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528 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 87

3.º Tornar as sanções aplicáveis aos advogados a independentes» das dos arguidos.
A Ordem dos Advogados, independente e ciosa das prerrogativas que justificadamente lhe conferiu o fundador, espera e merece ver atendido o apelo que, no sentido indicado, dirijo ao ilustre Ministro da Justiça.
Sem recear confronto, em vinte anos decorridos desde a sua fundação por Manuel Rodrigues, a Ordem dos Advogados tem sabido corresponder à elevada missão que dela havia a esperar, na organização da classe, na função disciplinar e de assistência e notavelmente no campo da vasta cultura jurídica.
Dignificou e enobreceu uma classe, alfobre em que, por elevado nível moral e intelectual e natural adaptação, são recrutados muitos dos maiores valores na administração e na política da nossa terra.
Uma elite ao serviço da Nação.
O Dr. José Alberto dos Beis, mestre que foi meu o de muitos que me ouvem e o é, afinal, de todos, disse:
« A advocacia é uma das profissões mais gratas ao espírito, uma daquelas que mesmo as pessoas de mais fina sensibilidade moral exercem com prazer».
Sr. Presidente: sinto orgulho em exercê-la, em ter uma profissão do que alguém disse ser «a mais livre que um homem livre pode ambicionar»!
Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: às vezes solta-se a nota de que há juizes bons e juizes maus.
Não se nega com isto a estrutura do Mundo, nem ou pergunto se é perfeito todo aquele que produz a afirmação. Lembro só que é tanto da vida do juiz dar provas do que vale e dar contas do que faz, que o mau não segue carreira. Haveria ainda motivo para indagar da utilidade de desmerecer o volume da regra com a raridade da excepção. E se dermos por nós debruçados sobre os ódios e os interesses que diminuíram este País não descobrimos só os julgadores que nunca se venderam, encontramos uma magistratura que viveu sempre acima das paixões, integra por dever, isenta por consciência.
Ao menos o reconhecimento, o ouro da gratidão.
Sr. Presidente: se tivesse de agrupar por pensamentos informadores os últimos decretos-leis que transformaram a administração da justiça, talvez os dividisse bem pelas preocupações neles visíveis.
Começo pela humanização do preceito legal:
O arguido, fosse ele quem fosse, que não pudesse prestar a caução arbitrada tinha de aguardar na cadeia o dia do julgamento.
O decreto-lei n.º 34:564, de 2 de Maio de 1945, quando o arguido é pobre, bem comportado e não dá mostras de tentar cometer novas infracções, autoriza o juiz a substituir a exigência impossível pela apresentação periódica no tribunal ou às autoridades policiais.
A cada passo se exige o certificado do registo criminal, como instrumento biográfico inexorável e rígido.
O decreto n.º 34:540, de 27 de Abril de 1945, permite ao tribunal ordenar que não se faça menção da sentença condenatória nos certificados requeridos para fins particulares, quando se aplica a pena de prisão até seis meses ou outra equivalente, não seja desonroso o móbil do crime e o réu, com bons antecedentes e bom teor de vida, não tenha sofrido anterior condenação.
O combate à provável delinquência futura é outra ideia dominante:
Passou a época do tratamento repressivo dos crimes desacompanhado de medidas de vigilância e de estudo dos delinquentes, dentro de um critério de pena maleável.
Mas foi o decreto n.º 34:553, de 30 de Abril de 1945, que criou os tribunais de execução das penas. Interessa conhecer a marcha das reacções anti-sociais do delinquente. E é a capacidade organizada, jurisdicionalizada, de determinação sobre circunstâncias de facto essenciais no combate à delinquência provável, que constitui a principal função daqueles tribunais.
A salvaguarda da inocência nos meios oficiosos processuais afirma-se também como princípio orientador.
Sempre me impressionaram os direitos da inocência e sempre os ajudei, mesmo no exercício de funções em que a lei mais parecia indicar-me o caminho de acusador público do que a posição de defensor da sociedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Era delegado do Procurador da República quando escrevi numa minuta de recurso:

A inocência tem direitos que nascem com ela, direitos anteriores ao julgamento.
Em matéria judiciária, a ideia de que é sempre bom ou sempre justificável, por uma mera dúvida, por um simples factor aparente, forçar a inocência à experiência do Pretório converteu-se em fonte de condenáveis abusos. E isto faz-se e tem-se feito, muitas vezes, a requerimento do lugar comum - descargo de consciência. A frase é quase sempre esta: «Vai para julgamento; lá se há-de ver».
Essa garantia da defesa, aliás constitucional, a que se deu o nome de instrução contraditória melhor fora riscá-la, tão raras vezes triunfa da pré-disposição dos juizes.
Não! Devemos fazer tudo para evitar a dor, a revolta do homem que sentiu a injustiça pisar-lhe a honra, por comodidade ou rotineira obcecação.
A defesa oficiosa da inocência - afirmo ainda hoje - nem tinha, na fase processual do corpo de delito, a consideração necessária, nem lograva o agrado de muitos juizes, que viam nela, designadamente sob a forma contraditória, uma antecipação do julgamento, ousada o inútil.
A prova da inocência, só a cargo do arguido, estava, por assim dizer, relegada para o momento de o réu prestar contas em audiência pública. E eu já sustentei, e continuo a sustentar, que erro judiciário é também o erro de instrução e que não é lícito, sobre conjecturas sem fortes raízes de prova, erguer um libelo, fazer prender o acusado e levá-lo, depois, a receber as palavras e as atitudes do acusador, que persiste; as dúvidas do tribunal, aumentadas pelo facto de se ter chegado ao apuro de fazer intervir o julgador; os olhares do público, sempre pouco disposto a absolver aqueles que a própria terminologia legal nivelou com o nome de réus.
O decreto-lei n.º 35:007, de 13 de Outubro de 1945, bateu no alvo. Nele se determina, com visão renovadora e esclarecida, que na instrução do processo se não «devem efectuar só as diligências conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aquelas que possam concorrer para demonstrar a sua inocência e irresponsabilidade».
Nos processos de querela haverá sempre instrução contraditória e nos processos correccionais mais complexos poderá o Ministério Público requerê-la, se a entender necessária para um melhor esclarecimento da causa.
O relatório do decreto-lei é que precisa bem:
A investigação completa da verdade e até a melhor organização da defesa deixam de ser mera faculdade do arguido para se transformarem em dever do próprio tribunal.