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354 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 78

sível a resolução de um problema de ordem económico-social de grande importância para uma vasta área do distrito de Beja (9:660 hectares), integrada na zona maior produtora de trigo do País -o concelho de Mértola-, que em 1916 foi o concelho que produziu mais trigo, porque esse ano coincidiu com a arroteia e maior sementeira da serra em questão.
Não maçarei a Câmara com uma larga justificação do projecto, porque isso seria incompatível com o tempo de que me é permitido dispor e porque o projecto vai acompanhado de minucioso relatório elucidativo.
A serra de Mértola, ou serra de (Cambas, por pertencer à freguesia de Santana de Cambas, não é uma região montanhosa, como do nome se poderá depreender, mas apenas de terras onduladas, mais acidentada junto dos cursos de água - a ribeira de Chanças e o Guadina (que a limitam a leste e oeste) e seus afluentes -, mas ainda assim com altitudes máximas que mal chegam aos 300 metros. Dada a sua orografia, das mais acidentadas da região, e porque até ao fim do século passado se manteve coberta dê grandes matagais, onde abundavam os lobos, os javalis e as quadrilhas de malfeitores, e ainda por ser baldio, os habitantes da região lhe chamavam c A Serra».
Este baldio já existia no reinado de D. Dinis, que confirmou por carta régia o privilégio, depois ratificado por outros monarcas, de só poder ser utilizado pelos habitantes da região de Cambas. Com a necessidade de alargar a cultura cerealífera, a serra, que em recuados tempos «ó era utilizada para a apicultura e pascigo de algumas cabradas, passou a ser cultivada pelos habitantes natos da freguesia de Cambas. A serra assim era de iodos e de ninguém, pois nenhum cultivador podia construir nela casa telhada, apenas cabanas cobertas de colmo e terra batida, ou praticar outro acto de que pudesse depreender-se qualquer direito de propriedade. A serra assim era desfrutada mais em regime de rapina do que com interesse por um desfruto racional e de boa conservação da propriedade.
A sombra deste direito consuetudinário surgiram, porém, exploradores, que, ludibriando esse direito, cultivavam na serra grandes extensões em seu exclusivo proveito, mas evocando os legítimos interesses do povo.
Daqui resultaram dois grupos entre os cultivadores da serra, apoiados por outros dois grupos políticos, tanto nos últimos anos da Monarquia como nos primeiros da República: os que pretendiam a divisão da serra para desfrutarem como melhor entendessem o bocado que lhes pertencesse e os que não queriam a divisão, para poderem desfrutar em seu proveito a maior área que pudessem em nome do direito tradicional baseado em que a serra era de todos e de ninguém em especial. Desta circunstância se fez política eleiçoeira durante muitos anos, até que em 1925, sendo Ministro da Agricultura o Sr. engenheiro Ezequiel de Campos, foi publicado o decreto n.º 10:552, mandando dividir a serra em glebas e entregar uma a cada habitante da freguesia de Cambas que a ela tivesse direito, segundo o direito tradicional.
Feito o recenseamento e o plano de divisão, coube cerca de 1 hectare a cada pessoa, de onde resultou a pulverização da propriedade. Sendo uma região de terras estruturalmente pobres e clima irregular, não podia uma família viver de 1 hectare de terra nem muitas das glebas os seus donos podiam cultivar economicamente, por terem residência muitos quilómetros afastados delas. Acresce ainda que muitos dos habitantes de Cambas que receberam glebas nunca foram agricultores nem lhes interessava a cultura da terra, e por isso traspassaram as glebas a outros, quer por arrendamento, quer à ração, quer vendida, apesar de o decreto n.º 10:552 proibir a venda e alienação durante quinze anos depois do registo predial. As vendas foram, feitas por títulos particulares, que alguns vendedores ainda reconhecem, outros, passados alguns anos, tomaram novamente conta das terras, sem restituírem a importância da venda aos compradores. Apesar destas dificuldades, constituíram-se logo alguns núcleos de exploração económica, onde os seus possuidores construíram casas e se instalaram com a família. Dada a feição agrícola da região, logo se reconheceu que era indispensável uma área superior a 50 hectares, em volta dos 100, para uma família de seareiros poder viver desafogadamente do seu trabalho. Como, porém, a lei proibia as vendas, estes núcleos de exploração perfeita, sob o ponto de vista económico-social, não se puderam formar e os que se começaram a formar carecem de ser ampliados.
Por isso, a finalidade principal deste projecto é permitir a venda e a troca para tornar possível o reagrupamento das glebas até se formarem as unidades económicas, visto faltarem ainda alguns anos para que termine o prazo proibitivo estipulado no decreto n.º 10:552.
Nestes últimos anos de escassas produções a situação económica dos seareiros da serra complicou-se e agravou-se ainda mais com a impossibilidade de pagarem os empréstimos feitos pela Caixa Geral de Depósitos, de onde resultou a penhora e venda em hasta pública de centenas de glebas e até de fracções de glebas por dívida das contribuições à Fazenda Nacional, que, por serem dispersas, não podem constituir unidades económicas enquanto não forem (permitidas a venda e a troca de que trata este projecto.
Como de tudo isto resultou o caos económico e social para os colonos e possuidores das glebas da serra de Mértola, encarrega-se, no projecto, a Junta de Colonização Interna de fazer o estudo económico-social da situação da serra resultante da má divisão e de propor ao Governo as medidas que julgar indispensáveis para resolver este problema de colonização, tendo em vista H. melhoria das condições económico-sociais dos colonos e seareiros.
Por último, como algumas glebas não foram oficialmente entregues aos adjudicatários, por circunstâncias várias, e se encontram, pelo menos de direito, em poder da Câmara Municipal, providencia-se no projecto à sua anexação ao campo experimental instalado há dezassete anos na serra e que tem a área apenas de 50 hectares, por ser uma necessidade premente a sua ampliação para melhor corresponder à sua alta finalidade de prestar assistência técnica aos seareiros e fazer investigação científica de carácter agrícola.
É esta, em resumo, Sr. Presidente, a finalidade do projecto de lei que vou ter a honra de enviar para à Mesa e que desejaria ver apreciado pela Assembleia Nacional dentro do mais curto prazo possível, dado o seu interesse para a região de Mértola, cuja má situação se agrava dia a dia, e a sua importância para a economia do País.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei da reforma do ensino técnico profissional. Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Relvas.

O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª o ter-me reservado a palavra para hoje. Estava,