12 DE DEZEMBRO DE 1947 57
A Constituição diz no n.° 1.° do artigo 90.° o seguinte: «Aceitar do Governo, ou de qualquer Governo estrangeiro, emprego retribuído ou comissão subsidiada».
O exercício de um cargo em comissão é duma precaridade maior do que o exercício dum cargo interino. É isto que desejo que fique exarado no Diário das Sessões, e que eu digo só como presidente da Comissão de Legislação e Redacção desta Câmara.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, presidente da Comissão de Legislação e Redacção, pretende seja consultada a Câmara sobre se ela autoriza a retirada do parecer que essa Comissão emitiu quanto à situação parlamentar do Sr. Deputado Pastor de Macedo. Não posso submeter à apreciação da Assembleia o pedido do Sr. Deputado Mário de Figueiredo. A Comissão de Legislação e Redacção é uma comissão regimental, e os seus pareceres elementos valiosos para esclarecimento da Assembleia. Tais pareceres, não sendo imperativos, são todavia, repito, um elemento do mais alto valor para a formação do juízo de consciência da Assembleia. Por essa razão não posso deferir o pedido de S. Exa.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Mendes de Matos.
O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: não me propus nem me proponho fazer uma análise completa da proposta em discussão; pretendo apenas focar alguns aspectos que nela me parecem mais importantes e mais oportunos.
No seu aspecto geral a proposta não traz novidade nenhuma; a não ser a novidade já velha, mas cada vez mais nova, por mais difícil nas emergências actuais, a novidade da ordem e do equilíbrio orçamental, nos termos do preceito constitucional.
Confirma, porém, a proposta, no seu artigo 4.°, uma novidade, e esta verdadeiramente nova: a reforma do imposto sucessório, já consignada na lei aprovada em Março último por esta Câmara. É a esta que desejo referir-me para lhe render o meu aplauso, que sei ser o da Nação.
Mais de uma vez juntei a minha voz à voz da Assembleia para reclamar uma reforma do imposto sucessório e uma revisão das custas dos inventários orfanológicos, apostadas em comprometer centenas de pequenos patrimónios que os mais altos interesses nacionais mandavam se conservassem e fortalecessem.
Ouviu o Governo essa reclamação e deferiu-a numa proposta de lei que á Câmara estudou, discutiu e aprovou. Por motivos estranhos à minha vontade, não me foi dado então tomar parte no debate que incidiu sobre essa proposta e precedeu a. sua aprovação. Não é, evidentemente, agora ocasião de o fazer, mas sempre é tempo de render justiça às propostas de interesse nacional, mormente quando, como no caso presente, se trata de um alto serviço prestado à causa pública, profundamente empenhada na conservação dos pequenos e médios patrimónios, que sito a base da estrutura económica da família e esta o lar fecundo das virtudes fundamentais do nosso carácter. E essa homenagem e sua justificação que eu agora pretendo fazer.
Em princípio, no respeito absoluto e na lógica rigorosa dos nossos conceitos de família e de política fiscal,
nenhum imposto sobre transmissões por título gratuito a favor de descendentes encontra justificação suficiente. Salazar confessou um dia as suas apreensões acerca do imposto sucessório, quando a morte deixa intacta a unidade económica da família e a cobrança toca no património doméstico. Com efeito, quando o imposto fere a unidade económica da família não se encontra título jurídico que o justifique. Sempre assim pensaram os nossos velhos legisladores e os nossos governantes, que, mesmo nas crises financeiras mais graves para a Nação, jamais lançaram mão dele, embora tivessem praticado extorsões porventura mais violentas e condenáveis.
O imposto sucessório sobre transmissões por título gratuito a favor de descendentes não tem tradição na nossa jurisprudência fiscal. Ele aparece exactamente no momento em que na nossa filosofia política se deturpou e corrompeu o conceito da família e da propriedade, quando a família foi considerada uma união acidental e transitória e os proprietários simples detentores dos seus bens, quando se negou o vínculo indissolúvel do matrimónio e o vínculo absoluto da propriedade à pessoa humana e seu valor social.
O Estado Novo adoptou outros princípios, mas, constrangido por exigências de ordem financeira, manteve esse imposto até que pôde estudar as condições de uma reforma profunda e salutar. A reforma aí está. Completa? Definitiva? Indiscutivelmente um esforço sério no sentido de uma remodelação ainda mais completa, de harmonia com as condições que vieram a criar-se na nossa situação económica.
Mas, tal qual o Governo a elaborou e a Câmara a aprovou, a reforma constitui um altíssimo benefício, da mais vasta e profunda projecção em diversos sectores da vida nacional.
Não é apenas uma alteração importante na nossa jurisprudência fiscal; constitui um valioso e eficiente instrumento de defesa social, porque como tal deve ter-se hoje toda a política a favor da família. Na verdade, o Mundo assiste, na frase do Sr. Presidente do Conselho, a uma luta de civilizações. Foi essa luta que fez a guerra; é essa luta que impede a paz.
Perante essa luta não pode haver indiferença nem neutralidade. Todas as nações estão já nela empenhadas e comprometidas e «a sua vitalidade marca-se pela soma de energias que levam a esse conflito gigantesco».
Nesse conflito entre a civilização e o comunismo marcámos há muito tempo a nossa posição nas assembleias internacionais, ainda quando alguns dos que hoje mais rudemente o combatem julgavam menos certa e oportuna a nossa atitude.
Síntese de todas as revoltas tradicionais contra a civilização, o comunismo é nesta «luta de civilizações» o grande inimigo. A reforma do imposto sucessório constitui uma ofensiva eficaz contra o comunismo num dos seus aspectos fundamentais: o do ataque à família.
Vejamos porquê.
Dizem os sociólogos que a família é a «célula da sociedade». A Constituição afirma que a família é ca fonte da conservação e desenvolvimento da raça», ca base primária da educação, da disciplina e harmonia social», afundamento da ordem política e administrativa, pela sua agregação e representação, na freguesia e no município».
Se bem entendo, isto quer dizer que a família é a raiz e floração das nossas instituições, o santuário e o bastião das virtudes e demais valores humanos e espirituais, a base e a cúpula da civilização. A família é, ela mesma, a civilização. Uma das grandes constantes da história é o sincronismo que acompanha a sorte da sociedade e da família.