388 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79
dação melhores instrumentos, para que ela os aproveite em plena utilização». Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: serei breve, como de costume. Direi em linguagem telegráfica o que penso, principalmente sobre o ensino agrícola, pois sobre o ensino industrial e comercial pouco direi. Deixo esse encargo aos ilustres membros desta Assembleia engenheiros, industriais, professores e contabilistas, que os tem competentíssimos, mais versados do que eu nesses dois ramos da actividade humana.
O ilustre relator do parecer da douta Câmara Corporativa, professor Ferreira Dias, analisou com tanta proficiência e minúcia todos os aspectos do ensino técnico industrial e comercial, no passado, nó presente e segundo as necessidades previstas para o futuro, que a mim, pouco versado nestes assuntos, parece-me que, quanto a considerações gerais, pouco mais se poderia dizer que trouxesse qualquer novidade útil à proposta em discussão.
Apenas farei algumas pequenas referências a certas passagens desse magnífico trabalho, no que se refere à indústria, que julgo conveniente esclarecer. Diz o ilustre relator, a propósito das grandes e pequenas indústrias: «A reforma de 1918, além de muito sumária no que se refere a ensino elementar, teve um defeito fundamental: não soube distinguir, ou distinguiu mal, a tradição da necessidade, o folclore da economia, a arte popular da ciência aplicada. E fez em colunas cerradas do Diário do Governo a descrição e o elogio de dezenas de pequenas actividades regionais de feição artística, deixando em posição secundária a verdadeira indústria, aquele fruto de uma técnica de sólidas raízes científicas que gera os artigos de grande comércio mundial, aquele comércio que dá trabalho aos homens e prosperidade às nações, aquele que tem verdadeiro poso na vida económica.
E dizemos que distinguiu mal porque a reforma, procurando servir a economia, resvalou, pelo trilho do sentimento, para a arte popular e dedicou-se sobretudo a ela. Nada de mau, visto em absoluto, antes pelo contrário. Mas lio campo da relatividade a posição tomada é um erro e um perigo: urro, porque o ensino técnico é essencialmente utilitário e, embora lhe caiba o dever de estimular as pequenas actividades regionais, não pode perder-se por elas em devaneios parnasianos; perigo, porque nas contas entre as nações, tal como nas contas entre os indivíduos, só é estável a posição de quem logra saldo credor, e não é fácil consegui-lo com os frutos do regionalismo, que, sobre ser económicamente débil, precisa de ser sóbrio para não se tornar piegas».
Perfeitamente de acordo com o professor Ferreira Dias e a douta Câmara Corporativa pelo que diz respeito à grande indústria; mas é necessário não esquecer o alto valor social que têm as pequenas indústrias regionais e caseiras na pequena economia doméstica de certas regiões do País, mesmo sem «resvalarmos pelo trilho sentimental e piegas dos poetas». É que são duas coisas completamento diferentes e até, se quiserem, com finalidades opostas. As grandes indústrias das fábricas e oficinas, que «produzem artigos de grande comércio mundial», interessam aos habitantes dos grandes aglomerados populacionais e ocupam-lhes inteiramente a actividade. As pequenas indústrias, rurais ou não e caseiras, é que proporcionam o aproveitamento de horas e de dias que as populações de alguns centros rurais e mesmo urbanos desperdiçariam em períodos por vezes largos de inactividade entre as épocas do maior labor da sua ocupação principal. (Apoiados). Os produtos destas indústrias destinam-se principalmente ao consumo regional.
E para me servir das próprias palavras do ilustre relator, e parafraseando o que S. Ex.ª disse a propósito da comparação dos cursos médios cora os superiores da mesma especialidade, direi que «os dois tipos de indústria não constituem elementos em série que possam engatar-se, mas elementos em paralelo percorridos em alturas diferentes, sem condições para constituírem uma sequência», ou se (possam substituir, acrescento eu.
É o caso, por exemplo, dos palitos de Lorvão e das rendas das ilhas, dos artefactos de lã e de linho do Campo Branco (Castro Verde), alguns que nunca pretenderam concorrer na exportação, nem mesmo no abastecimento dos mercados nacionais, com o produto similar da grande indústria, mas que têm o seu lugar marcado e de forma insubstituível no consumo caseiro regional. Outros destes produtos nem sequer têm representantes na grande indústria, porque, sendo produtos pobres, não poderão ser industrializados, na verdadeira acepção da palavra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há regiões do País de monocultura, como, por exemplo, o termo de Mértola, Campo Branco, etc., onde só se exerce a cultura cerealífera. O grande labor destas culturas é principalmente pelas colheitas - que duram um, dois meses-e um pouco nas mondas-dois a três meses. Em todo o resto do ano, principalmente as mulheres e muitos homens, pouco ou nada têm que fazer. Que alto valor económico e social não teria o desenvolvimento das pequenas indústrias caseiras regionais e tradicionais onde «e ocupassem estes braços nas épocas de crise de trabalhos agrícolas? Mesmo que venham a desenvolver-se as grandes indústrias fabris, depois da sonhada e em via de realização electrificação do País, elas nunca poderão vir a beneficiar estas populações, mais dispersas por grandes extensões, antes, pelo contrário, só as poderão prejudicar com a concorrência que os seus .artefactos farão aos das pequena» indústrias caseiras.
A questão tem sido posta muitas vezes, mus a verdade é que, se alguma coisa fie tem feito para fomentar e aperfeiçoar a grande indústria, em benefício das suas satélites, pequenas indústrias caseiras, tão modestas como fiteis, nada mais se tem produzido do que relatórios c palavras, apesar da sua grande importância social e económica nos meios rurais pobres.
Recordo-me da óptima impressão que me causou há anos o ver numa exposição de trabalhos dos alunos da, Escola Industrial e Comercial de Silves muitos trabalhos femininos, tais como bordados, rendas, etc., executados segundo desenhos originais, feitos também pelos alunos, mas segundo a ideia de um seu professor e ilustre pintor, representando, estilizadamente, as principais plantas e frutos, algarvios. Assim, viam-se nessa encantadora colecção de trabalhos rendas e bordados tendo como motivo a flor da amendoeira e a própria amêndoa, a alfarroba e a flor da alfarrobeira, etc.
Que interessante seria para a propaganda da nossa arte popular e produção agrícola se esta ideia frutificasse e se adoptasse tão interessante iniciativa noutras regiões do nosso País!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E basta, por agora, sobre pequenas indústrias caseiras.