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792 DIÁRIO DAS SESSÕES- N.º 100

Nestas circunstâncias, e não esquecendo os factores de ordem geoeconómica e ainda à luz dos apuramentos estatísticos do recenseamento de 1940, somos levados a concluir, sem que nos possam imputar injustificados anseios bairristas ou meras aspirações decorativas, que é necessária a criação de uma escola do magistério primário na cidade de Angra do Heroísmo.
Pelo referido recenseamento, a população dos três distritos açoreanos era a seguinte: Ponta Delgada, 156:045 habitantes; Angra do Heroísmo, 78:109, e Horta, 52:781, sendo na ilha de S. Miguel 148:018, na Terceira 53:402 e na do Faial 23:579.
Desde há muito que os povos do meu distrito aspiram a ver restaurada a sua antiga escola, do magistério primário, onde os seus filhos possam habilitar-se a ingressar nos quadros docentes do ensino primário elementar.
É legítimo o seu desejo e justa a sua aspiração, sendo certo que as despesas emergentes da criação e manutenção da escola em causa, além de módicas, deverão considerar-se de natureza reprodutiva, porquanto virão a traduzir-se na aquisição e preparação de agentes absolutamente indispensáveis ao elementar progresso moral e material das populações.
E nesta época de incontidos egoísmos e desenfreada sede de lucro é preciso, é indeclinável dever nosso, criar, acalentar e orientar as puras vocações de quem, procurando honestamente ganhar o pão de cada dia, se pretende votar à espinhosa mas nobre missão do sacerdócio do ensino primário.
Nesta ordem de ideias, e fazendo-me eco, nesta Câmara, dos desejos c aspirações dos povos do meu circulo eleitoral, particularmente da ilha Terceira, tenho a honra de solicitar do Governo que, pelo Ministério da Educação Nacional, se digne considerar este meu pedido da criação urgente, na cidade de Angra do Heroísmo, de uma escola do magistério primário, nas mesmas condições e moldes da que se acha em funcionamento na cidade da Horta.
Tenho a antecipada certeza de que a satisfação deste justo pedido encherá de júbilo os povos da minha terra e abrirá caminho a inúmeras fecundas vocações docentes, a bem do ensino primário e a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: como o assunto que pretendo tratar constitui simples pormenor de uma paisagem tão vasta que nela se contém toda a sociedade portuguesa, permita-me V. Ex.ª que o desenvolva, aliás sem o dilatar até proporções reais, partindo do panorama geral para o aspecto particular que me interessa como Deputado por Angola.
Se perguntássemos a cada português responsável, um por um, que critério deve presidir à escolha e nomeação dos homens para o exercício das múltiplas funções que sustentam o mundo português, todos diriam, mais ou menos, que, seja qual for o critério político, ou simplesmente selectivo, é de exigir, como condição fundamental, que as pessoas escolhidas para desempenharem cargos - e em especial os chamados cargos de responsabilidade - ofereçam, além de outras, garantias elementares de competência.
Quer dizer: todos concordariam em que a boa função exige, seja ela qual for, especifica e quantitativamente, o reconhecimento da capacidade funcional. Por consequência, todos discordariam, sem reservas, de critérios ou simples caprichos, que conduzissem, por exemplo, à nomeação de um médico ilustre para dirigir o Conservatório ou à escolha de músico célebre para tratar doentes num hospital.
E discordariam também, naturalmente, de qualquer disposição doutrinária ou legal que, por insuficiência de conteúdo, forma ou redacção, permitisse prover em certos cargos de responsabilidade, cujo desempenho exige conhecimentos ou experiência especiais, quem não tivesse esses conhecimentos ou experiência ou quem, tendo-os, não fossem estes os requeridos pela feição especial do cargo.
Se fizermos a mesma pergunta a certas criações dos homens responsáveis criações que se chamam princípios, doutrinas e leis -, a resposta seria a mesma.
Quer dizer: teoricamente, nada nos falta, nem no entendimento das gentes, nem na letra dos preceitos, para se condenar, sem recurso, o familiar e conhecido artista que é, no dizer cristalino do povo, o s sapateiro que toca rabecão».
E, porque assim é, em boa política e em boa moral, qualquer infracção a este pensamento comum dos homens, expresso em regras severas, de espírito e sentido claríssimos, se considera, conforme a intenção, compreendida numa escala de casos indesejáveis, que principia no erro (infracção bem intencionada) e acaba no escândalo (infracção mal intencionada).
É de lamentar, porém, Sr. Presidente, que na passagem da teoria para a prática, ou dos preceitos para as realidades, ideias e pensamentos tão claros como estes se descomponham. Na verdade, tornam-se dia a dia mais frequentes na sociedade portuguesa - e não só na órbita das actividades directamente regidas pelo Estado- os concertos, digamos subversivos, porque na verdade subvertem uma ordem recomendável, dos o sapateiros que tocam rabecão».
E na frequência não há que lamentar apenas as brilhantes e por vezes inofensivas mediocridades espirituais do engenheiro químico que se consome na poesia lírica, do médico especialista que se gasta em concertos de piano ou do militar que se desperdiça como pintor de arte. Há que sofrer também - e com prejuízos para a grei sobre os quais escuso de tecer considerações - os escultores que se empregam em carvões, os jornalistas que acumulam funções em grémios de. mercearia - e, para não deixar passar em claro um exemplo da questão que ora me preocupa, o homem que se coloca em lugar de relevo nas colónias, onde nunca esteve, porque falhou ou se tornou indesejável na metrópole.
Em resumo: cultivam-se com naturalidade impressionante, e cada vez mais instalada nos costumes, constantes desacertos na aplicação dos valores, que vão desde a inversão profissional - ou seja a transferência da competência para a incompetência- até à protecção pura e simples e à incompetência absoluta.
Devo reconhecer nesta altura, Sr. Presidente, e antes de alcançar o ponto objectivo que pretendo focar, que eu próprio, que ouso chamar a atenção do Governo e da Câmara para este problema quanto à parte que diz respeito à nomeação de pessoal para as colónias, não me sinto isento de pecado pecado de colaboração, pelo menos- na inversão profissional que tão activamente se cultiva na sociedade portuguesa. E digo-o antes que alguém mo lembre: de facto, já lá vão alguns anos, depois de me ter preparado, atenta e devotadamente, para uma carreira colonial e de ter prestado provas que me permitiam usar modestamente o título de colonialista, fui nomeado director da Emissora Nacional, tão naturalmente como se fossem realmente a música e a rádio o destino natural de um colonialista!
Pecado, na verdade, do qual não me absolvem os factos de não ter pedido nem desejado esse lugar e de só o ter aceitado na esperança de realizar nele a ligação radiofónica da metrópole com as colónias. Pecado, porque, como era de esperar, não cumpri bem - e decerto teria levado a Emissora ao descalabro, à desorganização e à