24 DE JANEIRO DE 1947 361
mente para o trabalho oficinal, e como a criança, ao deixar o ciclo para entrar no curso profissional, poderá ainda frequentar cursos-bases que a ajudem a descobrir a sua vocação, pergunto quantos anos é que ficam para o ensino propriamente dito do ofício. Ou os dois cursos não vão além dos cinco anos de hoje do das escolas profissionais, o então a preparação oficinal será muito pequena, ou eles se alongam, com os inconvenientes conhecidos.
Ora se hoje, com cinco anos de oficina, os alunos saem mal preparados profissionalmente e ainda com pretensões intelectuais, o que não sucederá amanhã se se aumentar a cultura geral em prejuízo da oficinal ou se se prolongar esse mesmo curso?
De resto, parece-me que há ainda que atender ao aspecto psicológico do caso, que requer que o aluno, desde que abandone o ensino primário, passe a maior parte do tempo na oficina e não nas aulas, para que se convença de que é principalmente um homem da classe operária, e não um escolar semiburguês, evitando-se assim o que agora se dá, no referente à relutância que ele mostra em se integrar nos meios operários. Terminarei a análise deste aspecto da proposta concordando com a criação do ciclo preparatório, sim, mas desde que se consigne bem claramente nela que ele terá um carácter predominantemente oficinal, visando à criação do espírito profissional e à descoberta das aptidões.
Terminada a análise do aspecto da proposta no referente à primeira inovação, que não pode deixar de ser bastante sucinta, em virtude da falta de tempo, passamos à duma outra, que reputo muito interessante, e que é das de maior importância da proposta. Quero referir-me ao curso de aprendizagem, no qual o tempo escolar é retirado do trabalho oficinal prestado aos particulares, sem qualquer dedução no salário do aprendiz. As estatísticas e a prática mostram que os cursos nocturnos dão maior rendimento que os diurnos. Isto deve-se atribuir não só à idade dos alunos, como principalmente à circunstância de eles irem receber o ensino teórico quando já possuem uma base de experiência oficinal que lhes permite uma apreensão mais perfeita dos assuntos tratados. E tal melhoria de aproveitamento ainda não é o que poderia ser se o dito operário não frequentasse as aulas depois de um dia inteiro de trabalho, que nem sempre lhe deixa disposição para seguir convenientemente as lições nem tempo para as preparar. Se, portanto, ao horário do trabalho oficinal prestado retirarmos umas duas horas para a frequência escolar; se as matérias dadas nos cursos tiverem uma ligação bem íntima com as necessidades da profissão, de modo a que o operário reconheça bem claramente a sua influência prática, estou certo de que conseguiremos aumentar o rendimento dos ditos cursos nocturnos pela diminuição do seu actual inconveniente: o cansaço do escolar. É certo que esta medida não agradará muito aos patrões, principalmente aos da pequena indústria, por representar mais um encargo com que eles vão ser onerados, mas com o tempo eles serão os primeiros a reconhecer que a melhoria da qualidade do trabalho dos ditos operários os compensa de sobra do sacrifício feito.
Quanto ao curso de mestrança também o reputo uma inovação muito feliz, por ele ser o complemento do anterior. Não basta termos operários mais ou menos hábeis, mas torna-se também necessário que os elementos chefes que estão em contacto directo com eles e que representam o traço de ligação entre os superiores dirigentes da indústria, técnicos ou administrativos e a massa operária tenha uma competência que os imponha à consideração dos seus subordinados. Ora hoje em dia a maioria dos mestres tem uma cultura geral e profissional que os deixaria bem pouco à vontade em presença de muitos alunos saídos das escolas profissionais se estes ingressassem nas oficinas em lugar de seguirem cursos superiores. Há, pois, que preparar os mestres de amanhã, e por isso só é de louvar a instituição do dito curso, que para mim tem apenas o inconveniente inerente aos actuais cursos nocturnos.
Se o operário tem pouca disposição e tempo para preparar as suas lições e tomá-las, outro tanto se dará com os aspirantes a mestres, e talvez num grau mais elevado, visto que a situação que estes já têm então nas oficinas os sobrecarrega diariamente com mais preocupação do que aos simples operários.
Examinadas as principais inovações apresentadas no capítulo do ensino industrial elementar e complementar, vejamos agora as que respeitam ao ensino médio.
Diz a proposta que não convém alterar o actual nível científico deste ensino nem a sua estrutura, mas apenas beneficiá-lo no seu aspecto laboratorial e oficinal. Parece-me que, nestas condições, os inconvenientes que se apontaram quando tratámos deste capítulo não se remedeiam, porquanto o conflito entre as duas classes de diplomados, e, pior do que isso, a falta de colaboração entre elas, se mantém. Pois se a razão de tal está no nível muito aproximado dos dois cursos, se, como tão bem se frisa na informação da C. U. P., atrás mencionada, e ainda doutras entidades, as preocupações de intelectualismo, porventura justificadas, dos diplomados pelo Instituto Industrial já os levam a aborrecer a função de técnicos que se não confine nos gabinetes de trabalho; desde que a situação actual se mantenha fica tudo na mesma.
Intensificam-se os trabalhos práticos? Mas sobrecarregados como já devem estar os alunos com aulas, desde que o número destas se não reduza e, consequentemente, baixe o nível cientifico do ensino, a inovação proposta tornará ainda mais pesado o curso.
Parece-me pois que a dita inovação deveria importar reduções substanciais na organização dos cursos de modo a aumentar mais a distância que separa tais diplomados dos do Instituto Superior Técnico e a diminuir aquela que os separará dos futuros mestres de oficinas e indústrias.
Este meu ponto de vista aproxima-se pois bastante do sindicato reclamante. Parece-me que esta situação de incompatibilidade entre duas classes, que se traduz no encarecimento de actividades que, podendo ser desempenhadas por elementos de cultura média, o são por outros de cultura superior, e nas dificuldades postas ao exercício profissional dos ditos elementos de cultura média, carece de remédio e de remédio imediato.
Passemos agora à parte da proposta que se refere ao ensino agrícola elementar. A grande inovação é a criação de cursos para trabalhadores. Reputo a ideia também muito feliz, pois num país como o nosso, em que as duas maiores riquezas agrícolas (olivais e vinhedos) são tratadas por trabalhadores tão mal preparados, não há dúvida de que é urgente remediar tais inconvenientes. Mas a modalidade adoptada é que me parece infeliz. Embora a base não seja perfeitamente explícita, da conjugação de três frases nela inseridas parece depreender-se que o legislador conta principalmente com os professores primários para dirigentes de tais cursos.
Assim, as referências de que só «quando se tornar necessário será criado um quadro especial de professores para este ensino», de que «serão organizados nas escolas agrícolas cursos de férias especialmente destinados a professores primários dos meios rurais» e de que o a serviço desempenhado por estes professores primários será remunerado extraordinariamente», tudo isso, mas principalmente a primeira frase, me dá tal impressão, que é de resto a de muitos dos nossos colegas com quem falei a tal respeito.
Uma voz: - Não é essa a intenção do legislador.