330 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 76
apenas de ordem material, mas que foram também, talvez não menos, gravemente, incidir sobre certos princípios morai" que se deveriam considerar "ternos e se revelam no esmorecimento do amor à terra onde se nasce, à família a que se pertence e até à própria Pátria, tendendo a substituir esses sentimentos por atitudes inexplicáveis- de egoísmo e desinteresse e até de desprezo para qualquer coisa que possa representar um contributo de solidariedade social.
Nos últimos "nos transcorridos, à parte o Estado e algumas actividades industriais e comerciais mais ou menos protegidas, não há dúvida de que quase, todas as unidades orgânicas da, Nação, a começar pelas famílias, se viram a braços com o desequilíbrio dos seus orçamentos, pela razão simples de. que lhes não foi possível irem actualizando as suas receitas à medida que a inflação monetária e a rurefacção dos bens do consumo lhes iam elevando o nível das suas despesas.
E se já há dez II nos, como aqui se disse na discussão dias bases do Código Administrativo, havia despesas a cargo dos municípios que rigorosamente lhes não pertenciam, e que eram até incomportáveis, o que diremos hoje, depois de .agravadas, como se agravaram, as condições materiais da sua. vida em todos os- aspectos, porque, constituindo os adicionais às contribuições directas do Estado o fundo das receitas dos municípios, eles não tem beneficiado de qualquer actualização, a não ser recentemente aquela que proveio do aumento de 10 por cento da contribuição predial. As taxas de licenças previstas no Código estão quase todas no máximo e até os rendimentos dos serviços chamados municipais, que em alguns casos estão industrializados, tendo os seus- preços de venda fixados antes da guerra, viram enormemente agravadas as despesas com a conservação e manutenção desses serviços, despesas quase todas de carácter material.
Isto no que diz respeito à vida normal do município; mas nós temos de olhar para a natural tendência de expansão desses organismos, expansão determinada também pela influência da conjuntura de guerra e que, contra o que muita gente supunha, não se fez sentir apenas em determinados países, anãs sim em todos e. dentro deles, não só nos grandes centros populacionais, mas também nos pequenos centros concelhios e rurais. A crise de habitação em quase todos os concelhos é gravíssima. Já aqui foi vincado com toda a proficiência o problema propriamente de sanidade das populações e ia aqui se demonstrou como esse problema pesagravemente sobre as condições financeiras dos municípios.
Não vale a pena estar a repetir o que representa para as administrações municipais a questão da assistência sanitária.
Esse assunto é dos mais graves para a vida dó município, mas nós esperamos, pelo que ouvimos há pouco tempo ao Sr. Ministro do Interior, que ele tenha uma solução favorável e que deixe de constituir um verdadeiro pesadelo para a gerência das finanças de qualquer concelho a contribuição para a hospitalização dos seus doentes nos hospitais centrais do País.
Quero referir-me também a um aspecto que já aqui foi ventilado por vários oradores e que é a indiscutível acção de assistência que o Estado tem prestado à vida dos municípios: a das comparticipações. E quero referir-me a esse assunto porque, como já foi dito, a questão das comparticipações, indiscutivelmente de louvar e agradecer, poderia ser levada a efeito em condições de se tornar mais {profícua e mais útil para os municípios.
As comparticipações para serem obtidas exigem por parte das câmaras o cumprimento de um condicionalismo que, na maior parte dos casos, lhes é difícil cumprir, principalmente no que respeita à prévia apresentação de projectos e orçamentos rigorosos.
Esses projectos são, naturalmente, caros, e, na maior parte dos casos, uma das dificuldades com que as câmaras lutam é a de encontrar a verba necessária para o seu pagamento, porque, se algumas têm conseguido obter esses projectos para serem pagos depois de devidamente aprovados, na maior parte dos casos, segundo me consta, os autores dos projectos não dispensam o pagamento antecipado de uma parte pelo menos.
Além disso, por experiência pessoal, já tive ocasião de verificar que, contra o que eu supunha, uma comparticipação, uma vez concedida, está muito longe de ser uma comparticipação dada, pois ela vai sendo dada às câmaras em regime de prestações, depois de convenientemente fiscalizada e verificada a obra, e com notável atraso sobre a execução dela, a ponto de muitas vezes a comparticipação, em lugar de ser de financiamento à câmara, se transformar num financiamento da câmara à comparticipação.
Também me consta que as comparticipações são, em regra, muito oneradas com as grandes despesas que a sua apertada fiscalização acarreta.
Quer-me parecer que, em conformidade com o princípio que há pouco enunciei de que devia existir uma maior confiança da parte das repartições do Poder Central para com as administrações locais, essas comparticipações, uma vez aprovadas, deviam ser postas imediatamente à disposição da câmara que as tinha requerido.
Quanto aos empréstimos, também me parecia que poderiam ser facilitadas as formalidades para a sua obtenção e também que, uma vez autorizados, ou, melhor, uma vez verificada, u face das disposições do Código, designadamente as dos artigos 673.º e 674.º, a capacidade financeira da câmara para contrair determinado empréstimo, devia ser a administração municipal o único juiz da oportunidade e do objectivo da aplicação do empréstimo.
Sr. Presidente: tenho resumido o mais que posso as considerações que tencionava trazer a esta Assembleia.
Mas eu sairia daqui com um espinho se não aproveitasse este ensejo para, depois de tudo quanto aqui se pronunciou acerca das dificuldades que existem hoje na gerência de uma administração municipal, na minha qualidade de representante político da Nação e pondo de parte completamente a circunstância acidental de ser presidente de um município, dirigir daqui uma calorosa saudação a todos esses abnegados portugueses que nesta hora estão à frente das administrações municipais e que certamente não encontram nessa honraria qualquer espécie de compensação para o sacrifício que fazem dos seus interesses e conveniências particulares e sobretudo dos desgostos e dissabores com que vão marcando a pedras negras o trilho das suas jornadas administrativas.
Quero dirigir esta saudação porque sinceramente afirmo a minha admiração por verificar que, a despeito de tudo, ainda se encontram devotados patriotas que estejam dispostos a fazer esse autêntico sacrifício.
Sr. Presidente: espero que ao Governo da Nação este assunto mereça uma atenção e um carinho pelo menos iguais aos que esta Assembleia demonstrou por ela. É nessa presunção peço licença para apresentar, em meu nome e no dos Srs. Deputados Rocha Paris, Manuel Lourinho e Melo Machado, uma moção, em que procuramos condensar as considerações e os votos aqui formulados, e pedir a V. Ex.ª que dela seja dado conhecimento ao Governo da Nação.
Essa moção é a seguinte:
"Considerando que importa manter vivo o espírito municipalista, de tão antiga tradição;