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560 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 89

estonteia, não faz raciocionar. Houve quem lhe chamasse um espectáculo de escravos. Seria um estupefaciente fornecido à humanidade moderna para a fazer esquecer o turbilhão em que ela se encontra envolvida.
Aponta-se-lhe, dentro dum critério estritamente nacionalista, o defeito de ser, talvez, um instrumento de internacionalização, e, dados os interesses materiais enormes ligados ao cinema, este, de certo modo e em grande parte, comercializou-se deploràvelmente.
Ainda o que o cinema teria de melhor, segundo as opiniões que contra ele tem sido formuladas, seria que se esquece muito depressa o que nele se exibe, dado o seu aspecto vertiginoso e o facto de não fazer pensar.
Quantos vão ao cinema e não percebem nada das fitas a que assistem?! Mas esto defeito estende-se a outras manifestações de arte, sem que, por isso, se pretenda que elas devam ser suprimidas.
Não resisto, Sr. Presidente, a referir, com a devida vénia, o caso daquelas criadas mandadas ao teatro e que vieram dizer à dona da casa que se não tinham divertido nada porque quem se havia divertido eram os que no tablado dançavam e cantavam.
Mas, como disse, este mal existe para muitas manifestações de arte, e o cinema não deixa de ser um elemento poderoso do formação das almas. Já lhe chamaram também uma "fábrica do sonho". A sua acção é enorme: impõe ideias, costumes, tipos e modas.
Numa cidade estrangeira em que estive apareceu, em dado momento, no mesmo hotel em que me encontrava, o conhecido Rodolfo Valentino, e eu vi, com os meus olhos, legiões do admiradoras, normalistas, futuras educadoras, endereçarem-lhe, para a varanda em que ele recebia as homenagens da multidão, beijos frenéticos nas pontas dos dedos. Que educadoras em perspectiva! E, nas modas e estilos, como ele influi por vezes bem deploràvelmente!
Num estudo dos tipos estéticos de cada época, feito na Universidade Católica do Sacro Cuore de Milão, sobre a direcção do grande mestre e psicólogo que é o padre Gemelli, organizou-se um inquérito a tal respeito para a época actual, tomando-se como base as figuras mais notórias de artistas de cinema. Então o tipo masculino de beleza era o actor que há pouco citei - Rodolfo Valentino - e o tipo feminino a célebre Greta Garbo. Como iam longe os padrões estéticos de Rubens e de Veronèse!
Mas, Sr. Presidente, afinal pode-se dizer do cinema o que se diz de uma faca, como já alguém fez notar. Uma faca é um instrumento com que se pode fazer muito mal, mas uma faca é também, e sobretudo, um instrumento útil, precioso, de uso comum. O cinema é agente deformação educativa, é uma manifestação de arte, é ainda - torna-se legítimo à Humanidade utilizá-lo também como tal - um divertimento. Para que privar desse divertimento os homens desde que ele seja legítimo, digno e moral? É também um elemento que quebra o isolamento dos povos, uns em relação aos outros, sem que por tal destrua os nacionalismos admissíveis e equilibrados.
Não vou ao ponto de dizer que o cinema é "a carta de alforria do homem moderno", como já escreveu um autor português. No entanto cito como sendo digna de meditação esta frase de José Régio: "Não há nenhuma manifestação de arte contemporânea que me tenha tocado mais profundamente do que o cinema".
O progresso do cinema tem sido nítido. Apareceu, em 1895, graças à estupenda invenção de Lumière, mas já antes havia um encadeamento de trabalhos que conduziriam a tal descoberta. Entre esses trabalhos citarei os de Marey, com o registo do movimento, por instrumentos conhecidos em todos os laboratórios de fisiologia e de cinemática.
Em 1927 o cinema passou do mudo a sonoro.
Em Portugal, o primeiro filme data de 1902. Foi feito pelo fotógrafo Júlio Worm por ocasião da inauguração da estátua de Afonso de Albuquerque, na presença de El-Rei D. Carlos.
Em 1930 apareceu o primeiro filme sonoro português, A Severa, cuja realização se deve a Leitão de Barros.
Os números que representam as quantias, os capitais empregados nesta indústria, os números que representam a frequência dos cinemas, o número dos filmes produzidos, todos os dados numéricos referentes a esta indústria, tomaram proporções astronómicas.
Em França há quatro mil salas de cinema, em Espanha três mil e em Portugal, segundo o Anuário Estatístico de 1945, há trezentos e cinquenta e quatro cinemas para cento e vinte e oito teatros. Mas antes da sonorização havia mais cinemas: é que aquela é dispendiosa.
O cinema, pela sua frequência e pelo número das suas salas, ultrapassa manifestamente o teatro umas poucas de vezes.
Em Inglaterra o cinema mobiliza trinta milhões de espectadores todas as semanas; ou seja: mais de metade da população inglesa vai uma vez cada oito dias ao cinema.
Em Portugal, segundo o Anuário Estatístico de 1945, os cinemas foram frequentados nesse ano por vinte e dois milhões de espectadores, o que quer dizer que num ano Portugal não atinge o quantitativo inglês correspondente a uma semana.
Em relação à população, não temos nem um número de salas nem um número do espectadores correspondentes aos números de salas e de espectadores da Espanha, da França, da Inglaterra e de outros países. Mas o interesse por esta ordem do espectáculos já ó enorme entre nós.
O cinema é um problema complexo e tem vários aspectos a encarar num seu estudo integral, como seja o científico, o técnico, o artístico, o educativo, o de divermento e o comercial. O cinema implica uma multidão de actividades para a sua realização e exibição.
Em primeiro lugar, temos a produção, com as várias artes elementares, como o argumento literário, a planificação, a montagem, a música, a escolha dos artistas, etc.
Depois, a distribuição! Há trinta e cinco firmas distribuidoras em Portugal.
Por fim, temos a exibição, em que se deve distinguir entre os grandes cinemas urbanos, chamados, em terminologia do métier, "cinemas de estreia", e os cinemas de reexibição, populares, de bairro, de província, onde o número de exibições chega a ser apenas de duas ou três vezes por semana, muitas vezes.
Da distinção entre as duas categorias de cinemas não cuida o decreto-lei n.° 36:062.
Além dos cinemas de estreia e de reexibição, há a considerar ainda muitas escolas e institutos de ensino e outros estabelecimentos, em que o cinema devia ser bastante divulgado, como sejam clubes, Casas do Povo e dos Pescadores, etc. O assunto devia também ser considerado devidamente, promovendo-se ali exibições de assuntos seleccionados, segundo as necessidades culturais das populações respectivas.
Desses aspectos, verdadeiramente, também não se cuidou no decreto-lei.
Este visou o objectivo de proteger o cinema português, integrando-o no espírito da Nação. Não podemos senão render calorosos aplausos a esse propósito. Mas como ó que o decreto-lei pretende realizar tal objectivo?
Cria o Fundo cinematográfico nacional, do qual a principal base financeira é o rendimento da cobrança de uma taxa de licença de exibição. Ao mesmo tempo, o decreto-lei entrega a administração desse Fundo, e de