1 DE FEVEREIRO DE 1947 457
O Sr. Marques de Carvalho: - Mas não fala em programa.
Fala em elenco de disciplinas, e V. Ex.ª sabe que um elenco de disciplinas não é um programa.
O Orador: - De forma que eu desejaria, muna palavra, que. um rapaz portador do seu diploma de curso preparatório de ensino técnico ficasse com uma cultura geral pré-profissional e de adaptação profissional, conhecedor portanto de certas matérias, como, por exemplo: juntamente com a disciplina do Aritmética, ter elementos de contabilidade; com a de Geografia, elemento da cultura económica, principalmente acerca de vias de comunicação e comércio, etc.
Mas isso, Sr. Dr. Marques de Carvalho, não o diz nem a proposta nem o parecer da Câmara Corporativa. Queria que em vez daquelas ciências naturais que se estudam anexas à Geografia no 1.º ciclo liceal, se estudassem ciências aplicadas e também elementos de tecnologia, de maneira muito geral, úteis a rapazes nessas condições.
Vejamos agora o caso de Gemelli. Depois de o rapaz ficar com estas noções de cultura profissional e elementar, de não especialização, com umas ideias muito gerais dos diferentes ofícios com que ele tem de se encontrar na vida, creio que nestas condições ficaria apto a decidir da sua vocação, dentro dos princípios dê Gemelli ou de outro modelo de orientação profissional - porque há muitos, e o Sr. Dr. Marques de Carvalho sabe-o muito bem.
Note-se que digo isto para aqueles que tem fé na orientação profissional, porque há muitos que a não têm.
Àqueles que têm fé na orientação profissional, e dos quais o Sr. Deputado Marques de Carvalho se aproximou bastante ao subir a esta tribuna, desejaria apenas lembrar que um ciclo preparatório de três anos de adaptação profissional facilitaria a sua missão.
Quanto às corporações de artes e ofícios, a que o Sr. Deputado Marques de Carvalho também aludiu, dizendo, com justa razão, e que do meu lugar aplaudi, que nós não podemos pôr de parte as nossas tradições, mas sim colocá-las em relação com as experiências acumuladas durante séculos e por vezes milénios, direi que o que se fez no ensino técnico é a maior barbaridade que se tem cometido em Portugal. Chegou-se quase ao desaparecimento completo de profissões que fizeram a nossa glória artística, de que são testemunhos nobilíssimos e eloquentes os mosteiros dos Jerónimos, da Batalha, de Santa Cruz de Coimbra, etc.
Entrámos em decrepitude, continuamos em decrepitude, ainda que os nossos operários sejam capazes de realizar verdadeiras obras-primas, não só no ramo das artes plásticas, mas no próprio domínio industrial.
Tem pouco sentido estético, pouco espírito de iniciativa, uma evidente impreparação técnica.
Isto é que eu não queria que continuasse.
Eu desejava qualquer coisa de novo, de palpitante, de sugestivo, que me entusiasmasse e me levasse a aplaudir, com a alegria de um português que se sente cada vez mais português, esta proposta; mas confesso que não tenho por ela esse entusiasmo.
Se alguém pudesse ter duvidado da minha sinceridade, não pode agora manter essa dúvida.
Limitei-me a uns reparos modestos de pessoa que procurou estudar o problema, na parte em que era possível compenetrar-se dele e foi esse contributo que aqui quis trazer.
Reconheço a probidade e a competência das pessoas que pensam de maneira diferente da minha, mas a verdade é que me dizem que os alunos do ensino técnico vão em grande número para a burocracia, e eu pergunto que mistério é esse que faz com que essa gente deixe de se dedicar a serviços técnicos para se encorporar na burocracia.
O que há nesta reforma que me garanta que não continuará a repisar-se esse caminho tão desagradável?
Onde estão as garantias da espiritualização do trabalho e da preparação técnica?
Tenho dito.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: não era minha, intenção usar da palavra neste debate, porque não tenho competência alguma para discutir questões de ensino técnico, e, quando muito, estaria em circunstâncias de avaliar, pelo resultado prático desse ensino, se os técnicos que saem dessas escolas correspondem ou não às necessidades da indústria.
Segui com muita atenção o que aqui se disse acerca da proposta em discussão e, reflectindo sobre as várias opiniões expressas, antes de apresentar uma moção que vai subscrita pelo relator da Comissão de Educação Nacional e pelo presidente da Comissão de Economia, quero dizer à Assembleia, e .muito principalmente àqueles Srs. Deputados que na generalidade discordaram da proposta, esta coisa muito simples: parece-me que, em todos os casos da vida, o saber de experiência feito ainda é o melhor. Principalmente aqueles que acusam a proposta de demasiadamente teórica não podem deixar de concordar comigo em que os resultados, bons ou maus, que ela possa ter só serão avaliados depois de ela aplicada.
Não temos a pretensão de realizar obra perfeita. Sabemos que aquilo que estamos aqui fazendo é incompleto hoje e que mais o será com certeza amanhã ou depois, mas o que também sabemos é que as imperfeições e as falhas só nos podem ser reveladas pela experiência.
O óptimo - ouvi dizer desde criança - é inimigo do bom, e às vezes vemo-nos forçados a contentar com o suficiente.
A acusação de que esta proposta não está integrada no plano geral da reforma do ensino, acusação que à primeira vista me convenceu, levou-me, depois de ouvir os vários oradores, a pensar que talvez fosse melhor aprová-la e integrá-la depois nesse plano geral, que, evidentemente, é muito mais demorado no estudo e na aplicação do que ama simples proposta parcelar.
O Sr. Moura Relvas: - Se for possível. Às vezes pode não caber lá.
O Orador: - Depois de experimentar, veremos se é possível, se não é. Mas experimentemos primeiro.
A moção parece que deve merecer o apoio de toda a Câmara, incluindo o do mea querido amigo e ilustre precursor - porque, como sidonista, foi precursor - Sr. Dr. Moura Relvas e também o do meu ilustre colega Sr. Ribeiro Cazaes.
A moção é a seguinte:
«A Assembleia Nacional, depois de aprovar, na generalidade, a reforma do ensino técnico, emite o voto de que ela venha a ser integrada num plano geral de remodelação do ensino primário, médio e superior, a elaborar, logo que as circunstâncias o permitam, pelo Ministério da Educação Nacional, sem prejuízo da continuação e ampliação da louvável política, constantemente seguida pelo Governo, de entretanto ir reforçando as dotações e melhorando o rendimento de todos os ramos incluídos no plano geral de reformas.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Janeiro de 1947.- Os Deputados: António Cortês Lobão António Júdice Bustorff da Silva - Francisco de Melo Machado - Artur Rodrigues Marques de Carvalho - Jorge Botelho Moniz».