15 DE DEZEMBRO DE 1947 67
das faltas dadas enquanto dura o serviço militar, mediante apresentação de «um certificado passado pela unidade em que o aluno foi encorporado e do qual conste a natureza do serviço que está prestando e a data em que o iniciou», sendo-lhe até permitido «fazer os exames de frequência nas datas fixadas para os outros alunos».
É evidente que estes rapazes, não frequentando as aulas, mesmo muito inteligentes e estudiosos que sejam, não podem ir aos exames suficientemente habilitados, do que tem de se ressentir, inevitavelmente, o bom seguimento dos estudos e a preparação dos alunos para apreender os ensinamentos ministrados nos anos seguintes.
Isto é tanto mais grave e inevitável quanto é certo que o curso de sargentos é hoje bastante trabalhoso e os candidatos que o frequentam não podem deixar de se dedicar às matérias neles ministradas, sob pena de levarem baixa de posto e passar às fileiras como soldados se não tiverem bom aproveitamento.
Assim, Sr. Presidente, os rapazes (caso raro) nem podem cabular no curso de sargentos, embora com o fim útil de se dedicarem com mais atenção ao estudo das disciplinas ministradas na sua escola, mesmo que disponham de boas sebentas e de bons livros de texto, porque lhes falta para isso o tempo material.
Além disso ficam sem as práticas de laboratórios e das oficinas, o que também prejudica grandemente a sua preparação técnica.
A muitos tais perturbações no seguimento dos estudos tem motivado a desistência dos cursos e a perda da carreira.
Aos regentes agrícolas, cujo curso também é considerado médio, parece que já é facultado requererem autorização para fazerem o serviço militar no fim do curso, o que até certo ponto lhes atenua os inconvenientes que, para qualquer técnico, representa a interrupção de mais de um ano entre os estudos e a passagem à vida prática, pela qual, de futuro, têm de ganhar os meios de subsistência.
Pois bem, Sr. Presidente: interpretando o sentir e defendendo os interesses dessas centenas de rapazes que todos os anos saem das escolas e institutos de ensino médio e até, estou certo, os interesses dos próprios serviços do exército, como adiante direi, não me parece exagerada pretensão o» que vou pedir a S. Ex.ª o Ministro da Guerra, isto é, que conceda a todos os alunos dos cursos médios, à semelhança do que já está autorizado para os regentes agrícolas, a faculdade de requererem autorização (aos que assim convier, e julgo que serão todos) para fazerem o serviço militar no fim do curso, com o objectivo de lhes serem atenuados os inconvenientes apontados.
De resto, os serviços do exército só têm a lucrar com isso, pois estou informado de que são considerados óptimos elementos para a preparação de bons sargentos das diversas armas e serviços os rapazes que vão das escolas técnicas, dados os conhecimentos especiais que já levam das disciplinas dos cursos que frequentaram, mesmo sendo chamados a fazer o curso de sargentos quando ainda estão no princípio ou no meio do seu curso.
Se forem chamados a prestar o serviço militar depois de concluídos os cursos, é evidente que estes rapazes vão ainda melhor preparados tecnicamente, bastando aproveitá-los para as diversas armas e serviços segundo os conhecimentos especiais adquiridos nos cursos civis, para que, como militares, possam ainda desempenhar melhor as funções de que forem encarregados e apreendam com mais facilidade e melhor aproveitamento os ensinamentos especiais ministrados nos cursos de sargentos, tanto mais que assim não os preocupa já o estudo das disciplinas dos respectivos cursos civis, como agora acontece sendo chamados a prestar o serviço militar no meio dos cursos.
Por isso, Sr. Presidente, eu peço a S. Ex.ª o Ministro da Guerra se digne ponderar as considerações que aqui deixo expostas e conceder (por diploma que julgar conveniente) autorização para que os alunos de todos os cursos técnicos médios que requeiram possam fazer o serviço militar depois de terminado o curso civil que frequentarem ou em que se matriculem no ano em que forem chamados a prestar o serviço militar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: ainda há poucos dias deu esta Assembleia prova de elevados sentimentos humanitários, manifestando o seu pesar pela horrorosa calamidade que enlutou uma centena de famílias do Norte e, com elas, toda a Nação Portuguesa.
Não é, pois, descabido que, perante esta mesma Assembleia, eu me refira a uma catástrofe que está vitimando milhares de portugueses e que, pela sua extensão e pelas circunstancias de que se reveste, apresenta, sem dúvida, um aspecto muito mais lamentável.
Porque a verdade, Sr. Presidente, é que, se a tragédia dos pescadores nortenhos feriu profundamente a nossa sensibilidade pelo que teve de inesperado e de brutal, a tragédia que se está desenrolando em Cabo Verde aflige mais, não apenas pelo número, muito maior, de vítimas que já fez, mas sobretudo porque, ao contrário daquela, que se apresentou fatal e irremediável, ela estava prevista e continua ainda a sua funesta devastação, quando está em nossas mãos pôr-lhe cobro e dar remédio à desgraçada situação dessa nossa colónia.
Já na passada sessão legislativa me referi aqui ao assunto e agora só devo acrescentar que a situação, que então classifiquei de angustiosa, assume actualmente verdadeiras proporções de tragédia.
A fome que grassa em Cabo Verde não é a que se verifica em vários países do Mundo, devida à falta de mantimentos, pois o abastecimento das ilhas tem sido cuidadosamente assegurado pela acção combinada do Governo e dos organismos que dirigem a marinha mercante nacional. O que sé dá em Cabo Verde é a falta de poder de compra, isto é, uma crise de trabalho, hoje bastante agravada pelo estado de enfraquecimento em que se encontram as populações.
Três anos consecutivos de estiagem, depois do curto intervalo de um único ano regular após a crise pavorosa de 1942-1943, determinaram não só a falta de trabalho, como a elevação do custo de vida e, portanto, o enfraquecimento progressivo das populações.
Urge remediar, sem perda de tempo, esta aflitiva situação.
De que maneira?
Fazendo amplas distribuições de mantimentos que melhorem as condições fisiológicas da população e abrindo ao mesmo tempo trabalhos públicos que empreguem com justo salário a numerosa legião dos sem trabalho.
A colónia não dispõe de recursos. Mas que importa? Quando está em causa a vida de uma população não há que hesitar em, despender alguns milhares de contos, num país que com justiça se orgulha do estado próspero das suas finanças.
Se, por espírito cristão e no cumprimento de um dever de solidariedade humana, contribuímos para auxiliar os estranhos, como poderemos deixar morrer de fome os nossos próprios irmãos?
Não lhes podemos negar a assistência que de nós esperam.
É o que está no ânimo de todos nós e representa o sentir de todo o bom português.