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29 DE JANEIRO DE 1948 217

que hoje não faz e que reverteriam para o dono da terra, mediante pagamento no fim do arrendamento.
O actual regime de arrendamento, na maioria dos casos, esgota as terras, reduz cada vez mais a produção.
Por agora, feito isto, dávamos mais um passo para a solução de conjunto, que tem de ir mais longe no futuro, quando o cadastro estiver completo.

O Sr. Carlos Borges: - Mas o senhorio pode defender-se do arrendatário!

O Sr. Homem de Melo: - O arrendatário é que não pode defender-se do senhorio.

O Orador: - Aproveito agora, que estou a falar de rendeiros, para procurar dar explicação à grande procura e aos preços elevados que os rendeiros dão presentemente.
Aqui devo notar que os rendeiros já não são tantos como se anunciam, mas atribuo essa grande procura e os elevados preços ao seguinte:
1.º Às facilidades de crédito;
2.º A os preços elevados serem muitas vezes dados por proprietários confinantes com as terras a arrendar, a quem essas convêm para melhor exploração das suas;
3.º A o rendeiro pagar mais, por não ter certos encargos, que hoje são só do dono da terra, como reparações da parte urbana dos montes, malhadas, abertura e limpeza de valas para escoamento de águas;
4.º A rendeiros que precisam das propriedades para pastagem de gados, que lhe dão mais interesse.
Não deve ser a exploração do trigo que os seduz, mas sim de outros cereais que fornecem alimento aos gados e pastagem.
Sr. Presidente: tenho lido opiniões que afirmam que Portugal tem todas as condições necessárias e suficientes para produzir o trigo para o seu consumo".
Gostaria de ter a mesma opinião, mas infelizmente não posso ter.
Afirmo convencido: Portugal poderá produzir trigo para o seu consumo com o regadio, mas não em condições económicas.
Deus permita que as condições climatéricas se modifiquem para melhor, para eu gostosamente mudar de opinião.
Temos tido até agora condições climatéricas desfavoráveis à cultura do trigo.
As Chuvas em Portugal são mal distribuídas durante o ano, excepção dos anos de 1932,1934 e 1935, de boa distribuição.
Frequentes ventos de levante e sueste durante a germinação prejudicam grandemente as produções.
Temos aproximadamente 600:000 hectares entregues à cultura do trigo; pois as produções, com excepção das colheitas de 1932,1934 e 1935, em que se ultrapassaram os 1:000 quilogramas por hectare, tiveram médias inferiores e algumas bastante baixas.

[Ver Tabela na Imagem]

Nestes números que apresento, para conseguirmos a média de 904 quilogramas em 1931-1938 foram precisas as excepcionais colheitas dos três anos já referidos.

O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª considera essas médias de cultura baixas. E então diga-me V. Ex.ª qual é a região do Mundo em que há médias nitidamente superiores a essas? As únicas regiões do Mundo de médias nitidamente superiores às do nosso Alentejo são as do Norte da Europa, as da Groenlândia, as da Dinamarca; mas aí encontram-se condições completamente diferentes das do nosso Alentejo. Nunca podemos ambicionar aqui mais de uma média de 8 ou 9 quintais. Por aí não vamos lá, não vamos conseguir uma cultura como V. Ex.ª vinha dizendo.

O Orador: - Não ambicionamos; não podemos com o clima actual ter médias superiores. A terra portuguesa é pobre e é péssimo o seu regime pluvial. Quanto ao amanho delas, afirmo, não eram dantes melhor preparadas do que hoje nem tão bem.
Nestes últimos dez anos temos melhorado muito, graças ao auxílio dos serviços técnicos do Estado.
Aqui quero prestar as homenagens da lavoura aos competentes engenheiros agrónomos que por este País fora ensinam.
Hoje já o desconfiado lavrador os ouve, já segue os seus conselhos.
Os alqueires de verão nos barros já se fazem com regularidade, já entraram nos hábitos do lavrador.
Onde o proprietário da terra os não pode fazer, por falta de máquinas de lavoura, tem a sua disposição máquinas alugadas aos serviços do Estado ou a particulares, que lhe preparam os alqueives de verão.
Quem hoje atravessar os barros do distrito de Beja encontrará ali as terras assim preparadas.
Só são lançadas à terra, sementes seleccionadas e desinfectadas.
O lavrador português não é atrasado; vai no cultivo da terra até onde as suas possibilidades lhe permitem ... vai mais longe, como acabamos de ver nos números apresentados. Pede o dinheiro quando não o tem.
Disse um dia o Sr. Presidente do Conselho, referindo-se à agricultura portuguesa:

Nós somos sem dúvida favorecidos, no que respeita a géneros agrícolas, por este facto real, ainda que literalmente antieconómico, de que boa parte da nossa agricultura não é industrial, ou, para ser mais claro, não trabalha para o lucro, produz para viver pobremente e alegremente gastar o excesso de outras rendas. Mais que a paixão, o vício português da terra faz prodígios.

E uma grande verdade!
Sou tentado a citar um facto passado há pouco tempo que confirma em absoluto esta grande verdade - a paixão pela terra.
Tinha um pequeno produtor de trigo da minha terra recorrido aos empréstimos concedidos pelo Governo.
Esgotado todo o seu crédito, encontrava-se ele em Maio com a seara de trigo em pé, mas sem dinheiro para a ceifar.
Dirigiu-se mais uma vez à caixa de crédito agrícola local a pedir o dinheiro necessário para continuar a luta; a resposta foi, como não podia deixar de ser:
"Como quer você mais dinheiro se o seu crédito está completamente esgotado?".
Ao que o homem respondeu:
"Eu sei; mas o trigo está em pé, deu-me muito trabalho, muitas canseiras; empreste-me o dinheiro para a ceifa da minha searinha e depois levem-me tudo, tudo, para pagar, até a camisa, ou prendam-me, mas deixem-me ceifar aquela seara".
Isto é mesmo assim; é desta forma que a grande parte do pequeno produtor de trigo do Alentejo se agarra à terra.