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176 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 126

pensado serão suficientes para perdoarem quem, não costumando faltar, faltou no único dia em que não deveria ter faltado.
Sr. Presidente: eu sou um velho lutador pela hidráulica agrícola, não contra ela. Se das minhas intervenções amiudadas sobre este assunto resultasse para alguém a convicção de que eu era contra a hidráulica agrícola, posso afirmar a VV. Ex.ªs que isso me daria um profundo desgosto. Na verdade, Sr. Presidente, quem, sendo estruturalmente agrícola, poderá ser contra a rega? Quem, neste país de invernos chuvosos, extremamente chuvosos, e primaveras secas e ventosas, não compreenderá a indispensabilidade da rega?
É evidente, por consequência, que eu não podia ser de modo algum contra a hidráulica agrícola. Se queremos continuar a alimentar convenientemente o acréscimo da nossa população, se queremos extinguir, tanto quanto possível, o déficit dos nossos produtos agrícolas essenciais, é evidente que temos de recorrer à irrigação. O plano de obras de hidráulica agrícola propõe-se irrigar nada menos de 125:000 hectares e produzir 500.000:000 de kW, o que não é para desprezar. Não podemos limitar-nos, evidentemente, ao pequeno regadio, tão útil; onde quer que se possam implantar as grandes obras de hidráulica agrícola, temos de recorrer a elas.
Como foi então que, com esta ideia, eu pude impugnar a lei n.º 1:949, que foi votada nesta Assembleia em 1937? Devo recordar que a minha atitude nesse tempo causou uma certa surpresa.
Eu tinha na minha imaginação aquelas promessas constantes que sempre fizeram neste País os políticos durante muito tempo, que se sintetizavam nesta expressão: irrigação do Alentejo. E isto não tinha nenhum fundamento, não tinha atrás de si nenhum estudo; era nada mais que um bluff político, mas todavia consubstanciava uma aspiração.
Estava no consenso comum a necessidade de aproveitar as águas dos nossos rios para irrigar os nossos campos. E os políticos sobre esta justa aspiração sintetizavam tudo na expressão «irrigação do Alentejo». E sempre que havia eleições esta frase aparecia como uma bandeira, como uma esperança, como uma ilusão que era indispensável conservar para amimar.
Quando apareceu a proposta de lei nesta Assembleia eu fiquei radiante, fiquei contentíssimo, porque ia finalmente ver realizada uma obra que todos aqueles que se dedicam à agricultura julgavam indispensável.
Tendo a certeza de que o Estado Novo não deixaria de cumprir as suas promessas, o facto de vir a esta Assembleia uma lei sobre hidráulica agrícola dava-nos a certeza de que esse problema havia de ser resolvido. Cheio deste entusiasmo, desta boa vontade, deste desejo de cooperar numa obra admirável que eu reputava indispensável, procurei estudá-la conscienciosamente, para poder dizer da minha justiça.
Para tanto fui até Algés, onde estava localizada - e onde ainda está - a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, e ali, muito amàvelmente, como sempre, me foi fornecido o primeiro relatório.
Percorridas com atenção as suas páginas, confrontado com o texto da lei, ficou no meu espírito a convicção de que todas aquelas exigências que se faziam aos proprietários eram incomportáveis para as suas possibilidades e, porque estava convencido disso, vim a esta tribuna e fiz um ataque cerrado a essa parte da proposta de lei que, a meu ver, poderia tornar menos apetecida, poderia tornar antipática e mais difìcilmente exequível essa lei admirável por que todo o País esperava e por cujas consequências todos nós estávamos ansiosos.
Essa minha atitude causou nesse momento, em que ainda esta Assembleia - estava-se na I Legislatura - não se acostumara a ouvir palavras de oposição, causou, dizia eu, uma certa sensação.
Lembro-me muito bem de que, quando nos dirigíamos às sessões de estudo - e tenho pena que elas tivessem acabado-, se me dizia: então V., que é da oposição, não vem?
Ora eu não era da oposição por ser, não era da oposição pelo prazer de contrariar; eu era da oposição simplesmente porque estava convencido de que com aquelas exigências a lei havia de caminhar difìcilmente. Suponho que não estava em erro; ainda hoje me sinto convencido de que não estava em erro.
Tenho na minha frente o último relatório da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola. É o relatório de 1945 e suponho que não há mais nenhum publicado, porque mais nenhum me foi enviado.
Devo dizer a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que os relatórios daquela Junta se podem ler com inteira confiança; neles está a verdade dos factos, neles nada se sofisma e nada se oculta.
Tudo aquilo, Sr. Presidente, que tenho podido dizer a favor ou contra a hidráulica agrícola encontrei-o nos seus relatórios. Como testemunho vivo de que estes relatórios são feitos sem tentar ocultar nada, nem pintar com coreis diferentes aquilo que se passa, tenho muito gosto em afirmar aqui esta verdade.
Diz-se a p. 33 - permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu leia - o seguinte:

Já se tem dito, em queixume, que o Estado faz uma excelente operação financeira com as obras de hidráulica agrícola e hidroeléctrica simultâneas, porque, não só recebe bons juros do capital que abona, mas aumenta grandemente este próprio juro com o acréscimo das contribuições.

Ora, Sr. Presidente, quem disse isto fui eu, e vou demonstrar a VV. Ex.ªs que tinha razão para o dizer. Mais adiante diz o mesmo relatório:

E porque, quanto a estes, o que o Estado tem feito pela hidráulica agrícola é sòmente torná-los justos, com o cadastro cuidadosamente estudado, que informa os rendimentos colectáveis, aqui deixamos o esclarecimento, pormenorizadamente obtido, de que na obra de Loures o valor médio colectável por hectare, para depois da beneficiação, é de 141$47, enquanto o das secções de finanças respectivas, para antes da obra, era já igual a 363$59, ou seja mais de duas vezes e meia superior ao da actual base das contribuições.

Explica-se numa página atrás que matrizes que davam lugar a estas contribuições tinham base numa avaliação de há mais de cem anos e acréscimos de sucessivas actualizações, numa progressão directa do avanço da ruína da riqueza da lezíria, pela falta de enxugo e defesa. Quer dizer: os campos de Loures deviam ter sido em tempos remotos uma região feracíssima. Simplesmente, com o tempo os rios foram-se assoreando, transformando-os em pântanos improdutivos.
Todavia o fisco, agachado atrás da sua indiferença granítica para toda e qualquer alteração económica que possa prejudicá-lo, continuava a pôr alcavalas sobre alcavalas nas contribuições de propriedades que se achavam desvalorizadas.
Quando, finalmente, a obra de hidráulica agrícola foi pôr ordem no que era desordem e tornar produtivo o que era improdutivo, reconheceu que aquilo que pagava 300 e tal escudos de contribuição não devia pagar, depois de estar em possibilidade de entrar em plena cultura, mais do que 149 e tal escudos.