58 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 118
A decadência dos grandes- povos seguiu a decadência da família e sempre as sociedades se elevaram e floresceram na proporção em que a família se fortaleceu e prosperou. Por isso, a família é uma espécie de instituição, em volta da qual gravitam todas as actividades económicas, morais e sociais. A família é a civilização empenhada na «luta de civilizações». O comunismo, atacando a civilização, tinha de abrir ataque à família, uma das bases do seu programa e da sua acção.
Por lógica fatalista do erro, a família para o comunismo não existe; melhor, constitui o seu primeiro e fundamental inimigo. A socialização da soberania implica a socialização da propriedade, e esta exige a socialização da pessoa humana. Neste ciclo fechado, neste monismo totalitário, não há lugar para a família. A família deve ter-se, por isso, como o primeiro obstáculo ao triunfo do comunismo, como, aliás, o declaram as afirmações peremptórias dos seus corifeus, as recomendações dos seus dirigentes e as actividades revolucionárias dos seus arautos.
Assim, o ponto central da «luta de civilizações» é a família. Ela é cidadela em torno da qual se travam os grandes, os decisivos combates desse conflito gigantesco. De um lado a luta por conservá-la, conservando a raiz da civilização; do outro o furor em destruí-la, na convicção de que nessa destruição reside a certeza da vitória. Deve ter-se, «pois, nesta hora, como serviço prestado ao comunismo tudo quanto combata ou enfraqueça a família, seja como for e não importa com que intenções ou por que motivos.
Ora neste prélio colossal que importância tem a reforma do imposto sucessório que se consigna na proposta em discussão? Isenta desse imposto todos os patrimónios cujas heranças parcelares não excedam 150.000$. Isto significa que em vastas regiões do País todos os patrimónios ficarão isentos desse, imposto.
Nesta isenção defende-se a família, mas a família senhora dos seus destinos, a família com o seu património, a família com as condições necessárias ao desempenho das suas complexas e beneméritas funções. Mais: estimula-se a sua fundação, pela certeza que se dá a todos os pequenos chefes de família de que o Estado lhes não levará o fruto do seu trabalho, antes lho auxilia e assegura, renunciando a um rédito, que procurou compensar noutras fontes fiscais.
A reforma acarinha, protege, defende, consagra assim o património familiar, não por processos doutrinais ou métodos verbais, mas por uma forma prática, eficiente, por obras que se tornam seu amparo eficaz e poderoso. Na luta contra o comunismo, a reforma fica como um dos instrumentos mais valiosos de protecção à família entre quantos se têm empregado na nossa jurisprudência.
Atrás da reforma estão princípios restauradores da soberania económica da família e com esta a estrutura pluralista da Nação em oposição ao monismo fisiológico e ao totalitarismo marxista.
A família não se basta a si mesma para a realização plena das suas augustas funções. Amplia-se, desdobra-se por isso noutras autarquias, que são a freguesia - família de famílias; a corporação - amparo económico da família; a escola - prolongamento da família; o município - senado de famílias.
Estas instituições representam o baluarte da soberania da família, porque constituem o limite do poder político do Estado. O liberalismo destruiu essas autarquias, que na família têm a sua base e lhe servem de complemento. E, para que o homem ficasse em face do Estado no isolamento total do seu individualismo, tentou também enfraquecer as suas instituições complementares. O combate foi demorado, persistente e eficaz. O cesarismo pombalino, o liberalismo constitucional e a tirania demagógica atacaram, cada um a seu jeito, a solidez e estabilidade da família e a segurança dos seus direitos. A reforma a que estamos aludindo é um passo na emenda dos erros praticados e defesa contra outros piores que nós ameaçam. Opõe à propriedade socializada, que é a pobreza e escravidão colectiva, a propriedade colectiva familiar, libertadora, expressão mais perfeita da propriedade, e abre o caminho e o acesso da propriedade a toda a gente.
O comunismo só cresce e medra nas zonas dominadas por famílias física e economicamente empobrecidas. E como os vermes, que só proliferam nas carnes apodrecidas. As famílias robustas e sadias são a muralha de resistência invencível aos assaltos do comunismo. Com famílias assim a vaga do barbarismo soviético não passará. A importância da reforma está em compreender esta verdade e proceder em consequência.
Poderá, porém, observar-se que a reforma é incompleta e até certo ponto incongruente, porque mantém o imposto sucessório nas grandes heranças.
Talvez. Mas eu quero ver nesta disposição menos uma técnica fiscal do que a indicação de um princípio fundamental na vida de todas as sociedades, qualquer que seja o regime político por que se governem, e que anda hoje muito esquecido, até por aqueles que deviam ter maior empenho e interesse em o observar. Quero referir-me aos encargos que oneram e honram a riqueza, à função social que lhe é inerente.
E pensando assim ocorre e é legítimo perguntar-se: até que ponto é legítima a riqueza concentrada? Até que limite é lícito e conveniente o capitalismo anónimo?
Vejamos: o artigo 29.° da Constituição diz:
A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos.
Que quer dizer «riqueza socialmente útil» e «justiça entre os cidadãos» senão uma justa e equitativa distribuição dos bens que formam o património da Nação? A sociedade será tanto mais perfeita quanto maior for o número dos cidadãos que comparticipam efectivamente nos bens comuns fundamentais e de uma maneira conveniente com a pessoa humana. Criar as condições necessárias à prossecução dos fins supremos do homem é afinal o objectivo supremo do Estado.
Essa distribuição de bens fizemo-la nós através das corporações e das fundações, que não deixavam ninguém deserdado. O liberalismo destruiu essas instituições e do mesmo golpe criou um antagonismo irredutível, caracterizado por dois extremos opostos: de um lado a opulência, com o ruído dos seus festins; do outro a miséria, com os gritos da sua fome.
Ora esta não é a nossa economia tradicional, não é economia a que corresponde à melhor filosofia dos nossos princípios e aos nossos sentimentos; não é economia que nós desejamos e procuramos.
A nossa economia é uma economia de solidariedade, de colaboração, uma economia familiar, uma economia de justiça e de ordem. Importa, pois, corrigir aquele antagonismo, aproximar os dois extremos que o definem, estabelecer uma concórdia entre todos, de forma que os ricos sejam menos ricos e os pobres menos pobres, e todos tenham que baste para satisfação das suas necessidades fundamentais. Como? O comunismo resolve o problema da distribuição pelo nivelamento geral das necessidades, pelo estabelecimento da pobreza colectiva e por isso da escravidão universal. Outra, evidentemente, é a solução e essa reside no exercício da função social da riqueza, na distribuição voluntária do supér-