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306 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 70

portução de produtos, até união impossível por falta de transporte, assume às vezes aspectos que vão além de todas as esperanças.

Mas o Fundo de melhoramentos rurais nunca atingiu nem o grau de organização nem o grau de financiamento que seria de desejar e que talvez estivesse na ideia inicial. O orçamento foi sempre avaro na sua dotação - uns parcos 10:000 contos, se se exceptuarem os anos dos Centenários. E até 31 de Dezembro de 1945 o total concedido pelo Fundo de melhoramentos rurais não vai além de 182:251 contos, desde 1930-1931.

Batalhei dentro da minha modesta esfera de acção, por intermédio do parecer das contas públicas e nesta tribuna, e até em artigos na imprensa, pelo reforço da verba e melhoria na percentagem das comparticipações.

Quando a gente medita sobre o que se realizou com aqueles 180:000 contos, durante os quinze anos e meio em que foram distribuídos, não pode deixar de reconhecer a habilidade e a devoção de dezenas e dezenas de administradores locais, desinteressados regionalistas, que sonhavam com o caminho ou a fonte local, que administravam directamente ou por empreitadas os poucos recursos que lhes distribuíam. Eu conheci e conheço alguns e V. Ex.ª também os devem conhecer: presidentes ou vereadores de municípios, presidentes ou vogais de comissões de melhoramentos ou de juntas de freguesia, gente humilde às vezes, que não aspira no realce dos seus nomes em grossas letras de imprensa, mas que sentiu e sente a necessidade impreferivel e urgente de desenvolver as rogiões que habitam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando se compara a parcimónia com que se discutiam e discutem com empreiteiros locais os custos das obras que não podiam ir além do que o que se contém na comparticipação do Estado, porque o município não tem receita, quando se compara essa parcimónia com as volumosas quantias usadas em coisas de incomparavelmente menor projecção na. vida social e económica do País, sente-se não terem sido bem compreendidas as exigências materiais da enorme massa rural, que é no fundo o esteio moral e económico da vida colectiva portuguesa.

Desta insuficiência no desenvolvimento dos campos tem resultado males para a vida nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um deles, bem vincado e assinalado nos últimos tempos, é a tremenda atracção para a cidade, para a grande cidade. E Lisboa oferece, a quem queira ver com olhos de julgar, um espectáculo que bem pode transformar-se em tragédia dentro de uma dezena de anos. Estamos a assistir a um tremendo êxodo de gente da província pura as duas capitais de Lisboa e Porto. E as consequências pungentes, tanto no ponto de vista social, como económico e moral, começam já a repercutir-se na cidade 3 no campo. Sentem-se nas condições higiénicas: a tuberculose a ser levada de Lisboa para a província; vêem-se na vida local: a falta de mão-de-obra em algumas zonas; sobressaem da habitação em Lisboa: a horrível promiscuidade em casas apertadas, acanhadas, sem ar nem luz. Ainda há pouco, numa pequena freguesia da Beira Baixa, se realizaram, em alguns meses, dez casamentos: todos os recém-casados vieram para Lisboa e nenhum deles para casa própria. Sr. Presidente: unia série de problemas gravíssimos está ligada à vida dos campos - não são apenas problemas locais, regionais, são problemas de ordem geral, de interesse nacional. E este da habitação de Lisboa

- que não poderá ser resolvido, por mais voltas que lhe dêem, sem travão forte contra a fuga dos campos - não é dos menos importantes.

E como não há-de a população das zonas mais pobres ser atraída por seduções que vêm da capital? Como há-de ela resistir, se aqui lhe oferecem trabalho mais fácil, se aqui se criam ou multiplicam, até inutilmente, empresas, organismos, ou instituições que dão emprego? Porque se hão-de concentrar as indústrias, as oficinas, e uma grande parte da vida do Estado, nos seus múltiplos aspectos, na capital do País?

Porque não desviar para o largo campo de trabalho que pode ser a província muitas das actividades que são excrescências na própria capital?

Porque não hão-de dotar-se com melhoramentos indispensáveis pequenas cidades, vilas e aldeias onde ainda falta muita coisa: a água, o esgoto, o caminho c transporte fácil e o resto que constitui um mínimo de bem-estar material?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - (Esta questão do urbanismo pode ter grandes reflexos na vida do futuro. Num estudo recente que eu próprio fiz com auxílio dos municípios dos arredores das duas grandes cidades de Lisboa e Porto - e não fui muito feliz no auxílio que deles esperava - cheguei à conclusão de que na sua zona de influência deve hoje habitar perto de um quarto da população total do continente português, computada para 1945 em cerca de 7.600:000 habitantes. E chamo zona de influência aos concelhos que, de qualquer modo, já compartilham da vida da grande cidade - os de Cascais e Oeiras, parte de Loures e de Sintra, Almada e Barreiro, em Lisboa; os de Vila Nova de Gaia, Matosinhos e outros, perto do Porto. A continuar a dar-se o desenvolvimento destes dois grandes aglomerados demográficos, que os anglo-saxónios chamam conurbation, dar-se-á dentro de uma década o fenómeno conhecido e pernicioso que diversos países europeus e americanos tentam hoje dominar - a confusão de grandes massas demográficas em espaços restritos, com os gravíssimos inconvenientes "lê tráfego excessivo, de habitações sórdidas e acanhadas, de mortalidade difícil de restringir, de natalidade baixa, de saldo fisiológico deficitário - uma série de males para os quais, em uma das cidades europeias, só se encontra remédio na evacuação, que provavelmente terá de ser forçada, de, pelo menos, um milhão de habitantes.

Se fosse feito hoje inquérito habitacional como o empreendido há anos nalguns bairros de Lisboa, seriam ainda bem mais trágicas as conclusões-e quem conhece um pouco a vida de grandes aglomerados europeus, em países pequenos como a Áustria, onde Viena, como polvo insaciável, suga os recursos de uma pequena nação que já foi grande, sabe bem os inconvenientes das grandes cidades fora de proporção com os recursos financeiros ou outros do país em que se acham situadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: tudo indica pois o revigoramento das velhas sociedades provincianas e sobretudo mirais e a descentralização adequada da indústria e de outras actividades. Tudo indica que se tomem medidas no sentido de dificultar a vinda para Lisboa não apenas das classes trabalhadoras, mas de muitas que têm seu lugar marcado na província. Ainda há pouco uma estatística relativa a 1945 me dizia que de 5:187 médicos existentes no País, incluindo as ilhas, exercem a sua actividade na cidade de Lisboa 1:018, ou perto de um terço. E, se considerarem os distritos de Lisboa, Porto e Coimbra, há neles 3:146 médicos, ou