21 DE JANEIRO DE 1948 169
Pode-se realizar um trabalho relevante que não desmanche nas grandes realizações.
Possuímos certas condições de sucesso - estatísticas tributárias pormenorizadas e desenvolvidas, estatísticas comerciais escrupulosas e completas, estatísticas agrícolas esplêndidas, um inventário muito criterioso da Direcção Geral da Fazenda Pública aos bens do Estado e outros instrumentos de auxílio e reconstrução.
Temos, além disso, os organismos coordenadores que sabem bastas coisas - os animais abatidos por herdade ou quinta, as reservas da casa agrícola, a geologia e o número de cepas dos vinhagos, as produções, as safras de azeitona ... e que, portanto, será fácil chegarem a estimativas de réditos e valores fundiários, ao global dos seus numerosos conhecimentos.
Pois é crível que não se chegue a resultados gerais, conhecendo o pormenor e a minúcia?
O Governo considerará no seu alto critério a minha sugestão, certo, como nós, que tem de ser defendida e mantida a verdade científica e que o erro ou a ignorância sobre os alicerces fundamentais da sua vida e dos seus planas tem sido apenas logradouro ou de pessimistas derrancados ou de estrangeiros incautos.
Os rendimentos, a propensão ao consumo, o nível de emprego e o investimento formam hoje os objectivos mais sérios das políticas actuais e sem a sua estatística quase não pode dar-se um passo.
Na grande obra de recuperar o tempo perdido e aperfeiçoar ao máximo as nossas coisas, peço ao ilustre Ministro das Finanças que considere a oportunidade e conveniência de criar uma comissão composta de um professor de estatística ou de economia e de alguns técnicos imparciais que digam o que temos, a vaga das produções e o destino do que ganhamos - aspectos estes do rendimento nacional!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Dias: - Sr. Presidente: foi a 20 do Janeiro de 1848 que a Rainha D. Maria II elevou a antiga Viana da Foz do Lima, a «notável vila» de D. Sebastião, à categoria de cidade. Comemora-se hoje, portanto, o primeiro centenário da cidade de Viana do Castelo e não só estranhará, certamente, que eu, na honrosa qualidade de Deputado pelo círculo, levante a voz nesta Assembleia para louvar e exaltar a minha terra em unísono com os meus conterrâneos que hoje ali deram início a algumas modestas, mas significativas, festividades religiosas e cívicas.
Mas para louvar e exaltar a terra onde nasci quereria, antes de mais nada, que as minhas pobres palavras tivessem o maravilhoso condão de vo-la mostrar como ela é e eu a trago e vejo no meu coração - colocada, com tranquilidade luminosa, naquele anfiteatro do Lima, de incomparável beleza e doçura, onde, no dizer de António Feijó,
... a terra estende a sua toalha verde
e o céu acende os candelabros de oiro.
A história de Viana confunde-se com a história da Nação em todos os seus anseios, «cristãos atrevimentos» e provações, mas assinala-a desde sempre uma indelével característica, mais tarde vinculada por D. Manuel I na caravela do seu brasão de armas: o cuidado e a paixão do mar.
Viana fez-se com o mar pelos seus ousados mareantes, e, assim, os períodos de crescimento, apogeu, decadência e ressurgimento da povoação correspondem, através de toda a nossa história, às épocas de formação, esplendor, declínio e renascimento da actividade marítima cios portugueses no Mundo.
Num meio profundamente romanizado e cristianizado, onde a influência, da invasão árabe mal se fez sentir, já depois de a Igreja ter evitado a anarquia social que proviria da degenerescência e desaparecimento do poderio dos senhores das antigas vilas romanas, salvando as instituições e agrupando os filiis ecclesie em freguesias rurais, já depois de o mar ter sido liberto da pirataria sarracena pela tomada de Lisboa, as Inquirições de 1238 vão encontrar na foz do Lima um agregado populacional com porto rudimentar e rude estaleiro e cujas ocupações predominantes eram, além da pesca costeira ou no alto mar, o comércio com a França e o Levante.
Da análise das Inquirições e cláusulas do foral de D. Afonso III conclui Alberto Sampaio - o notável historiador das origens da nacionalidade e das instituições rurais do Minho - no seu magnífico trabalho As Póvoas Marítimas:
Não foi o foral que originou Viana: já existia antes e se notabilizara no trabalho do mar. Marcar o momento preciso da nascença do seu comércio marítimo é impossível; despontando após a abertura do Oceano, foi-se desenvolvendo obscuramente até que Afonso III o trouxe à luz da publicidade. O foral deste criou, é certo, a póvoa concelhia; mas sem concelho já era um povoado de armadores e mareantes.
Com o impulso que D. Fernando deu à marinha mercante por meio da publicação de leis que ainda hoje causam espanto pelo arrojo da iniciativa e seu aspecto moderno, Viana encontra ambiente ao pleno desenvolvimento da sua vocação. Ao trabalho da construção de navios nos estaleiros corresponde a formação de marinheiros nas tarefas da pesca e do comércio marítimo.
E com navios e marinheiros tecem os vianenses, através do Mundo e das épocas, sobre os vastos oceanos o ligada a novas ilhas e continentes, a renda maravilhosa do seu destino histórico - renda que a imaginação dolorida das mães, esposas e noivas, nas horas de longa ausência e saudade, reproduziram entrelaçando os bilros com os dedos ágeis enquanto lhes viajava o cuidado.
Assim os viemos nas fainas do comércio e também no rumo da história, contribuindo com o seu esforço para aparelhar, equipar ou prover as quatro armadas que na alvorada dos Descobrimentos, segundo o plano do Infante, ousaram e firmaram o nosso domínio no norte de África - a armada que no reinado de D. João I tomou parte na gloriosa expedição a Ceuta, a que sofreu o trágico revez de Tânger, no tempo de D. Duarte, e as que ajudaram D. Afonso V a conquistar Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger.
Iniciada, depois da posse de Ceuta, a espantosa irradiação dos portugueses pelo Mundo até então desconhecido, vemos daí a pouco vianenses a povoar a ilha Terceira, no arquipélago dos Açores.
Em 1521, segundo o testemunho de Francisco de Sousa, expresso no Tratado das Ilhas Novas, D. Manuel I faz ao vianense João Álvares Fagundes, conhecido por O da Terra Nova, mercê da capitania de todas aquelas ilhas e terras que ele descobrisse, procurando recompensar dessa maneira os serviços que já prestara e prestaria no reconhecimento e povoação da costa da América do Norte, para onde se dirigiu de novo com alguns fidalgos de Viana e outros casais que de caminho tomou nos Açores.
Anos depois, em ]534, D. João III faz doação ao vianense Pedro do Campo Tourinho de 50 léguas de largo, de Porto Seguro, na costa do Brasil. Este in-