564 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 89
Em 1943 os capitais investidos na produção andavam à volta de 2:000 contos, incluindo neste cálculo o único estúdio e laboratório que então possuíamos. Em 1946 investiram-se na produção mais de 17:000 contos; e os três estúdios e o laboratório, que temos agora, estão avaliados em mais de 25:000 contos.
Trata-se, pois, e estes números bastariam para o reconhecer, de uma indústria em pleno desenvolvimento. Mas há mais: dos 40 fonofilmes produzidos em Portugal desde 1933, 20 foram grandes êxitos financeiros, apesar das condições que lhes eram criadas pela posição de domínio do intermediário, a quem tem cabido ca parte de leão". E nesse aspecto estou com o pensamento que já teve o Sr. Ricardo Jorge, gerente agora do Cinema Tivoli, e um dos impugnadores que surgiram a atacar o decreto-lei, quando disse numa entrevista, em 1938, que hoje mesmo transcreveu a revista Cinema com oportunidade que ninguém lhe negará:
Os enormes lucros das fitas portuguesas têm ficado, na sua maior parte, por mãos de intermediários que os interceptam sem risco.
Quando a indústria obtiver o beneficio merecido de disposições legais que a protejam desses injustos desvios o condicionem a importação com as necessidades da produção nacional - o negócio passará a viver nas circunstâncias sossegadas de que precisa para poder atrair capitais.
Eu, porém, não posso senão tratar superficialmente do problema económico, pois, em primeiro lugar, quero referir-me aos problemas social e cultural, que essencialmente nos devem interessar neste debate.
Sr. Presidente: é verdade que o preço dos filmes portugueses de grande metragem oscila entre 800 e 2:500 contos. Alguns, mais caros, constituem excepções: são os filmes das aventaras generosas, em que dominou maior aspiração de arte, pois o certo é que só se tem a certeza de amortização, nas condições anteriores ao regime de protecção e contando apenas com o mercado habitual, para filmes cujo preço não vá além de 2:500 contos.
O problema estará pois em procurar melhorar, de facto, as condições da indústria, para que possa trabalhar em melhores condições e não só para o mercado habitual -nacional, brasileiro, às vezes o espanhol e pouco mais - mas ainda para que lhe seja permitido aspirar à penetração em mercados que até agora lhe tem sido vedados.
Este é o aspecto do problema económico que se deve pôr; este é na realidade o aspecto que lá fora, não entre nós, se tem tentado fazer e o que, finalmente, se pretende fazer também em Portugal agora.
A situação actual da produção cinematográfica portuguesa, de perfeito abandono, não pode manter-se; e o Governo, com a Assembleia Nacional, a quem incumbe a defesa dos superiores interesses da Nação Portuguesa e dos portugueses, não poderiam alhear-se do problema por muito tempo.
Não se poderá dizer, no entanto, que o Governo, preparando agora condições de vida limpa e livre ao cinema português, ataque ou procure diminuir qualquer organização cinematográfica estrangeira. O que se pretende é organizar a cinematografia nacional, que precisa de ser defendida da estrangeira, que em nossa casa disputa o direito de nos marcar os lugares apenas que lhe sobejem. Defendem-se as possibilidades de reciprocidade, a que temos direito.
Para se verem, todavia, as condições precárias do mercado português, o não apenas para o cinema português, também para os filmes de qualidade exportados por outras nações, apresentarei alguns números elucidativos que se transcrevem do anuário americano Motion Picture Almanach referente a 1944-1945, na parte que diz respeito a Portugal:
Nesse ano importámos filmes dos Estados Unidos da América, Inglaterra, 'França, Espanha, Itália, Argentina, Suécia e Suíça. Ora bem, repare-se agora na marcha da distribuição desses filmes importados: dos Estados Unidos importámos 196 filmes, dos quais foram distribuídos 194 e ficaram por distribuir 2; da Inglaterra importámos 50 filmes, dos quais foram distribuídos 4, ficando por distribuir 46; da França importámos 30 filmes, dos quais foram distribuídos 5, ficando por distribuir 25; da Itália importámos 10 filmes, sendo distribuídos 2 o ficando por distribuir 9; da Argentina importámos 10, não sendo distribuído nenhum; da Suécia importámos 7, não sendo distribuído nenhum; da Suíça importámos 1, que foi distribuído.
Quer dizer: existe perante uma organização cinematográfica mundial desorganizada uma organização de distribuição admiravelmente organizada; e esta homenagem, além de outras, devemos prestar à organização cinematográfica norte-americana.
Digamos, porém, que, se nos interessa conhecer o bom cinema americano, não nos podemos desinteressar de qualquer outro que seja bom e cuja exibição seja útil, além do mais, ao progresso técnico dos nossos produtores.
Se, todavia, ao pretender organizar a nossa produção, melhorando e saneando as condições de vida da nossa indústria cinematográfica, não nos cabe responsabilidade de se deixar a aparência de trabalharmos contra a única organização verdadeira que neste momento existe; pois nisso coincidimos com as cinematografias inglesa, francesa, espanhola, italiana, alemã, sueca, suíça, e as mais que igualmente se estão reorganizando, sendo certo, porém, que, duma maneira geral, só havia agora dois países produtores que não possuíam qualquer lei de protecção ao seu próprio cinema: Portugal e a China. E essa mesma, conforme se noticiou não há muito na imprensa inglesa, acaba de publicar também uma lei de protecção ao sen cinema.
De que se trata sob o ponto do vista económico é disto: saber se deve ou não preparar-se a defesa dos interesses económicos portugueses que a indústria cinematográfica portuguesa comporta ou se os devemos ou não deixar ao abandono perante a ofensiva de outros interesses económicos que, já por serem muito maiores, mais ricos, mais poderosos, já porque estão vigorosamente organizados, podem efectivamente vir concorrer connosco e vencer-nos em nossa própria casa.
Sr. Presidente: sabe-se em todos os países que a possibilidade de manter um bom cinema deriva de se poderem obter condições económicas para o criar; mas também se sabe que não é possível possuir bom cinema se não houver a compreensão de que, defendendo-o, além de interesses económicos, se defendem superiores interesses do espírito. Importa efectivamente fazê-lo e é assim que por toda a parte se procede; e eu não me alargaria a mais considerações se não me tivesse comprometido com o ilustre Deputado Dr. Mendes Correia a fazer aqui a exposição, embora rápida, de que na Inglaterra se está a preparar em vista a uma contingentação muito mais apertada.
Até há pouco vivia-se numa situação criada pelo acordo de 1938 com vigor para dez anos, a terminar, por consequência, no próximo ano.
Durante estes dez anos esteve garantida à indústria britânica uma semana para oito de exibição nos 4:000 cinemas ingleses, o que dava à produção americana um lugar ainda predominante nas próprias salas inglesas.
Todavia, ao aproximar-se o termo do acordo e quando havia de ser revisto, levantou-se logo na Inglaterra uma