174 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 126
Não cuido de saber - e respondo imediatamente à objecção que está no espírito de certos ortodoxos- se o credo político de algumas dessas pessoas é igual ou oposto ao meu - digamos ao nosso. Mas sei, através do contacto intenso e constante que mantenho com as coisas e gentes da colónia, que nenhum dos visados é menos português do que eu, que nenhum quer menos que eu à colónia onde trabalha e ao país a que pertence e que, mesmo aqueles que ideològicamente se encontram do outro lado da trincheira, os tenho como adversários políticos, sim, mas sem razão objectiva alguma que me permita considerá-los inimigos. Ao contrário: honro-me com a amizade de alguns.
E nada tem de extraordinário, pois em boa verdade verifico que é entre o regime que sirvo, e não entre os meus adversários políticos, que alinham os meus inimigos.
Ao jornal referido, e em defesa do mais ilustre e venerando dos visados, e que, apesar de uma vida inteira santamente devotada ao serviço de Portugal em Angola, nem depois de morto - o seu cadáver ainda quente! - escapou ao ódio e ao espírito de intriga dos especuladores desse equívoco entre a metrópole e Angola -, a esse jornal que teve a desdita de dar guarida a tão venenosos dislates, já respondeu, galharda e brilhantemente alguém que não pode ser tido como suspeito de figurar entre inimigos ou adversários do regime: o ilustre prelado de Angola, arcebispo de Luanda, D. Moisés Alves de Pinho.
Tentarei, por minha parte, explicar o equívoco e mostrar a verdade que por detrás dele se encontra - menos para responder a caluniadores, e intriguistas do que para contribuir, junto dos espíritos inadvertidos, para que se esclareça de vez, neste 300.º ano da reconquista de Angola, uma situação cujas névoas não podem nem devem subsistir, a bem do País, da colónia e do regime.
Acusa-se Angola - e, como disse, em voz alta, que se documenta em boatos, que ressumam dos cafés e das esquinas de paleio - de irrequietismo quase permanente. E classifica-se tal irrequietismo como manifestações de rebeldia ou oposição ao regime, atribuindo-lhe os mesmos significado e expressão políticos que marcam, na metrópole, a fisionomia oposicionista dos partidos. E golfa-se a grande frase: «O Estado Novo ainda não chegou a Angola».
Nada mais falso nem mais oposto à maneira de ser psicológica e moral da colónia. Nada que mais claramente revele o desconhecimento, a incompreensão - ia dizer ou a estupidez - daqueles que armam e disparam estas atoardas!
É caso para dizer: se fossem eles os portadores do Estado Novo para Angola, nunca lá chegaria com certeza, porque o deixariam cair ao mar. Na verdade, só o comprometeram quando se apresentaram como seus agentes - oficiosos e dedicadíssimos, naturalmente.
Não há irrequietismo em Angola. Ao contrário: trabalha-se na colónia como nunca se trabalhou - e em termos de se poder dar lições a muitos meios da metrópole. E se algum dia, já distante, o irrequietismo ferveu, todos o sabemos: não foram os colonos que acenderam o lume. Também não há, confessados ou não, propósitos políticos oposicionistas.
Não podem dizer-se manifestações de irrequietismo - até porque se têm produzido com impecável correcção, mesmo quando foram mais vivas - as queixas da colónia contra a falta de reciprocidade por parte da metrópole nos sacrifícios pesadíssimos que faz como sua fornecedora; as suas lamentações quanto aos embaraços e prejuízos que causa aos colonos o funcionamento dos organismos de coordenação económica; as suas representações quanto à insuficiência dos serviços técnicos; as suas amarguras contra a burocratização da administração; as suas dificuldades contra um problema de mão-de-obra que se mantém sem ataque; os seus reparos contra os métodos de selecção de valores, etc.
E não se pode supor que sejam propósitos oposicionistas que movimentam estas manifestações de opinião, porque a colónia, ao mesmo tempo, nunca deixou de louvar e aplaudir - por vezes entusiàsticamente (haja em vista a sua atitude perante o governo do comandante Álvaro de Freitas Morna) - todos os esforços construtivos, todas as realizações visíveis, toda a sinceridade bem intencionada, a obra, enfim, que durante os últimos vinte anos se tem erguido vigorosamente sobre a paisagem, menos expressiva, de outras obras que não se fizeram, de problemas que não foram enfrentados ou de erros que ainda não se repararam. E também nunca negou aos governantes do regime (pelo contrário) nem créditos quase ilimitados de confiança à sua chegada nem boa colaboração a seguir - e isto apesar das falhas e mediocridade muito sensíveis que caracterizaram o governo de alguns.
É preciso realmente ter memória frágil! Como apodar de irrequieta e sistemàticamente oposicionista uma colónia que tão heróica, disciplinada e patriòticamente, com tanta fé, persistência e apego ao torrão, suportou, a pé firme (precisamente durante o mesmo período em que os colonos belgas debandavam do Congo) os espantosos sacrifícios que lhe impuseram ao mesmo tempo a crise económica resultante da grande guerra e o esforço para o seu ressurgimento financeiro e económico?
Também não se verifica oposicionismo político - tal como esta expressão se entende nos meios políticos e não políticos da metrópole. Nem a política lá tem a mesma feição e determinantes nem se articula e move sobre os mesmos fulcros.
Os conflitos ideológicos em que o país europeu - podia dizer uma grande parte do Mundo - por vezes se debate, semeando, em terreno de paixões e ideias de violência, ódios que reclamam sangue e tragédia, não se cultivam nem encontrariam ambiente propício em nenhuma das nossas colónias. Não são as ideologias políticas, criadoras e sustentáculos das oposições sistemáticas, que em Angola ou em quaisquer outras colónias portuguesas juntam ou dividem os homens, movem ou desorientam as opiniões, perturbam ou deixam de perturbar os espíritos. Falta-lhes o clima propício.
Por um lado, não medram por lá (e oxalá não medrem durante muitos e dilatados anos) os ociosos, profissionais da baixa política ideológica, cuja existência se garante à custa das próprias intrigas que armam e alimentam.
Por outro lado, trabalha-se muito e amo falta trabalho para todos - e cada um, por instinto, por falta de tempo, pelo domínio de outras razões mais directas, confia mais no próprio esforço do que nos filtros dessa política que conduz aos ódios subversivos e à intranquilidade permanente.
Isto não quer dizer, evidentemente, que não haja na colónia, e em todas as colónias, professos de diferentes ideologias, que não escondem o seu pensamento e que desejariam os regimes e os Governos que correspondem aos seus credos políticos. Mas nem constituem número apreciável, nem nenhum se pode dizer ou confessar activo em política. Têm mais que fazer - e toda a sua acção se resume a intervenções esporádicas, mais reaccionárias que activas, durante efémeros momentos políticos suscitados por acontecimentos na metrópole ou eleições.
E também não quer dizer que não haja e não se incendeiem na colónia grandes e pequenas paixões que agitam os homens e inquietam as suas sociedades, mis tudo isso é do domínio do económico, e não do político.