O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

362 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 78

O Orador: - Talvez; mas apesar do emprego da palavra parcialmente, julgo que não se pode tirar outra conclusão que não seja a minha.

O Sr. Marques de Carvalho: - O professor primário tem de dirigir apenas a preparação geral; não a preparação técnica.

O Orador: - Mas onde está isso escrito?

O Sr. Marques de Carvalho: - Numa das bases da proposta.

O Orador: - V. Ex.ª quer ter a bondade de mo mostrar?

O Sr. Marques de Carvalho: - Tem V. Ex.ª razão. Está numa das bases do texto proposto pela Câmara Corporativa, e não no da proposta do Governo.

O Orador: - Ora se os nossos trabalhadores e até lavradores não acreditam muito na acção dos técnicos agrícolas, e isso é uma injustiça que hoje em dia principalmente não tem fundamento, o que não sucederá amanhã, quando eles virem os professores primários a orientar tais cursos?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Hoje, em todo o caso, aquela descrença é menor.

O Orador: - Sim, em virtude da eficiência da actuação das brigadas técnicas, que metem pelos olhos dentro dos interessados que a acção dos especialistas é de aproveitar, mas, em todo o caso, a impressão da maioria ainda é aquela que expus.
Mas, além desta circunstância - a da incompetência do professor - e ela é fundamental, há ainda que encarar a outra, de que o professor não teria tempo para andar dias inteiros no campo a orientar os cursos de podadores, enxertadores, etc., exercidos em olivais, vinhedos e pomares, e a percorrer lagares ensinando a preparar o vinho, o azeite, etc.
Ora, nos tais cursos de trabalhadores o que interessa é este aspecto prático, de resto demonstrado já actualmente pela acção das actuais brigadas do Ministério da Economia e de certos organismos autónomos. A actuação de tais brigadas tem sido utilíssima, e pena é que elas se não multipliquem de modo a inundar o País com legiões de instrutores, para que em meia dúzia de anos os processos de tratamentos agrícolas atrás referidos não sofram uma mudança radical. Não me parece isto impossível, nem sequer de difícil realização, pois é uma questão de dinheiro e de organização. Ora, dinheiro hoje não falta ao Estado, e, quanto a elementos docentes para ministrarem tal ensino, que não pode deixar de ser rudimentar, ou eles já existem ou se preparam com facilidade. Julgo pois que os cursos previstos pela proposta teriam eficiência conveniente, aproveitando-se a organização que já está montada -a das brigadas atrás referidas- e dando-lhe proporções gigantescas.
Mas há que pôr de parte em absoluto a ideia do aproveitamento dos professores? N ao, mas segundo outra modalidade. Eu entendo que eles deveriam ser utilizados para ministrarem rudimentos de ensino teórico, e mesmo prático mas apenas aos seus alunos. Nas escolas coloniais, principalmente nas pertencentes a missões religiosas, é frequente encontrar hortos anexos às mesmas, em que os alunos praticam a agricultura nas suas modalidades hortícolas principalmente, ao mesmo tempo que tais hortos contribuem ainda para a sustentação dos internatos. Hoje, que em Portugal se fala tanto, e com razão, na necessidade do estabelecimento de cantinas escolares, parece-me que não deixaria de ser razoável encarar a ideia do estabelecimento de tais hortos junto das escolas dos meios rurais. Os alunos, se anualmente limpassem o seu olival segundo as regras da técnica moderna; se colhessem a azeitona em iguais condições; se realizassem enfim todas as outras operações de tratamento que ele exige; se fizessem operações análogas para um pedaço de vinha e de pomar; se tratassem dos animais dos seus estábulos; se cuidassem de um pedaço de horta que fornecesse legumes, hortaliças às suas cantinas, etc., muitos desses alunos, mesmo crianças, depois de andarem três ou quatro anos a assistir ou a praticar tal, ficariam com uns conhecimentos que lhes serviriam pela vida fora. Só quem não conhece pessoalmente o que se faz em tal capítulo lá fora, nas nossas colónias, pode tomar à conta de puro teorismo quanto fica dito.
É preciso dinheiro para adquirir tais hortos e prepará-los para tal função? É certo.
É preciso recorrer a mão-de-obra paga para ajudar os alunos nos serviços mais pesados? Também é certo. Mas o proveito pedagógico que se colheria de tal e o material traduzido na contribuição fornecida às cantinas, e principalmente num melhor rendimento a obter da produção agrícola em anos próximos, seria compensação bastante para o dispêndio feito. Desde que tal ensino não tenha pruridos de tecnicismo perfeito; desde que a actuação do professor primário seja orientada de vez em quando pelas brigadas que uma vez por outra aparecerão em aldeias e logarejos, parece-me que o que fica exposto não deixaria de ter vantagem.
Quanto às disposições referentes à preparação de capatazes e regentes agrícolas, parece-me que elas enfermam do mal de se querer diminuir a permanência dos alunos nas respectivas escolas, com o fundamento de que a preparação geral presentemente nelas adquirida pode ser alcançada cá fora, permitindo assim que se aumente a frequência dos cursos propriamente especializados. Não deixo de reconhecer o valor do argumento, mas parece-me que as vantagens da medida são menores que os seus inconvenientes, principalmente no que respeita aos capatazes.
Estes precisam de ser homens que, tal qual os operários especializados, adquiram uma mentalidade profissional tão acentuada que a sua actuação normal se faça segundo normas mais ou menos automáticas. O procedimento de tais indivíduos ao ensinarem qualquer operação agrícola aos trabalhadores que dirigem deve ter alguma coisa de instintivo, que só lhes poderá provir de um longo contacto com tais práticas. É preciso que um capataz, ao ensinar a manejar um tractor, a adubar um campo de trigo, a fazer tantas operações deste género, não esteja a pensar como o deve fazer, recapitulando conhecimentos adquiridos, mas que proceda como atrás dizíamos, mais ou menos automaticamente. Ora isto não se consegue senão com o contacto diário e realizado durante anos com coisas agrícolas.
Parece-me, pois, que o tirar-se o ciclo preparatório fora da escola, o exigir-se o estágio igualmente fora e o ter o aluno apenas um ano ou dois na mesma não lhe dará aquele cunho profissional que julgo indispensável. Eu julgo mesmo que é esta ausência de espírito de classe bem acentuada que se nota em quase todas as classes da sociedade portuguesa, com excepção dos oficiais saídos do Colégio Militar, dos actuais regentes agrícolas e pouco mais, que contribui para um deficiente funcionamento dos serviços públicos e actividades particulares.
Tudo quanto seja criar ou reforçar o espírito corporativo, tão acentuado na Idade Média, parece-me que deve ser animado. Por isso julgo que, a querer-se também admitir o regime do externato, o sistema obrigatório da permanência durante todo o dia nas ditas escolas, como de resto já hoje temos exemplo no Instituto Superior