25 DE JANEIRO DE 1947 389
Sr. Presidente: voltando ao ensino. À nossa legislação, incluindo a do ensino agrícola, é tão vasta que eu julgo não haver muitas ideias novas a juntar às que já estão legisladas. Simplesmente muitas ideias que se me afiguram boas e tem sido legisladas não têm sido postas em prática. E o caso, por exemplo, da lei n.º 1:918, de 27 de Maio de 1935, sobre ensino agrícola elementar, da iniciativa do meu colega Cândido Duarte e aprovada por esta Assembleia, mas que ficou letra morta, sem que ninguém se tivesse interessado pela sua execução. (Apoiados). Outras disposições legislativas começam a executar-se, mas antes ainda de terem produzido os primeiros frutos vem nova lei que as modifica ou anula, e nunca se chega a saber, pelos resultados práticos da lei, se ela era boa ou má.
Esta é uma característica muito nossa, do latinos e meridionais. Facilmente concebemos uma ideia e nos entusiasmamos por ela. Nem sempre a pomos em prática, mas, se o fazemos, antes ainda de colhermos os seus frutos completos facilmente descremos do que antes nos entusiasmou.
É o caso do ensino agrícola médio ministrado em escolas com carácter de liceus agrícolas. Essa reforma, em que depositaram tantas esperanças muitos dos que conhecem a vida rural e sentem a necessidade de um mais íntimo contacto do ensino técnico com a vida real a que se destinam os futuros diplomados, só há pouco começou a produzir os primeiros frutos, isto é, algumas escolas há poucos anos diplomaram os primeiros regentes que receberam o ensino segundo esta reforma, e já se reconheceu a sua inutilidade ou se lhe notaram inconvenientes de tal monta que levaram o autor deste projecto a propor a diminuição dos anos do curso, passando as matérias de índole geral novamente para os liceus e reduzindo assim a pouco mais de metade do que era o tempo de contacto do futuro técnico com a vida rural.
Alega-se que assim se descongestionam as escolas agrícolas e, passando para os liceus os três primeiros anos (matérias preparatórias), as escolas poderão comportar mais alunos nos anos das disciplinas técnicas.
Isto não é razão. Se o curso é bom e há vantagem em preparar mais regentes, quando muito justificaria a criação de mais escolas. E os liceus?
Do que fica dito concluo que não temos falta de leis nem de reformas do ensino. O que precisamos é de vontade firme para executar integralmente alguma das reformas, e este integralmente quer dizer um complexo de circunstancias que muito influem na preparação dos alunos. Assim, é necessário, primeiro que tudo, que as escolas tenham bons professores, que, a par de uma boa cultura científica e desejo constante de a actualizar, tenham dado provas de serem bons técnicos. Eu desejaria que nenhum técnico agrícola chegasse a professor, teórico ou prático, sem primeiro ter praticado alguns anos nos serviços técnicos regionais ou administrações de explorações agrícolas (c) ter dado provas de ter boas faculdades de observação, aptidão para o ensino e sua aplicação prática. Em Itália, por exemplo, nenhum agrónomo chega a professor sem ter passado durante alguns anos pelas cátedras ambulantes de agricultura ou serviços de assistência técnica regionais, embora com outro nome, com funções idênticas às nossas actuais brigadas técnicas. Só assim o professor que entra para uma escola técnica pode, logo de início, captar a confiança dos alunos e preparar bons técnicos.
Mas entre nós não se tem pensado assim. Qualquer rapaz que foi bom aluno -e este bom aluno é quase sempre o que decora melhor a sebenta - ao receber o seu diploma, com concurso de pró-forma ou sem ele, está apto para ser um bom professor de uma escola técnica, quando muitas vezes de técnica, sabe menos do que os alunos dessas escolas que vem de meios rurais ou são filhos de lavradores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Recordo-me da impressão que me causou, há quase quarenta anos, quando eu estudava agronomia na Itália e na escola que eu frequentava faltou o professor de agricultura geral e culturas arvenses, ver, para admissão do novo professor, sujeitos a um exame público de conhecimentos técnicos da matéria agrónomos de barbas grisalhas e tez queimada por longos anos de exercício ida profissão no campo, exame em que se sentiria vexado qualquer rapaz de 25 anos aonbado de sair do nosso Instituto. E para as escolas práticas e médias as exigências eram maiores ainda.
Depois dos professores, é necessário que as escolas tenham boas instalações e sejam bem dirigidas, porque na direcção também vai muito, para não assistirmos ao facto ignóbil de os alunos terem, ao levantar-se, de ir lavar a cara à ribeira próxima, na água gelada, por não haver água no depósito, também por qualquer falha ou miséria administrativa, certamente alheia à vontade da direcção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E preciso que as escolas tenham desde o início de cada ano escolar os professores necessários e correspondentes ao número de alunos em cada ano do curso, para os programas poderem ser devidamente desenvolvidos, tanto nas aulas teóricas como nas práticas de laboratórios e de campo, para não aparecerem nos serviços agrícolas regionais regentes agrícolas perguntando-nos «que quantidade de azeite tem um superfosfato», porque, segundo esse regente declarou, por falta de professores, não lhe tinham ensinado o que era um superfosfato, como era fabricado, o que continha, para que servia!
E necessário que as escolas tenham o material didáctico para as indispensáveis demonstrações e práticas de laboratório e as máquinas e ferramentas necessárias às práticas de campo, para não assistirmos à situação - vergonhosa para a escola; vexatória e deprimente para o professor - de ter de mandar os alunos abrir sulcos com a mão, em pequenos talhões, para semearem trigo, e cobri-lo também com a mão, por não haver na escola ferramentas apropriadas, nem pelo menos suo à os, para se executar decentemente esta prática.
O Sr. Presidente: - Pergunto ao digno Deputado só ainda demoram muito as suas considerações?
O Orador: - Desejaria ainda ocupar uns vinte minutos com as considerações que me resta fazer.
O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, ficará V. Ex.ª com a palavra reservada.
O Orador: - Agradeço, nesse caso, que V. Ex.ª me reserve a palavra.
O Sr. Presidente: - Fica V. Ex.ª com a palavra reservada para a próxima sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Chamo a atenção da Assembleia. A sequência prevista dos trabalhos da Camará será a seguinte: depois de terminada a discussão e votação da proposta de lei da reforma do ensino técnico, que verosimilmente se prolongará até à sessão de 30 do corrente, seguir-me-á na