18 DE JANEIRO DE 1947 311
O assunto encontra-se já largamente versado pelos oradores que mo procederam e, como se não trata agora d a apreciação, em minúcia, do articulado de uma lei, nem mesmo das suas bases, poderá entender-se que, nesta altura da discussão e em matéria de sugestão ao Governo, esta Câmara se terá já suficientemente manifestado.
Existe, porém, um aspecto da questão que aqui foi nitidamente focado com a autoridade e o «saber de experiência feitos» do ilustre Deputado Dr. Mendes Correia e que julgo do meu dever vir comprovar com os resultados da minha própria experiência.
Reporto-me à alusão feita ao sistema de directores de serviços na orgânica das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto, implantado pelo actual Código Administrativo.
Disse aquele nosso ilustre colega que pela criação daquele sistema supusera ele inicialmente que o desempenho de tais funções em cargo de confiança pessoal e directa dos presidentes das Câmaras de Lisboa e Porto ficaria circunscrito ao período de actuação de cada presidente, tal como acontece com os chefes de Gabinete dos Ministros ou, para citar exemplo ainda mais recente votado por esta Câmara, com o que se passa com os secretários gerais dos governadores d-.: províncias ultramarinas.
O que se deu, porém, neste caso é que tais cargos se converteram em situações vitalícias e absolutamente burocratizadas, passando os directores de serviços das Câmaras de Lisboa e Porto à equivalência de directores gerais dos Ministérios.
Ora, não venho para aqui (nem isso interessa, sequer, à sequência do meu raciocínio) discutir qual dos sistemas é o mais conveniente, visto que há, certamente, prós e contras, e sobretudo porque os vários departamentos municipais tem. em qualquer hipótese, de ser, como é óbvio, chefiados hierarquicamente. Portanto, quer com o nome de director de serviço, quer com outro qualquer, alguém tem de existir que chefe os diversos sectores da actividade municipal. E digo isto para tranquilidade daqueles que desempenham tais cargos.
Mas é nesta altura das minhas considerações que surge um aspecto que desejo vincar no espírito da V. Ex.ª e que é o da falta de autoridade e de prestígio em que dentro de semelhante orgânica se encontram os vereadores, precisamente aquelas individualidades directamente eleitas pelos interesses municipalistas. quando todas as outras silo de nomeação do Poder Central.
Eles, os vereadores, passaram a ser uns simples conselheiros municipais, que reúnem umas doze vezes por ano e que, entre uma sessão e outra, perdem todo o contacto com a efectivação das resoluções tomadas! E, por maior que seja o seu interesse, a sua dedicação e o seu entusiasmo pela causa que servem é pelas soluções adequadas aos múltiplos problemas da vida de uma graúdo cidade, sentem-se ilaqueados e desmoralizados pela situação em que o Código Administrativo os colocou!
A orgânica da administração municipal das duas grandes cidades da metrópole assenta, como se sabe, no sistema presidencialista.
O critério a que esta organização obedeceu foi o de conceder ao presidente amplos poderes para agir à vontade o realizar sem peias as obras e melhoramentos urbanísticos de que os nossos dois grandes núcleos populacionais muito careciam a para, cada um dentro da sua esfera própria, acertarem o passo com o progresso material das cidades congéneres estrangeiras.
Ora, para falar com toda a franqueza, afigura-se-me que o sistema deu pleno resultado em Lisboa e não o deu no Porto. E porquê?
Porque, se é curto que no Porto se fez uma magnífica obra de municipalização dos serviços de interesse público, com incontestáveis resultados benéficos para a população da cidade, como os de exploração do gás e electricidade, águas e saneamento e ainda recentemente os dos transportes colectivos, essa circunstância obriga o presidente a uma dispersão de trabalho, canseiras e preocupações, presidindo a outros tantos conselhos de administração desses serviços e desviando forçosamente a sua atenção da efectivação das grandes obras de urbanização de que o Porto tanto carece.
O Sr. Mendes Correia (interrompendo): - Mas o presidente pode delegar a presidência desses conselhos e não é obrigado a ir lá.
O Orador: - Perfeitamente.
Se a todos aqueles trabalhos e ao volumoso expediente, que exige longo despacho e frequentes conferencias, acrescentarmos as funções de representação numa cidade onde existem sómente três ou quatro autoridades representativas, constantemente solicitadas a presidir ou tomar parte em solenidades públicas ou reuniões de outra natureza (quando na capital tudo isso se dilui por numerosas entidades oficiais), ter-se-á uma ligeira ideia do esforço verdadeiramente esgotante exigido ao presidente da municipalidade portuense.
Não se veja nestas minhas palavras o mais leve vislumbre de crítica à actuação pessoal de qualquer dos três presidentes da Câmara Municipal do Porto com quem tive a honra de servir. Aquele esforço a que atrás me referi dá-o magnificamente, e com a abnegação mais admirável, o professor Dr. Luís de Pina, a quem, como Deputado e como munícipe do Porto, rendo o preito da minha profunda admiração e da minha sincera estima.
Mas nem por isso deixa de existir o problema; o as tendências são para que ele cada vez se agrave mais.
Se olharmos para trás e investigarmos como as coisas se passaram no Porto nestes últimos trinta anos, verificaremos que, em matéria de melhoramentos urbanísticos, aqueles que lograram realizar-se foram-no pela força do espírito de iniciativa e do dinamismo pessoal dos vereadores do pelouro das obras, quer no caso da profunda remodelação do centro da cidade, feita por Elísio Melo, quer no conjunto das realizações das câmaras militares desta situação política durante o tempo em que subsistiu o regime de pelouros.
Peço muita desculpa a V. Ex.ª, Sr. Presidente e meus senhores, de ter de falar agora um pouco da minha pessoa, porque fui educado a considerar isso uma atitude, senão impertinente, pelo menos bastante deselegante.
Mas, como tenho de comprovar o meu asserto, vejo-mo forçado a contar a V. Ex.ª que há muitos anos tenho acompanhado em livros, revistas e viagens a vários países da Europa esse portentoso movimento que sob o nome de urbanização e de urbanística se tem desenvolvido no estrangeiro e também no nosso País, interessando-me com paixão e entusiasmo pelos múltiplos problemas da estética, da habitação, dos transportes e do progresso material das cidades.
Esta faceta do meu espírito, aliada ao grande amor pela terra que me foi berço, levou-me a criar a doce e ingénua ilusão de poder realizar alguns desses ambicionados melhoramentos na altura em que me foi oferecida a oportunidade de aceitar uma candidatura de vereador da câmara no Município do Porto para o quadriénio de 1942-1945. Uma vez eleito, acompanhei a actividade municipal com o maior carinho e devoção bairrista, quanto pude e soube, durante quatro anos, em que não faltei a uma única sessão realizada, em que repetidas vezes intervim, tanto interna como publicamente, no sentido de