10 DE JANEIRO DE 1948 125
O Orador: - O meu pensamento não pode nesta hora esquecer-se de quantos foram a minha torturante preocupação durante estes últimos três anos, e que lá andam, por esse País fora, debruçados sobre a terra pátria, nela investindo fazenda, suor e esperanças, para que não falte à grei alimento português, para que não sequem as fontes donde brotam as melhores virtudes da raça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, já que achei não dever escusar-me a que se apresentasse nas últimas eleições o meu modesto nome como candidato a Deputado, dirijo daqui aos meus eleitores a expressão do meu afecto e o testemunho do meu reconhecimento pela forma como me distinguiram com a sua confiança. E se todos os concelhos do meu círculo me merecem igual atenção, seja-me, no entanto, permitido, evocar a terra onde cresci e onde repousam os meus mortos: refiro-me a Águeda «a terra mais bonita do País», como um dia foi proclamado nesta Casa.
Srs. Deputados: antes de entrar no assunto que me trouxe a esta tribuna desejava apresentar as minhas saudações a VV. Ex.ªs e aproveitar a ocasião para agradecer-lhes, profundamente renomeado, a atitude com que um dia aqui me honraram, não me esquecendo - tenho-as para sempre guardadas no coração - das generosas palavras proferidas pelo ilustre Deputado Dr. Paulo Cancela de Abreu, a quem me ligam, laços de amizade, respeito e admiração pela sua grande alma, brilhante inteligência e admirável carácter.
Sr. Presidente: de tal forma se tem procurado diminuir no espírito público a missão dos estabelecimentos onde se vende vinho a retalho, que perguntei a mim mesmo se deveria ou não aproveitar tal assunto para, pela primeira vez, abusar da paciência de VV. Ex.ªs
Não apoiados.
Mas julguei ser meu dever para com o povo português não me calar, pois, em minha consciência, para além dos possíveis ridículos da questão em debate existe um mundo de interesses económicos, sociais, morais e de saúde pública que não podem ser esquecidos. Entre o ridículo e o interesse da grei procurei não ter a cobardia de, com receio daquele, deixar comprometer este.
Eis a razão por que aqui estou.
Desde os mais remotos tempos o vinho desempenha um papel importante na vida do Mundo. Pode mesmo dizer-se que a história do vinho se confunde com a história da Humanidade, de tal forma encontramos as suas pegadas na Religião, na economia, nas ciências, nas artes, através do rolar dos séculos.
Aqui, no solar lusitano, oito séculos de história, que são todo o nosso orgulho, são oito séculos de uma cultura que teve a mais decisiva influência no viver do nosso povo.
Não vou rebordar a VV. Ex.ªs os trilhos percorridos pela cultura da vinha através das épocas da nacionalidade, mas julgo que a ela não será indiferente -pelo que tem de apaixonante e pelo extraordinário volume de capitais e de trabalho que ela investe - a virtude desta raça universalista, que deu novos mundos ao Mundo, de não perder - pelo amor, pela saudade, pelo «estilo» de vida - a pureza da seiva que lhe vinha das raízes rurais lusitanas.
Mas vejamos o panorama actual.
Desde o Minho ao Algarve nós topamos neste país vinhateiro a cultura da vinha fazendo parte da vida da nossa agricultura, constituindo mesmo em muitas zonas um imprescindível travejamento da sua estrutura económica.
Pensemos na região dos vinhos verdes, onde a vinha bordeja os campos nas suas características latadas ou naqueles estranhos enforcados, onde ela vai dar os seus preciosos frutos lá no alto, lá em cima, talvez para estar mais perto do céu.
Meditemos neste esplendoroso Douro, glória de Portugal e do Mundo, resultado do esforço heróico de uma cadeia de gerações que tiveram a coragem e o sonho de transformar o xisto em terra eleita, arrumada aios socalcos, socalcos dispostos em calvário, certamente como símbolo dos transcendentes sacrifícios que custou esse maravilhoso empreendimento agrário.
E a região dos vinhos virgens e semelhantes protegendo nas altas terras de Trás-os-Montes ou da Beira a genuinidade do Douro?
Temos o Dão, onde entre as terras pobres de granito as vinhas são amorosamente plantadas na nobre valorização das encostas da Beira.
Depois a Bairrada, onde o barro bravio é revolto à custa de penoso esforço dos homens para nos oferecer os seus característicos vinhedos.
E a região de Coimbra, Leiria, Alcobaça e as Caldas da Rainha, diferenciadas, com seu cunho próprio, contas do rosário que liga pelo litoral o norte vinhateiro à grande região vinícola do oeste, que se desdobra em contínuas encostas cobertas da generosa cepa.
E esse Ribatejo vinícola, sempre tão discutido, onde a vinha é conhecida desde a fundação do reino e que constitui uma das manchas eleitas na vinicultura mundial, porque alia, o que é raro, altas produções com altas graduações.
Colares, Setúbal, Bucelas, Carcavelos são pontos luminosos no xadrez da vinicultura portuguesa.
E vêm certas posições do Alentejo até chegarmos ao Algarve, onde a vinha tem as suas belas tradições.
Vejam, meus senhores, que a cultura da vinha está tão afeita ao nosso solo que até em pleno Atlântico a Providência quis que ficasse vincada esta característica do nosso viver, oferecendo-nos generosamente a maravilhosa Madeira, onde os produtos da cepa são um dos seus mais nobres, brasões.
E é assim por quase todo este Portugal em fora.
São 345:000 hectares de vinha, cuja produção em 1945 pode computar-se em mais de 2.000:000 de pipas, como valor aproximado de 2.500:000 contos, importância não atingida por qualquer outra produção agrícola do País.
Calcula-se que na campanha de 1944-1945 o consumo a copo se elevou a 2.500:000 pipas.
Trata-se, dentro do quadro da nossa economia, de uma formidável fonte de riqueza.
Basta meditar-se que a exportação de vinho em 1946 trouxe para o País um valor de mais de 800:000 contos, não contando com a exportação do da Madeira.
Os números, na sua frieza, não falam de todo esse mundo de factores que dão possibilidades de melhores condições de vida ao povo português. Mas não seremos nós os que estamos deste lado da barricada, tendo como única divisa os altos interesses da grei - que nos possamos esquecer do que esses números representam.
Sim, a produção vinícola é um pilar da vida económica do País.
Mas há mais: ouso mesmo afirmar que em largas regiões, sem os lucros obtidos na cultura da vinha, seria impossível praticarem-se outras culturas indispensáveis ao abastecimento público, ouso afirmar, para concluir que, nestes casos, que são muitos, há que escolher entre a vinha ou a miséria.
Parece, portanto, que sob o aspecto económico é grave pecado combater-se o uso do vinho, antes será virtude fomentar-se o seu consumo.
Sr. Presidente: chegados à conclusão de a produção vinícola ser uma fonte de riqueza, cabe-nos perguntar se