370 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 78
tico resultou o esgotamento do terreno e seu empobrecimento em matérias orgânicas, proveniente dos detritos da vegetação espontânea ali acumulados durante séculos, e as produções baixaram, até se torna antieconómica a cultura.
Durante o período áureo de cultura da serra muitos seareiros, melhor apetrechados, ludibriando os seus conterrâneos, mandavam marcar a terra por pessoas amigas ou outras a quem pagavam, mas que não tinham interesse em a cultivar, e cultivavam eles assim grandes extensões por sua conta.
Desta forma nasceu uma classe de exploradores da serra, que em tempo de eleição defendiam o que eles chamavam «o direito do povo» ou de cultivar livremente na serra, com o único fim de poderem, em nome desse povo, cultivar por sua conta, e sem nada pagarem, em nome desse povo, cultivar por sua conta, e sem nada pagarem, a terra que os seus amigos marcavam como se para eles fosse.
Os partidos políticos, tanto nos últimos anos da Monarquia como nos primeiros da República, aproveitavam-se desta disputa, e em época de eleições os caciques da serra, com um dos partidos, defendiam o direito de a cultivarem livremente, e outro partido, com os «divisionistas», defendia a necessidade de dividir a serra em glebas, para entregar uma a cada família, com direito pleno de propriedade e todas as suas vantagens económico-sociais, acabaria assim o regime caótico da cultura de salto e a delapidação daquela parte do património nacional, que conduziram ao esgotamento excessivo da fertilidade transitória da terra e à erosão, que levava para o Guadiana e os seus afluentes a melhor terra, deixando a nu a rocha estéril.
Mas passadas as eleições tudo ficava como dantes, sem que qualquer chefe político ou Ministro se resolvesse a cumprir o que o seu partido havia prometido se ganhasse as eleições.
Foi o Sr. engenheiro Ezequiel de Campos, grande economista e amigo da terra, quem, quando Ministro da Agricultura, teve a coragem de arcar com os ódios e más vontades dos defensores da não divisão da serra e promoveu a publicação do decreto n.º 10:552, de 14 de Novembro de 1925, mandando dividir em glebas a serra de Cambas, ou de Mértola. Mas as críticas e a pressão dos contrários à divisão, aliadas a outras circunstâncias, foram de tal ordem que o Governo não teve coragem de pôr o decreto em execução.
Um dos primeiros actos de força, prestígio e confiança em si próprio do Governo, depois do advento do Estado Novo, foi o de mandar executar o decreto, removendo todos os obstáculos e dificuldades que se lhe opuseram.
Era, porém, a primeira divisão de baldios que se fazia por iniciativa e intervenção do Estado, e por isso não havia pessoal técnico treinado nesse género de serviços de campo nem observações e estudos práticos feitos no nosso País para os orientar. Daí alguns .dos erros e defeitos deste parcelamento.
Porém, o defeito principal, mas de origem legal, porque foi a própria lei que o impôs, foi o desejo do legislador, no intuito, até certo ponto louvável, de querer respeitar o direito tradicional expresso no § único do artigo 3.º, que diz: «A divisão do baldio da serra de Cambas, ou Mértola, considerado o direito tradicional dos povos que com o mesmo confinam, será praticada distribuindo os lotes ou glebas por todos os indivíduos de nacionalidade portuguesa, de qualquer sexo, idade ou estado, que na data em que foi feito o recenseamento definitivo tenham direito, em harmonia com a legislação vigente, o direito tradicional e os costumes legais, a usufruí-lo de qualquer dos modos que, segundo o § l.u, constituem o logradouro comum».
Feitos o recenseamento, a demarcação e o reconhecimento topográfico do baldio, verificou-se que pertencia cerca de 1 hectare de terreno a cada habitante que, nos termos do § único do artigo 3.º citado, tinha direito a ser contemplado, e para isso ainda foi necessário parcelar até os terrenos mais pedregosos, pobres e erosionados, quase impróprios para a cultura cerealífera.
Talvez pela mesma razão não se constituíram as reservas para arborizar, destinadas a matas a explorar em cortes periódicos (talhadia) para lenha, sendo agora a escassez deste combustível um dos grandes males de que enferma aquela região. A serra, que tem cerca de 9:660 hectares de superfície total, foi parcelada em 2:617 glebas, identificadas nos mapas, com áreas variáveis de 1 a 10 hectares, conforme o número de pessoas das famílias a que eram destinadas, sendo numeradas com letras por categorias, correspondentes ao número de hectares segundo a ordem do alfabeto, e com um número de ordem dentro de cada categoria.
Por meio de um inquérito, a que procedemos uns anos depois da divisão, pudemos identificar nos mapas e no terreno 858 glebas da letra A (l hectare), 507 B, 449 C, 339 D, 222 E, 140 F, 71 G, 22 H, 8 I e 1 J, ao todo 2:617. Mas além destas não foi possível identificar nos mapas 48 glebas da letra A e 15 da B e outras tinham os números trocados e foi difícil identificá-las.
Além da deficiente superfície das glebas, o que as colocava fora das possibilidades económicas de exploração, mesmo das agrupadas, por pertencerem aos membros de uma família, um outro defeito de que esta tentativa de colonização enferma é o de não se ter atendido às aptidões nem possibilidades dos que iam ser seus possuidores, e, assim, muitas delas foram entregues a pessoas que nunca tinham sido nem lhes interessava ser agricultores e as arrendaram ou venderam, alienando-as de facto, embora não o pudessem fazer de direito, porque a isso se opunha a doutrina da primeira parte do § 1.º do n.º 2.º do artigo 18.º do citado decreto n.º 10:552, que diz: a As glebas são inalienáveis por quinze anos, contados do registo predial da adjudicação, etc.».
Verificada a impossibilidade de se manter na seria uma família de colonos cultivando poucos hectares, os que puderam fazer casa na sua gleba e tinham disponibilidades compraram algumas glebas pegadas ou próximas e arrendaram ou tomaram à ração outras, e assim se começaram a constituir explorações agrícolas em condições económicas.
Baseados no direito consuetudinário e simplista desta gente, como a lei não permitia que fizessem escrituras das vendas, resolveram que bastava passar o título da adjudicação para a mão do comprador e fazer um escrito em papel comum ou selado, como se usava antigamente, em que o vendedor declarava que tinha vendido a terra ao comprador e a importância ajustada que dele havia recebido. Fizeram-se centenas de vendas por este processo, sem qualquer valor jurídico, e houve até quem construísse boas casas em terras adquiridas nestas condições.
Alguns dos vendedores já morreram, outros, passados alguns anos, tomaram novamente conta da propriedade, alegando que o comprador já estava bem preenchido do dinheiro que havia dado com a renda da terra durante os anos que a havia desfrutado. Isto principalmente logo que a propriedade foi inscrita na matriz em seu nome, como não podia deixar de ser sob o ponto de vista jurídico.
Com as más colheitas dos últimos anos agravaram-se as condições económicas dos pequenos seareiros colonos da serra, a maior parte não pôde pagar os empréstimos da Campanha da Produção Agrícola feitos na Caixa Geral de Depósitos, outros não pagaram as contribui-