60 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 118
Quando se deu a crise ministerial de Março passado parece que se deu concomitantemente uma crise de plano nas esferas governativas. À política de deflação natural sucedeu uma política de deflação à força, levada a cabo com muita galhardia pelo novo Ministro da Economia e reforçada vigorosamente, pelo menos no princípio, pela política de crédito do Sr. Ministro das Finanças.
No que respeita à pasta da Economia, tal política tinha principalmente por fim efectuar uma baixa de preços, e para tanto foram usadas duas armas: a polícia e as reservas do Banco de Portugal em valores internacionais.
No que respeita à pasta das Finanças, a coadjuvação foi prestada dificultando o desconto nos bancos particulares, apertando o redesconto no Banco de Portugal, usando enfim de todos os meios para produzir a deflação monetária.
Claro que todas as providências tomadas para levar a cabo a deflação forçada foram precedidas e acompanhadas a grande instrumental da propaganda baixista e, como por encanto, a psicose altista mudou de sinal e passou a psicose baixista. E como natural consequência, no que respeita a bens duradouros, todos deixaram de comprar. Os consumidores que tinham encomendas feitas no comércio suspenderam-nas. Como consequência forçada, o comércio suspendeu as encomendas feitas às fábricas. E, não tendo encomendas para os seus produtos, as fábricas começaram a suspender a laboração e o desemprego industrial surgiu no horizonte como terrível ameaça.
Para grandes males grandes remédios, e logo se fizeram ouvir altissonantes ameaças aos industriais contra os seus haveres e contra a sua liberdade. E de repente surgiu uma estranha obrigação, que é a de trabalhar para perder! Tivessem ou não tivessem encomendas, as fábricas teriam de trabalhar, ou pelo menos de pagar ao seu pessoal, e, ainda por cima, o pouco que vendessem havia de ser a preço regulamentado!
Sr. Presidente: não serei eu quem venha negar aos trabalhadores o direito ao pão nosso do cada dia, porque sou também um trabalhador e ganho dia a dia o meu pão. Mas é preciso distinguir entre o social e o económico, e temos de concordar que é o económico que é a base do social. O económico é o alicerce, o social a superestrutura. Se o alicerce ruir, que sucederá ao edifício?
E, acima de tudo, Sr. Presidente, é preciso não esquecer que estamos para cá, e, graças a Deus, muito para cá, da «cortina de ferro» e que não basta dizer com toda a força abaixo o comunismo! Não, o que é preciso é pôr de parte processos que só se praticam para além da «cortina de ferro». Ou, melhor, processos que só estão na lógica do sistema para lá da a cortina de ferro».
E como este ponto é da mais alta importância e sobre ele reina a maior das confusões, eu vou esclarecê-lo com o exemplo recentíssimo da Hungria, traduzindo fielmente o que sobre ele diz o último número da Review of World Affairs, que é o deste mês de Dezembro.
No dia 31 de Outubro todos os grandes bancos foram nacionalizados, com excepção do Banco do Comércio e Indústria, que de facto é uma instituição soviética. Esta acção contra os bancos foi muito importante, porque eles possuíam 70 por cento do activo de todas as indústrias ainda não nacionalizadas. Deste modo, duma só cacheirada os planeadores soviéticos ganharam completo domínio sobre todas as indústrias húngaras. Isto sucedeu ainda há pouco, e quase ninguém o percebeu, na Inglaterra e na América.
Esta importante manobra foi realizada pelo próprio Vás Zoltan em pessoa, que procedeu deste modo: em primeiro lugar fixou preços para toda
a produção industrial privada, a níveis que não cobriam mais de 60 a 80 por cento do custo. Aos salários e aos preços das materias-primas não se pôs limite, e todavia as indústrias não podiam parar a sua laboração.
Depois de consumidas as últimas reservas de capital e de matérias-primas, os industriais tiveram de recorrer aos bancos para continuarem com a produção forçada. Mas a concessão de empréstimos estava debaixo da alçada da Junta do Crédito, a qual decidiu que nenhuma indústria privada seria assistida senão contra hipoteca. Os juros fixados pelo mesma Junta para estes empréstimos, acrescidos dos encargos concomitantes, chegavam a 36 por cento. E assim, dentro de um ano, toda a indústria privada caiu nas mãos dos bancos e quando, em 31 de Outubro, os bancos foram nacionalizados a indústria entrou com eles na propriedade do Estado, que é dirigido por serventuários da Rússia, quando não pêlos próprios russos.
Pobres industriais húngaros, como eu vos lamento, porque para lá da «cortina de ferro» a escolha faz-se entre a bolsa e a vida. E, posta a questão neste pé, ninguém hesita, todos deixam ir a bolsa. Mas para cá dessa negra cortina o problema não se põe assim, nem se porá nunca, temos essa fé! O dilema no Ocidente põe-se, quando se põe, entre a bolsa e a cadeia, e quando assim é posto só os poltrões deixam ir a bolsa. Os poltrões e os cegos, que não vêem que é muito mais fácil sair da cadeia quando para lá se entra com injustiça do que sair da miséria quando nela se cai por estupidez ou fraqueza.
Ah! Carta do Atlântico, que tantas esperanças acendeste no Mundo e tão poucas realidades ainda nos deste. Prometeste libertar os povos do medo, e nunca foi tão negra, nem tão densa, nem tão pesada, a atmosfera de medo que envolve a Europa do Ocidente e do Oriente.
Sr. Presidente: a acção deflacionista contra a lavoura não foi menos intensa nem menos nefasta. Os produtos agrícolas, de repente, deixaram de ter procura, tanto no mercado interno como no externo. Nacionais e estrangeiros ficaram aguardando a baixa e deixaram de comprar.
Mas aqui foi-se mais longe. Aceleraram-se as importações dos géneros, houvesse ou não houvesse falta deles, para bater os produtos nacionais com a concorrência dos produtos estrangeiros. E diz-se que se chegou ao ponto de vender produtos estrangeiros, designadamente a carne congelada, a preços inferiores aos do custo. Quer dizer, fez-se com produtos estrangeiros concorrência aos produtos nacionais, e até concorrência desleal.
O que se fez com a batata é quase inconcebível. A colheita da batata não tinha sido boa em relação à área semeada, mas a produção fora mais que suficiente para o consumo nacional. Pois apesar disso fez-se importação de batata em tal quantidade que os preços baixaram a ponto de que todos os que semearam para vender perderam. Os efeitos desta política ver-se-ão para o ano que vem, mas as perspectivas não são animadoras...
O que se está a passar com a carne é simplesmente espantoso. A baixa no preço do gado foi de 30 a 00 por cento. Todavia, ninguém o procura. Há matadouros, como o de Coimbra, onde se, não abate nenhum gado bovino durante meses seguidos! E, não obstante, a repugnância pela carne congelada é geral no público coimbrão, devido ao aspecto repelente que apresenta nos locais de venda, por não haver frigorífico naquela cidade. Acresce ainda que muita gente se queixa de se sentir mal com ela e ser voz corrente que aumentaram em Coimbra as doenças intestinais devido ao consumo dessa carne. Mas por acaso serão os produtores de carne