio ou tráfego marítimo, com os países do Norte - França, Holanda, Flandres e Inglaterra.

No século XIV os moradores de Lisboa e Porto faziam um tratado de pesca com Eduardo III de Inglaterra. No mesmo século, segundo Fernão Lopes, o maior rendimento do Rei D. Fernando, autor de muito altas realizações nacionais, era o das Alfândegas de Lisboa e Porto.

Sr. Presidente: não vou alongar-me numa evocação que trouxesse aqui à tela do debate a história do porto do Douro através dos tempos.

Basta recordar nomes como os de dois portuenses, Ricardo Jorge e Magalhães Basto, que nos seus trabalhos puseram em evidência a função primacial do porto do Douro através da história como meio de ligação e tráfego com outros pontos do Mundo.

O movimento do Douro nas condições actuais consta de algumas estatísticas. Do 1931 a 1935 o comércio especial foi o seguinte:

Importação: Lisboa, 60,8 por cento da total do País; Porto, 32,3 por cento. Exportação: Lisboa, 38,2 por cento; Porto, 36,3 por cento.

Estes números mostram a importância do tráfico marítimo do Porto, embora não só através da barra do Douro, mas também através do porto de Leixões, realização para cuja eficiência tem contribuído as obras complementares levadas a efeito por esta situação política.

É certo que, sob alguns aspectos, parece que o movimento pela barra do Douro e por Leixões tem diminuído de volume.

Assim, por exemplo, as estatísticas de Agosto do ano findo dão para a pesca de arrasto desembarcada no continente, por Leixões e Porto apenas 271 toneladas, para a Figueira da Foz 206, Peniche 30, ao passo que pura Lisboa o movimento do descarga ascendeu a 2:545 toneladas, quase 10 vezes mais do que o movimento correspondente dos portos do Norte do País, onde se encontra uma densíssima e avultada população. Isto é grave, por mostrar uma desnecessária e prejudicial concentração do abastecimento de peixe na capital. Porém, o movimento de navegação marítima nos portos da metrópole em Setembro do 1946 aparece com números mais confortantes. Nesse mos, em Lisboa o movimento foi de 241 embarcações, no Porto foi de 78 na barra do Douro e de 57 em Leixões, sendo certo que as 57 que entraram na barra de Leixões representam uma tonelagem tripla das embarcações na barra do Douro.

Seja como for, Sr. Presidente, eu não vou alongar-me em considerações sobre esta matéria, certo de que ninguém duvida da importância do rio Douro como porto marítimo.

A construção do porto de Leixões representa uma solução feliz e indispensável das dificuldades oferecidas pelo Douro à navegação de grande cabotagem, mas uma solução completa que lhe não faça perder as características de porto de tráfego interior e para embarcações de pequena tonelagem de tráfego exterior, não devendo esquecer-se o papel do Douro no importante comércio dos vinhos do Porto.

Infelizmente, Sr. Presidente, continuam sem um ataque, que se impunha, os baixios e cachopos da barra do Douro, e o Cabedelo lá está apenas à merco das vicissitudes do regime fluvial do Douro; são as cheias mais ou menos periódicas do Douro que resolvem, por meios naturais, o que já há muito devia ter sido objecto de providências governativas enérgicas.

Em meados do ano passado, graças às solicitações incessantes da Associação Comercial do Porto e da Associação Industrial Portuense, foi enviada para o Douro a draga Salazar. Essa draga trabalhou durante alguns dias e depois retirou sem ter concluído a tarefa.

Entendo que a situação criada pelo desastre bem penoso de que esta manhã todos tivemos conhecimento -a obstrução da barra do Douro por um barco naufragado- não deve repetir-se com a frequência desoladora com que se dá. São necessárias providências enérgicas para a retirada do barco naufragado.

Esta situação deve terminar; devem ser atendidos os pedidos instantes da Associação Comercial do Porto o da Associação Industrial Portuense. Devem realmente ser efectivadas com energia e urgência as providências que estão em estudo ou que foram decretadas já em alguns diplomas legislativos recentes. As leis dos portos de 1926 o 1927 estabeleceram a classificação daqueles e o financiamento das obras que neles se impunham. Depois, os decretos n.ºs 15:644, de Junho de 1928, 17:049, de Junho de 1929, etc., estabeleceram o regime de empréstimos para esses financiamentos. Mais recentemente, o decreto n.º 33:922, de Setembro de 1944, fixou a segunda fase das obras a realizar nos portos.

Eu sei que está em estudo cuidado no Ministério das Obras Públicas a série de providências que se impõem para melhoramento da barra do Douro. Mas esta tarefa é urgente. Torna-se indispensável que a cidade do Porto assista com satisfação à obra imediata da melhoria do seu porto do Douro.

Eu sou um dos mais calorosos admiradores da obra do grande Ministro que foi o malogrado engenheiro Duarte Pacheco, e, no entanto, encontro-me em discordância com a sua acção no facto de ele ter ligado uma importância muito secundária ao porto fluvial do Douro. Entendia o engenheiro Duarte Pacheco que bastava fazer a regularização das margens do rio, como, por exemplo, com a estrada marginal que vai da ponte de D. Luís I até perto da foz do Sousa; que bastava construir um porto fluvial e um mercado mais ou menos na altura do esteiro de Campanhã. A meu ver, Sr. Presidente, impõe-se, quer do lado do Porto, quer do lado do Gaia, a construção de cais acostáveis e, de um modo geral, o devido apetrechamento do nosso porto do Douro.

Assisti, alanceado, já a duas grandes tragédias marítimas nas proximidades do Porto. Assisti há trinta e cinco anos ao naufrágio do Véronèse. Levei aos náufragos o concurso modesto dos meus serviços clínicos de médico recém-formado e tive uma grande satisfação em ver que, graças à ligação que foi feita entre o paquete o a costa, foi possível salvar muitos tripulantes e passageiros.

Mas assisti, ainda mais alanceadamente, a um dos espectáculos mais trágicos que tenho presenciado: foi o naufrágio do Deister na barra do Douro, junto da qual uma multidão enorme, de que eu fazia parte, viu, impotente, o desenvolver de esforços inúteis para acudir a pessoas de cuja morte nós fomos afinal testemunhas de vista.

É necessário melhorar o serviço de pilotagem e o de socorros a náufragos na barra do Douro; é necessário que não mais possam morrer assim, à vista de uma multidão impotente e angustiada, tantos desgraçados. Especialmente, não faz sentido que a barra do Douro fique obstruída com o naufrágio de uma pequena embarcação.