21 DE FEVEREIRO DE 1947 559
total das indústrias, certas quantidades sujeitas a uma tabela de preços inexcedíveis. E havia, conforme a medida então adoptada: "tabelados para a metrópole" e "tabelados para as colónias".
A distinção mais saliente entre "tabelados para a metrópole" e "tabelados para as colónias" residia no facto de ser muito inferior a qualidade destes; e tão inferior que, por fim, nem os pretos os queriam.
Apesar da péssima qualidade que os distinguia, os comerciantes coloniais, tentados pela diferença de preço entre os tecidos tabelados e os tecidos sem tabela, ainda tentavam alcançar os primeiros. Mas - todos o sabiam, menos as autoridades fiscalizadoras - esses comerciantes só conseguiam uma pequena parte das quantidades que desejavam, comprometendo-se a adquirir, ao mesmo tempo, grandes partidas de tecidos não tabelados e estrangeiros.
Em resumo: criaram-se, com os algodões das colónias, certas vantagens ao consumidor metropolitano, assegurando-lhe tecidos de certa qualidade a certos preços, e a fiscalização conseguiu, mais ou menos, manter qualidades e preços. Pretendeu-se criar as mesmas vantagens ao consumidor das colónias, e a fiscalização deixou-as cair, consentindo qualidades inferiores e negócios de verdadeiro "mercado negro", como eram esses de só venderem tabelados com o fornecimento simultâneo de não tabelados.
E isto, que já não se conformava com os princípios de solidariedade económica que nos regem, ocorria no momento em que se exigiam das colónias pesados sacrifícios quanto a preços dos produtos necessários ao abastecimento do mercado metropolitano - sacrifícios que, aliás, estariam muito certos em correspondência com sacrifícios idênticos por parte da metrópole quanto aos mercados coloniais.
Mas, adiante:
Como a situação se complicasse cada vez mais e se avolumassem as reclamações, porque, como disse, nem os pretos já queriam os tecidos metropolitanos da tabela, o problema resolveu-se, acabando com os tabelados para as colónias. E ficaram apenas os tabelados tout-court, mantendo os seus preços e qualidades, e destinados exclusivamente ao mercado interno, o que estaria rigorosamente bem se o termo "interno" se entendesse no. seu significado rigorosamente português, isto é, abrangendo todas as parcelas do Império e considerando que as colónias, por serem portuguesas, pertencem também ao interior do País - mesmo que certas barreiras políticas e económicas não possam ainda eliminar-se.
Mas não: parece que as colónias não cabem neste caso dentro do espaço chamado interno, pois se encontram, como qualquer país estrangeiro, inibidas de importar e consumir tecidos tabelados, os tais tecidos fabricados com o sou algodão e comprado às colónias a preços que têm de considerar-se irrisórios, se os compararmos com os lucros industriais que o mesmo algodão proporciona.
As colónias, pêlos vistos, uma vez que se desinteressaram dos seus antigos "tabelados" não podem adquirir, como o consumidor metropolitano, tecidos que sejam ao mesmo tempo regulares como qualidade e acessíveis em preço.
Este facto, moralmente desagradável e politicamente errado, não é de somenos importância. Adquire relevo especial, se tivermos em conta o valor económico dos tecidos nos mercados coloniais e as dificuldades previsíveis que esperam as indústrias metropolitanas de tecidos, se não se arrepiar caminho pelos únicos rumos que levam à conquista dos mercados: os preços e as qualidades. E não só o seu valor económico, como também, perante o consumidor indígena, a sua importância política.
Temos de nos convencer de que a especulação da guerra e a ganância que a tem animado não poderão ir muito mais além. Outros fornecedores mais hábeis, que prevêem o futuro e não perdem tempo, principiam a entrar nos nossos mercados coloniais de tecidos, transpondo com desenvoltura as barreiras pautais por detrás das quais as nossas indústrias se abrigam. E não pode constituir recurso para estas, amanhã, quando a "tabela" for fixada, não pelo Estado, mas no jogo livre dos mercados internacionais, novas pautas proteccionistas mais altas, porque as actuais já sacrificam as colónias além do razoável e não contribuíram -di-lo a experiência - para melhorar em preços e qualidades os produtos industrializados nacionais de algodão de que as colónias carecem.
Tudo se resume, enfim, Sr. Presidente, a reclamar que as colónias, tão amadas e exaltadas em peças de retórica, sejam, para este efeito do vestuário e agasalho, como para os mais, consideradas espaço interno - e que não se sintam externas quando na metrópole o termo "interno" significa exclusão dos que não têm direito a bens ou vantagens criados para portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão o decreto-lei que concede protecção ao cinema nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Correia.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: fui um dos Deputados que subscreveram o requerimento dirigido a esta Assembleia para que fosse submetido à ratificação da mesma o decreto-lei n.° 36:062, que se propôs proteger o cinema nacional. Procedi assim por entender que esse decreto carecia de profundas amplificações e modificações.
O problema do cinema ó de uma transcendência maior do que à primeira vista parece.
Por esse Mundo, quotidianamente, se enchem de milhões de espectadores as casas de espectáculos em que essa arte se exibe.
Em Portugal o problema mereceu a atenção do Governo, em 1932, com a publicação do decreto n.° 20:859, sobre cinema educativo. Foi então instituída junto do Ministério da Educação Nacional a comissão de cinema educativo, comissão da qual faziam parte cerca de uma dúzia de membros, representativos de vários ramos da educação pública.
O trabalho dessa comissão reduziu-se entretanto, até agora, à apresentação, em 1935, de um relatório, cuja autoria pertence ao ilustre Prof. Pereira Dias, relatório aliás, a meu ver, muito bem elaborado e à altura dos créditos do ilustre professor. Mas, depois disso, mais nada! Apenas alguns créditos, alguns financiamentos à produção cinematográfica, créditos e financiamentos feitos em condições que julgo dever aplaudir, pelos cuidados, pela prudência e pela segurança de que foram rodeados. Apenas, ainda, algumas medidas relativas às condições de funcionamento das casas de espectáculos, à admissão de menores e, repito, nada mais.
Ora, no final cio ano passado surgiu, primeiro na imprensa, sob unia forma um pouco diferente da sua forma definitiva, e depois no Diário do Governo o decreto-lei n.° 36:062, que visa proteger o cinema português, objectivo que me parece digno do mais caloroso aplauso de todos nós.
Tem-se dito bem e, sobretudo, muito mal do cinema.
De facto, o cinema surge, para muita gente, como uma verdadeira motorização do pensamento. Atordoa, inebria,