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22 DE JANEIRO DE 1947 329

Pode objectar-se-me que isto representa mais um encargo para as câmaras. Penso, pelo contrário, que daí lhes adviria uma economia considerável, com a vantagem de trabalharem mais seguramente e sem perigo de posteriores percalços.

Assim se poderiam evitar muitas arrelias e despesas.

Um exemplo apenas dos muitos que me passaram pelas mãos:

Quando estava à frente do Governo Civil do distrito de Beja, a câmara do concelho sede do distrito, competentemente presidida por quem hoje ocupa uma alta função no Ministério das Colónias, no louvável desejo de promover o progresso do concelho e da cidade, que efectivamente conseguiu, mandou elaborar dois projectos- para um novo matadouro e para o estádio municipal. Encarregou desses trabalhos um engenheiro diplomado inscrito no Ministério das Obras Públicas e Comunicações.

Esses projectos, como é de calcular, custaram ao município muitos milhares de escudos, gastos afinal ingloriamente, por ambos haverem sido reprovados.

O Sr. Melo Machado:-Há um processo muito simples: é ajustar esses projectos depois de aprovados.

O Orador:-Mas é que muitas vezes há condições estabelecidas na melhor boa fé..

O Sr. Melo Machado:-A principio escapou. Agora não pode escapar.

O Orador: -A Gamara teve de escolher novos técnicos, de gastar novas importâncias o -o que foi pior- as obras sofreram um atraso de dois anos, durante os quais os materiais e a mão-de-obra se agravaram consideravelmente.

E como este quantos outros casos se não darão por toda a parte e que só por si justificam a criação dos gabinetes de engenharia a que há pouco me referi!

A sugestão aqui fica, para ser considerada por quem do direito.

Acabei de expor. Sr. Presidente, embora sucintamente, o que penso sobre a actual crise dos municípios e os meios de melhor a debelar.

Outras sugestões e alvitres, bem melhores do que os meus, aqui foram apresentados, e por certo não deixarão de merecer superiormente o necessário acolhimento.

Sr. Presidente: no dia 25 de Setembro de 1925, na sala do risco, onde se realizava o julgamento dos bravos oficiais do 18 de Abril, uma nobilíssima figura de militar, que pelas suas excelsas qualidades e virtudes ascendeu à mais alta magistratura da Nação, que profundamente o venera e respeita, declarou que a Pátria estava doente.

Pedindo licença para parafrasear as palavras de tão eminente português, digo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, pelas considerações que aqui largamente foram feitas, que os municípios portugueses estão doentes.

Tenhamos, porém, fé e confiança!

Confiemos, como sempre, no Homem que a Providência colocou à frente dos destinos do Portugal.

Se, mercê, da sua inteligência, do seu esforço perseverante e do seu patriotismo sem par, conseguiu salvar a Pátria da ruína e da morte, também há-de melhorar as condições de vida dos municípios que fazem parte dessa mesma Pátria, aumentando-lhes o prestígio e o esplendor.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem 1 O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Assembleia, apresento a V. Ex.ª as minhas saudações e respeitosas homenagens.

Quando pensei em intervir no debate suscitado pela apresentação do aviso prévio do nosso ilustre colega Rocha Paris acerca da angustiosa situação dos municípios tive a veleidade de supor que a minha curta experiência de presidente de um remoto município rural poderia trazer a Assembleia qualquer coisa de inédito que porventura fosse desconhecido dos ilustres Deputados.

Porém, verifico neste momento, depois das brilhantes orações aqui produzidas, depois de ver o assunto tratado com tanto pormenor e com tanta elevação e tanto carinho, que só me restava dar o meu caloroso aplauso aos oradores que me antecederam.

Não tinha dúvidas de .que o assunto deveria merecer a esta Assembleia um grande carinho e uma grande atenção, porque, como já aqui foi dito, a administração .municipal é o prolongamento em extensão geográfica e, pode dizer-se, também em projecção política da administração central do Estado.

Por outro lado, quando há dez anos aqui se discutiram as bases apresentadas pelo Governo .para a elaboração do futuro Código Administrativo, o assunto mereceu também a esta Assembleia um elevado interesse, um verdadeiro carinho nacional, e durante as três sessões que durou essa discussão produziram-se notáveis e relevantes afirmações.

Sem melindre para nenhum dos oradores que então intervieram no debate, eu quero recordar duas afirmações aqui produzidas, que se relacionam de certo modo com o estudo que estamos fazendo do assunto. Disse, por exemplo, o ,Sr. Deputado Águedo de Oliveira que os regimes administrativos são quase sempre, senão sempre, independentes dos regimes propriamente políticos, como realização e como triunfo renovador, que podem, quando bem traçados, sobreviver a todas as contingência de natureza política e podemos acrescentar a todas as emergências de natureza económica e social.

Disse também nessa ocasião o ilustre Deputado Dr. João do Amaral que estranhava que, havendo na Constituição Política da República um reconhecimento da soberania social da família e havendo no Estatuto Nacional do Trabalho igual reconhecimento da soberania social, todavia não encontrasse nas bases propostas para elaboração do Código Administrativo o mesmo reconhecimento da soberania social dos municípios.

Eu suponho, Sr. Presidente, que se de facto se tivesse dado um pouco mais de atenção a essas judiciosas observações na elaboração do Código Administrativo, se tivessem dotado os municípios com maiores condições de vitalidade e de resistência às contingências da vida económica, talvez não estivéssemos aqui a discutir e a debater a difícil situação em que eles actualmente se encontram.

No fundo, quero crer que não se tratava propriamente de lhes dar maior ou menor descentralização, mas apenas uma maior autonomia, de movimentos, uma maior confiança da parte do Poder Central no patriotismo das populações e dos seus representantes legais, e ainda, citando aã palavras do ilustre presidente do Município do Porto, "uma solidariedade compreensiva" da parte das repartições centrais superiores da Administração pais com as administrações locais.

Não há dúvida, porém, de que a difícil situação em que actualmente se encontram os municípios é ainda um efeito das perturbações produzidas pelo abalo dó seis anos de guerra e pelas alterações das condições económicas do Mundo, perturbações que não foram