O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

10 DE JANEIRO DE 1948 131

Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Documentos sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Duarte Silva, aos quais se referiu o Sr. Presidente:

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Quando em 1945 fui eleito Deputado à Assembleia Nacional, desempenhava eu desde 1933 as funções de agente consular de França em S. Vicente de Cabo Verde.
Pouco depois, em Janeiro de 1946, cessou o exercício desse cargo, pela criação de um consulado de França naquela ilha, confiado a um funcionário de carreira.
Resolveu agora o Govêrno de França suprimir esse consulado e convidou-me a retomar as antigas funções.
Como se trata de uma nova nomeação, ainda que para um cargo honorário, não sei se me é possível aceitá-lo sem incorrer na sanção do artigo 90.º da Constituição.
E porque não desejo incorrer de forma alguma na referida sanção, muito agradeço a V. Ex.ª se digne de me esclarecer a tal respeito.
Aproveito o ensejo para renovar a V. Ex.ª os protestos da minha muito elevada e respeitosa consideração.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1947. - Adriano Duarte Silva.

Despacho:

A Comissão de Legislação e Redacção. - Lisboa, 2 de Dezembro de 1947. - A. Reis.

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Na sua carta de 2 de Dezembro último informa o Sr. Deputado Adriano Duarte Silva que, quando foi eleito em 1945, desempenhava desde 1932 as funções de agente consular da França em S. Vicente de Cabo Verde, mas que deixou de exercer essas funções em Fevereiro de 1946, por ter sido ali criado um consulado destinado a funcionários de carreira.
Informa ainda o mesmo Sr. Deputado que o Govêrno Francês resolvera extinguir agora aquele consulado e, por isso, o convidara a retomar o exercício das suas antigas funções, mas, porque não deseja incorrer na sanção do artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição Política, pretende saber se pode ou não aceitar a nomeação sem perda do mandato.
Ouvida a Comissão de Legislação e Redacção, emite esta o seguinte parecer:
Um dos requisitos naturais e legais de elegibilidade dos candidatos a Deputados é a sua qualidade de cidadãos portugueses (decreto-lei n.º 34:938, de 22 de Setembro de 1945, artigo 3.º).
Por isso, e em primeiro lugar, importa averiguar quais os efeitos que aquela nomeação teria sobre a nacionalidade, visto que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1.º, do referido decreto-lei e do artigo 16.º, n.º 2.º, do regimento da Assembleia Nacional, a perda da qualidade de cidadão português importa perda de mandato.
Ora o artigo 22.º, n.º 2.º, do Código Civil dispõe que perde a qualidade de cidadão português aquele que, sem licença do Govêrno, aceita funções públicas, graça, pensão ou condecoração de qualquer Govêrno estrangeiro.
Deverá a aceitação do cargo de simples agente consular de um país estrangeiro considerar-se abrangida por esta disposição?
Procurando interpretá-la, há quem entenda que para que a aceitação de funções públicas faça perder a nacionalidade é preciso que elas constituam e representem propriamente um emprego ou serviço, de carácter permanente, retribuído, voluntariamente prestado a um Estado estrangeiro, por nomeação do seu govêrno e com prestação do juramento a que estão sujeitos os funcionários públicos.
De harmonia com esta orientação, o preceito não abrangeria porventura os simples agentes consulares, e neste sentido até os tribunais portugueses tiveram já ocasião de se pronunciar há anos, decidindo que não perde a qualidade de cidadão português aquele que, sem licença do Govêrno, aceitar de cônsul inglês a nomeação de agente consular, sobretudo se essa nomeação não for precedida do respectivo exequatur.
Efectivamente, segundo a prática mais corrente entre os Estados - designadamente a França, segundo informações fornecidas a esta Comissão -, a nomeação dos simples agentes consulares não compete aos govêrnos, mas aos cônsules a cuja circunscrição os agentes consulares pertencerem, embora seja dependente da prévia concordância ou confirmação dos govêrnos dos respectivos países.
É assim que o regulamento consular português, aprovado pelo decreto n.º 6:462, de 7 de Março de 1920, estabelece no seu artigo 27.º que os agentes consulares são nomeados pelos cônsules, mas a nomeação carece de ser confirmada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Poderá assim julgar-se duvidosa aquela doutrina - já pela necessidade de confirmação ou de prévia concordância dos govêrnos estrangeiros, já porque os agentes consulares ficam sujeitos às leis administrativas dos países que representam, pela natureza e responsabilidade das suas funções, já ainda porque nesta matéria parece mais conforme ao espírito da lei uma interpretação restritiva, visto ela considerar motivo de perda da nacionalidade a simples aceitação sem licença de uma condecoração de govêrno estrangeiro.
Mas, se não se der a perda da nacionalidade, implicará perda de mandato a aceitação do cargo?
O artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição Política estabelece que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar de qualquer govêrno estrangeiro emprego retribuído ou comissão subsidiada.
Portanto, mesmo que, em razão de quaisquer eventuais emolumentos inerentes ao cargo, possa considerar-se abrangida na expressão «emprego retribuído ou comissão subsidiada» a qualidade de agente consular, certo é que a sua nomeação não compete normalmente aos govêrnos, mas aos cônsules das respectivas circunscrições, aos quais ficam directamente subordinados. É o que acontece, como vimos, na organização consular de Portugal e da França.
Por outro lado, as funções de agente consular, além da sua precariedade, têm um carácter relevantemente honorífico, segundo o conceito corrente nas recíprocas relações entre os Estados, não comprometendo na realidade os fundamentos daquele preceito constitucional.
Nestas circunstâncias, e pelo exposto, esta Comissão é de parecer que será de exigir, para a nomeação, a licença prévia do Govêrno Português, mas, concedida ela, a aceitação do cargo não importará perda de mandato.

Palácio de S. Bento, 7 de Janeiro de 1948. - Mário de Figueiredo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA.