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10 DE JANEIRO DE 1948 127

grande católico que quase tocou em Deus. Refiro-me a Pasteur, que disse: «O vinho é a mais sã e a mais higiénica das bebidas».

Parece, portanto, que, sob o aspecto higiénico, é grave pecado combater-se o uso do vinho, antes será virtude fomentar-se o seu consumo.
Vimos que o vinho é fonte de riqueza, de trabalho e de saúde, mas essas vantagens terão de ser colhidas à custa de sacrifício do consumidor?
Não; saber beber vinho é poder ter um prazer físico e intelectual.
Dá pão, lida e vigor, mas dá também, tomado com parcimónia, o inofensivo gozo de um dos mais subtis bens terrenos.
Refeição sem vinho é lareira sem lume.
E, se pensarmos então na nobreza dos produtos deste País vinhateiro, podemos avaliar as preciosidades com que a Natureza nos bafejou.
São os vinhos licorosos Estremadura, Carcavelos, Moscatel de Setúbal, Madeira e o Porto, este o mais nobre vinho do Mundo, que traz em si todos os segredos imponderáveis do solo e do clima da região do Douro, que lhe foi berço. O vinho do Porto, esse grande, permanente e fiel embaixador da nobreza dos produtos portugueses. Admirável dádiva da Natureza, diria mais, excelso bem terreno oferecido aos homens pela mão divina.
São os vinhos de mesa, desde os vinhos verdes aos Colares e Dão, onde (podemos encontrar toda a gania de valores enológicos, no paladar, na cor, no corpo, no aveludado, na frescura, na leveza, na maleabilidade, dando-nos as excepcionais massas vínicas portuguesas.
Nobre bebida; tão nobre que a Cristo, Senhor Nosso, entre tantas, foi ela, e não outra, que mereceu a Sua escolha para transubstanciar para todo o sempre no sacrifício do Seu divino sangue.
Parece, portanto, que, sob o aspecto da sua nobreza, é grave pecado combater-se o uso do vinho; antes será virtude fomentar-se o seu consumo.
Mas é evidente que, para que o vinho seja o factor económico, social e higiénico que temos demonstrado, é necessário que seja consumido e para ser consumido é indispensável que quem o utilize possa encontrá-lo com facilidade, quer dizer, que lhe seja acessivelmente distribuído.
Não se topa outra forma, em qualquer parte do Mundo, para atingir esse fim senão por intermédio da existência de casas de venda a retalho.
Se queremos, pois, que o vinho se beba, temos de considerar a função dos retalhistas.
Falei há pouco do consumo do vinho em Portugal. Mas esse consumo dá-se porque existem mais de 55:000 retalhistas.
Esta noção julgo-a fundamental.
Sr. Presidente: repare-se que tenho estado a defender o uso do vinho, mas não o abuso.
Este é condenável e todos os meios úteis que utilizemos para o combater são benvindos.
Quem procura mover-se na vida pública e particular dentro dos rígidos princípios cristãos não poderá pensar de outro modo.
Mas o que não se pode é confundir os efeitos do uso do vinho com os efeitos do abuso do vinho e muito menos confundir o abuso do vinho com o abuso do álcool.
Por o abuso do vinho causar algumas vítimas na sociedade não podemos condenar o vinho.
A água ... a água é responsável por muito mais mortes do que o vinho, e não condenamos por isso a água.

O Sr. Melo Machado: - Consoou polo dilúvio.

O Orador: - O sal das cozinhas, tão indispensável ao tempero dos alimentos, utilizado com abuso é veneno, e não condenamos por isso o sal.
O calor, imprescindível à existência, em excesso murcha, queima, mata, e não vamos por isso condenar o calor.
O amor, um dos mais belos sentimentos humanos, pode, por exagerado, levar ao crime, e não condenamos por isso o amor.
A Religião - felicidade da vida - pode por desvio ser fanatismo, e não condenamos por isso a Religião.
E até a política, tão necessária ao eficiente govêrno dos povos, quando ministrada com exagero é essa trapaça que se chama demagogia, e não vamos por isso condenar a política.

O Sr. Mendes de Matos: - Simplesmente a autoridade julga-se na obrigação de a reprimir e evitar.

O Orador: - E evidente ... mas não se condena nem com medidas policiais nem fechando os estabelecimentos.
Tudo afinal neste Mundo, mesmo os melhores bens que ele nos oferece, tem de ser utilizado com moderação.
Por isso se confirma que o abuso do vinho é condenável, mas, por ser condenável, não podemos responsabilizar o uso do vinho pelo alcoolismo.
Não se nega existirem casos isolados de alcoolismo provocado pelo abuso do vinho, mas não têm o menor significado como fenómeno colectivo.
O alcoolismo, quando se manifesta com aspecto de flagelo social, nunca se apresenta como efeito do abuso do vinho, mas sim como abuso do álcool contido nas bebidas brancas e, dentro destas ainda, naquelas que não são derivadas do vinho.
É do conhecimento geral que uma das formas de combater o alcoolismo é o vinismo, conclusão a que se chegou pela observação da circunstância de nas regiões vinhateiras onde se bebe mais vinho se registar a menor frequência de casos de alcoolismo.
Em França, por exemplo, por cada 100:000 habitantes verificou-se o seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

O que indica que numa região vinícola onde se bebe vinho a longevitude das pessoas é maior.
Mas ouçamos o que proclamou o Prof. Gautier, da Academia de Ciências e da Academia de Medicina de França: «Os consumidores de vinho não são consumidores de álcoois. Nas regiões vinícolas encontram-se muito poucos alcoólicos.
Já Rabuteau dizia em 1878, no seu trabalho Des Alcools et de l'Alcoolisme: «Insisto sobre esta posição, que considero hoje como uma verdade, que o alcoolismo propriamente dito não é o resultado do abuso de aguardente de vinho ou de vinho natural, mas sim que é o resultado do consumo de álcoois industriais impuros, contendo substâncias tóxicas».
Disse Charrin, professor da Faculdade de Medicina do Paris: «O desenvolvimento do alcoolismo seguiu uma marcha cujo ritmo acompanha a evolução da crise filo-