358 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 78
O Orador: - Mas, além destas circunstâncias, não haverá outras que mostrem haver vantagem e ser oportuno efectuar a reforma do ensino?
Há-as sim, o bem prementes são elas, como sejam as deficiências actuais de ordem orgânica e funcional, ligadas quer à orientação doutrinária, quer a recrutamento de pessoal, a instalações e apetrechamento.
Tenho pena que a parte preambular da proposta não seja mais detalhada quanto aos resultados dos inquéritos e estudos feitos, a fim de poderem ressaltar as ditas deficiências e poder-se fazer uma melhor ideia sobre a oportunidade da proposta e sobre a vantagem dos remédios apresentados.
Vou enumerar algumas delas, para se avaliar da dita oportunidade, e ainda para se verificar se a proposta as remedeia ou não, ou se fica tudo na mesma.
Começando pelo ensino técnico elementar industrial, citarei o que se dá numa escola que tive ocasião de visitar- a maior de Lisboa; e como o que se passa nas restantes do País deve ser aproximadamente o mesmo sob o ponto do vista que interessa, como mostram as estatísticas, as conclusões poderão ter um certo carácter de generalidade.
A dita escola tem 2:297 alunos, dos quais 1:406 frequentam o curso diurno, sendo cerca de 900 os que se matricularam no de serralheiro. A função desta escola industrial, como de resto a das outras, é, por lei, preparar principalmente operários. Ora V. Ex.ª não deixarão de ficar surpreendidos ao verificarem que nela acabaram o curso de artífices, em 1946, apenas 14 serralheiros e 6 carpinteiros, rendimento este insignificante.
É certo que além daqueles cursos funcionam outros, como o de modistas, que diplomou 51, o de bordadoras, que diplomou 14, e o de costureiras, que preparou 11. E que os cursos nocturnos, preparando mestres de obras, auxiliares de obras públicas, serralheiros e carpinteiros, também passaram, respectivamente, 44,14, 39 e 6 diplomas. Mas, se atendermos a que estes cursos nocturnos são, em geral, frequentados por indivíduos que já são operários e procuram aperfeiçoar-se, conclui-se que os números que interessam são os do ensino diurno, referentes a rapazes que não tem ofício, e que portanto o rendimento da escola é realmente insignificante no referente à preparação de artífices.
Ora cabe perguntar: porque é que se dá esta anomalia de um tão fraco aproveitamento?
As causas são bastante complexas, mas podem resumir-se nas seguintes: em primeiro lugar, a maior parte dos alunos é filha de gente modesta, que não tem recursos económicos suficientes que lhe permitam que os seus filhos frequentem essas escolas durante cinco ou seis anos sem nada ganharem. Por isso, quando eles chegam aos 14 ou 15 anos tratam de os empregar, e levam-nos a abandonar essas escolas para ver se ganham alguma coisa em qualquer emprego. Em segundo lugar, há também muitos alunos que se matriculam com o desejo de aprenderem rapidamente alguma coisa que lhes permita ganharem rapidamente a vida, mas, quando eles começam a frequentá-las e constatam que o ensino é principalmente teórico e de que pouco lhes serve a frequência da escola, resolvem abandoná-la. Realmente, do exame dos horários constata-se que no 1.º ano dessas escolas industriais, das 22 horas de trabalho semanal, apenas 6 são consagradas aos trabalhos das oficinas. É certo que esta percentagem vai aumentando de ano para ano, e assim no 2.º em 33 horas cabem 15 às oficinas, no 3.º em 36 cabem-lhe já 18, no 4.º em 37 cabem-lhe 18 e no 5.º em 36 são já 20; mas não só esta percentagem ainda é pequena, como ainda ela é apenas de ordem teórica, em vista da deficiência de instalações e de apetrechamento. Em terceiro lugar, há outra causa que também contribui para o abandono destas escolas, e que consiste na grande percentagem de reprovações, visto que, sendo o ensino principalmente teórico, os professores não podem deixar de se influenciar pelo exemplo dos seus colegas dos liceus e Universidades, o que desanima muitos dos alunos, aspirantes a simples operários.
O que fica exposto é o resultado do exame do que só passa na escola atrás mencionada; e o que sucede com ela deverá suceder com as outras do País, segundo mostram os dados estatísticos. É que, segundo eles, os referentes a 1943-1944, à medida que o aluno avança no curso verifica-se uma quebra enorme na frequência global dos vários anos, e assim, nos dos cursos elementares e complementares industriais c comerciais a frequência é traduzida pelos seguintes números:
Industrial Comercial
1.º ano ................................ 5:664 10:389
2.º ano ................................ 4:267 7:034
3.º ano ................................ 3:410 4:222
4.º ano ................................ 2:298 1:988 5.º ano ................................ 1:776 570
6.º ano ................................ 458 61
Quanto a diplomados, o número dos que saíram naquele ano, em todas as profissões, foi de 1:011.
Poder-se-á dizer que esta percentagem de não aproveitamento não é excepcional e que ela está mais ou menos em harmonia com a dos liceus; duas a verdade é que não é razoável que se comparem coisas que não têm analogia entre si.
Nos liceus, como nos cursos superiores, compreende-se que se faça uma selecção e uma triagem rigorosas, a fim de evitar que alunos com fraca capacidade intelectual sejam um tropeço dos cursos, mas nas escolas industriais, destinadas a preparar operários para trabalho manual, não se compreendo tão grande rigor.
De quanto fica exposto verifica-se que o número de diplomados que saem dessas escolas é muito pequeno, e isso devido principalmente às causas apontadas. Mas o pior ainda não é isso, mas sim que, desses poucos diplomados, é muito pequena a percentagem dos que exercem a sua profissão.
As informações colhidas nessa mesma escola a que há pouco me referi dizem-me que possivelmente, dos alunos diplomados, não chegam a 10 por cento aqueles que passam a utilizar a sua profissão, indo os restantes para empregados de escritório, para a armada, etc. Estas informações não devem andar longe da verdade, porquanto os trabalhos estatísticos realizados pela Escola Afonso Domingues, embora incompletos, mostram que em 86 diplomados serralheiros apenas 17 exercem essa profissão.
Vejam V. Ex.ª a situação absurda a que nós chegamos. Dos alunos que frequentam as escolas, poucos são os que acabam o seu curso, e desses poucos apenas uma minoria utiliza os conhecimentos que lá adquiriu para exercer a sua profissão. É certo que alguns outros exercem profissões possivelmente correlacionadas com os seus cursos, como será talvez o caso dos 17 que foram para a armada e o exército; que outros 25 continuam os seus estudos; que 7 são desenhadores; mas isto são conjecturas que, mesmo a mostrarem-se exactas, não destroem a afirmação principal: a de que só 17 exercem a profissão que lhes levou 5 anos a cursar.
O número sobre o qual incidiu este inquérito era maior, mas sobre mais 175 desses diplomados não se conseguiram obter informações do destino que tomaram depois de tirarem o seu curso. Temos, pois, de nos cingir ao número de 86, atrás mencionado, para se poderem formular conclusões com certa segurança.
E porque é que a maioria desses homens não utiliza o seu curso?