21 DE FEVEREIRO DE 1947 561
certo modo a fiscalização' das actividades cinematográficas nacionais, ao Secretariado de Informação e Cultura Popular. E por fim estabelece medidas sobre o contingente, a colocação e a exploração dos filmes portugueses, criando para estes um regime que na verdade é diverso do dos filmes estrangeiros, mas que necessita de ser cuidadosamente apreciado.
Analisemos alguns pormenores e aspectos do diploma.
A taxa da licença de exibição é diferente, segundo a classificação técnica dos filmes.
Devo dizer que, em matéria de filmes culturais e educativos, não se explica que exista essa taxa, visto que haveria toda a vantagem em facilitar ao máximo a sua difusão.
Os filmes são classificados e aplica-se a todos os da mesma classe a mesma taxa de exibição, qualquer que seja o valor e êxito desses filmes.
O caso lembra-me o seguinte símile: seria a mesma, coisa que, para proteger a ópera de compositores portugueses, se não pudessem apresentar a Aida, a Lúcia de Lamermoor, a Tosca ou a Boémia em Portugal sem o pagamento duma taxa de licença especial para cada peça.
Esta taxa não pode, segundo um bom critério de justiça, ria minha modesta opinião, ser aplicada, sem discriminação, em valor igual para todos os filmes da mesma categoria.
É da mais elementar equidade que ela seja graduada proporcionalmente:
1.° Ao êxito do filme, à duração ou permanência do filme no cartaz;
2.° Ao rendimento do cada cinema.
E preciso notar que muitos filmes portugueses têm sido realizados em condições deploráveis e que temos para trinta filmes produzidos vinte produtores diferentes, o que quer dizer que não existe ampla e devidamente organizada entre nós a indústria do cinema.
Estabelece-se também na lei a criação de uma cineteca, etc., mas faltam amplas medidas para a formação artística, moral e técnica dos profissionais de cinema.
Tenho aqui números oficiais referentes às condições materiais de existência dos cinemas populares. Em muitas ocasiões se verifica que esses cinemas não dão para cobrir as suas despesas obrigatórias, como as do imposto chamado único e as dos bombeiros, policia, etc.
Estabelece a lei subsídios e prémios, o que é perfeitamente defensável e plausível; simplesmente se consigna que entre os produtores portugueses só poderão ser beneficiados aqueles que exercem com regularidade a sua actividade produtora.
Ora tenho, a impressão de que esta expressão "com regularidade" deve ser devidamente analisada. Estamos ainda no começo. E, assim, poderemos nós dizer que existem já em Portugal bastantes entidades organizadas para a produção regular que dêem possibilidades de concorrência? Não seria melhor dizer que só poderiam ser subvencionados produtores que oferecessem garantias de regularidade de trabalho?
Em França, onde já havia várias leis, entre as quais a mais importante é a de 1928, devida a Edouard Herriot, criou-se recentemente o Centro Internacional de Cinematografia. Todos os variados aspectos do problema são encarados pela recente lei francesa, como já haviam sido nalgumas anteriores, como a de 1928.
Ora, muito bem: chegamos ao ponto que seria delicado para quem o abordasse, se todos nós não apreciássemos o mérito de variados aspectos da acção realizada pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.
Eu entendo que a entrega total, exclusiva, do problema das actividades cinematográficas em Portugal à superintendência do Secretariado, como é feita pelo decreto-lei n.° 36:062, deve ser restringida pela constituição de um conselho nacional de cinema, em que tenham representação todas as entidades nacionais cuja voz devesse ser ouvida neste problema.
Começo por citar o Ministério da Educação Nacional, precisamente aquele em que se iniciou o estudo do problema. Devem ser chamados a intervir os educadores, os professores.
Além do Ministério da Educação Nacional, deveríamos ter também a representação do Ministério da Economia, dados os aspectos económico, comercial o industrial do assunto, a representação dos críticos, dos autores, dos produtores, dos distribuidores, dos exibidores, distinguindo mesmo entre estes as duas classes que eu mencionei, isto ó, os de cinemas de estreia e os de cinemas de reexibição ou cinemas populares, porque os últimos são precisamente aqueles que não são frequentados pela gente rica, mas que afastam da taberna e de outros divertimentos prejudiciais o povo; suo, afinal, os verdadeiros cinemas do povo.
Por outro lado, noto que esse conselho, essa entidade, que deveria assistir, pelo menos de uma maneira consultiva à acção do Secretariado, embora não fosse extremamente numeroso, deveria ter uma composição em número aproximado do do comité do cinema educativo criado pela lei de 1932; poderia ter uma composição aproximada da do comité francês de cinema, o qual tem trinta e dois membros, sendo, por assim dizer, um parlamento de cinema.
Por outro lado, a lei faz a definição de filmes portugueses, dos sujeitos à protecção da própria lei. Exige que sejam falados em português. Muito bem. Que sejam produzidos em estádios e laboratórios pertencentes a empresas portuguesas instaladas em território português e que sejam representativos do espírito português, pelo seu tema, sem prejuízo dos grandes temas da cultura universal.
Eu entendo que essa definição é insuficiente.
Nem todos os filmes verdadeiramente portugueses são produzidos dentro dos estúdios que existem; há necessidade, por vezes, de filmar no estrangeiro, ao ar livre, como cenas de pesca nos mares da Terra Nova, etc., e, deste modo, tais filmes não seriam abrangidos pelo decreto-lei n.° 36:062 como portugueses, embora o sejam autenticamente.
Quanto aos laboratórios em Portugal, direi que só temos um, aliás muito bem instalado, digno de toda a consideração e simpatia. Mas, precisamente porque a nossa produção ó bastante restrita, esse laboratório estabelece preços que são incomportáveis, em relação com os preços estabelecidos nos laboratórios de outros países, como a Espanha.
Já tem valido mais a pena, no ponto de vista financeiro, ir a Espanha fazer filmes portugueses do que fazê-los em Portugal.
Diz a lei ainda: "temas portugueses, ambientes portugueses, espírito português". Muito bem. E acrescenta: asem prejuízo dos grandes temas da cultura universal".
Quer referir-se talvez a filmes que abordem temas que não são exclusivamente portugueses, mas ampla e largamente humanos. Creio que essa expressão "sem prejuízo" não ó bastante elucidativa. Talvez tivesse sido preferível dizer-se: "salvo o caso de filmes que abordem os grandes temas da cultura universal".
Mas deixando esse ponto, Sr. Presidente, porque a hora vai adiantada, desejaria referir-me ainda à questão da dobragem, que para mira constitui um problema que não tem solução.
É proibido por um decreto a introdução de filmes de fundo com a dobragem feita no estrangeiro.
Reconheço que isso correspondo ao desejo de evitar o que há de antiartístico no facto de os movimentos dos diferentes intérpretes não corresponderem ao som das