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530 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 87

Não ter dinheiro ó habitual na magistratura. Podo esta classe adoptar, à vontade, a resposta do Poeta: «Confesso, realmente, que eu e tu somos diferentes: eu sou pobre, tu és rico. Atenta, porém, nisto que te digo: o que tu és qualquer pode ser».
Mas há um limite abaixo do qual se não pode principiar. Esse limite é o das necessidades essenciais.
Os magistrados do Ministério Público, designadamente os que começam, não ganham o mínimo decente.
E por isto que ninguém quer a magistratura do Ministério Público.
S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça já dominou, estou certo, a gravidade do facto.
O milicianismo invade os tribunais.
Não desconheço que a solução há-de pesar no orçamento. Mas o Governo, o Governo tem de chamar a si o problema, tem de o perfilhar carinhosamente, tom de o resolver urgentemente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma observação:
Um dos principais fins da reforma é, como já ficou dito, o da separação das magistraturas e o da independência da actividade jurisdicional.
Pois o decreto-lei n.º 35:007, na hipótese de o Ministério Público não formular a acusação e de não haver reclamação subsequente por parte do denunciante, manda remeter, no artigo 28.º, os autos ao juiz, para que este, «se entender que estão verificadas as condições suficientes para a acusação, fazer constar de despacho as suas razões, subindo os autos oficiosamente ao Procurador da República, que decidirá».
A letra do artigo, diz-se, leva, sem esforço, à subordinação do juiz ao Procurador da República, mas eu não creio que tenha sido esta a ideia do legislador, aliás exposta com o maior brilho e a maior propriedade de termos em outras passagens do decreto-lei. O espírito que ditou a disposição deve ter sido este: o juiz, controlando, nesta parte, a actividade do Ministério Público, funciona, por assim dizer, como órgão mais próximo de fiscalização, e com o seu despacho não subtrai o processo à actividade daquele magistrado, prolonga-lhe a actividade, sujeitando-a à apreciação do Procurador da República. Assim, toda a decisão que vier deste desce na linha hierárquica, e não se destina ao juiz.

O Sr. Cancela de Abreu: - A mini parece-me que interrompe a actividade...

O Orador: - E uma forma do interpretar que não só me afigura justa. Em todo o caso, uma nova redacção do artigo 28.º teria a vantagem de pôr V. Ex.ª de acordo comigo.
Ainda, tocando no aspecto da função jurisdicional limpa de excrescências, não é erro desejar que se liberte o juiz de certos encargos administrativos que o prendem à tesouraria do tribunal.
Terminarei tratando de uma das maiores e mais nítidas preocupações das reformas da justiça, que é a concessão de garantias efectivas à liberdade individual.
Se não me engano, o aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu visou, em especial, a realização jurídica contida no decreto-lei n.º 35:043, de 20 de Outubro de 1940, que instituiu o regime do habeas corpus, designadamente no que respeita à «condenação dos advogados solidariamente com os constituintes nos casos de ser manifesta a destituição de fundamentos no pedido».
Salvo todo o respeito devido ao parlamentar experimentado e brilhante, discordo das censuras que fez ao modo por que aquela condenação está regulada.
Com os meus dezasseis anos de magistrado, posso dirigir-me aos advogados e dizer-lhes como aquele juiz de Piero Calamandrei: «Hão-de encontrar-se os nossos destinos e por força da comunidade da nossa sorte podemos abraçar-nos, como irmãos».
Já tive ocasião de afirmar um dia: quando me lembro do primeiro homem que empenhou a razão na defesa da primeira causa justa sinto quanto é magnífica e nobilíssima a profissão do advogado. Penso assim, e até no labor das ideias, quando tenho de divergir, quando tenho de defender outro campo, nunca deixo de sentir o meu destino agasalhado no destino maior que junta advogados e magistrados na mesma prece de justiça.
Discordo do distintíssimo advogado Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu.
Porquê a minha discordância?
Quem garante a ordem processual ó o juiz e este não faz afronta a ninguém quando repele a afronta feita à ordem que garante.
Pode, fora da evolução legal do processo, existir a autoridade mais alta, que nem é atingida por não ser escutada, nem diminuída por não se exceder a si própria.
Ninguém está livre de obedecer aos tribunais e não será quem neles exerce a função jurisdicional, sem embargo de a ver exercida sobre si mesmo, que chame à condução dos processos uma autoridade estranha ao seu mecanismo e ao seu prestígio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por ter de garantir a dignidade do tribunal, que faz parte da ordem do processo, é que o juiz tem os poderes do artigo 412.º do Código de Processo Penal, reforçados com os do artigo 93.º do mesmo Código. E não se trata de um limite ou de uma ofensa à jurisdição da Ordem dos Advogados, nem de qualquer menosprezo pela profissão do advogado, que então também encontraria limites e ofensas no § 1.º do artigo 603.º e no artigo 605.º do Estatuto Judiciário.

O Sr. Carlos Borges: - Quando o advogado pratique um acto pessoal directo que envolva o aspecto criminal, compreende-se a intervenção do juiz. Mas o que não faz sentido é que a lei envolva o advogado com a pessoa que requer o habeas corpus, pois assim o advogado fica na situação de cúmplice.

O Orador: - Se o advogado não tiver o natural cuidado de verificar os fundamentos do pedido, utilizando a claridade da lei e a facilidade de se meter dentro dela, então é porque preferiu fundir-se com o requerente de tal forma no desprezo pelas cautelas normais que a responsabilidade solidária não o pode surpreender.

O Sr. Carlos Borges: - Tudo é de admitir.

O Orador: - Vejamos: sempre que se lançam as bases e a estrutura de um instituto jurídico não se agride ninguém ao assegurar-se a sua função normal e plena pelo robustecimento do órgão encarregado de lhe dar execução. De resto e julgo que o argumento é importante - o processo permitido pelo decreto-lei n.º 35:043, por ser urgentíssimo e incompatível com despachos inter-locutórios, começa a desenvolver-se sobre a base da confiança na boa fé do interessado e nos conhecimentos profissionais do advogado. Assim, mais se justifica a responsabilidade ligada à liberdade e esta à autoridade.
E foi para impedir o reparo de que os advogados, na melhor das intenções, podem ser iludidos pêlos seus clientes que o Prof. Dr. Alberto dos Reis, que durante anos deu a esta Câmara o poder do seu grande valor, numa entrevista concedida ao Diário de Noticias em 18