318 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135
Contudo, aquelas em que vivem estão já colectadas com valores que vão muito além das suas possibilidades financeiras.
A estas circunstâncias de natureza absoluta outra acresce que, de forma relativa, sugere objecção ao processo de elevação de rendas.
É que, se na determinação do rendimento colectável se atender, como é natural, ao estado de conservação do prédio, muitas vezes hão-de contribuir para a valorização deste - e consequentemente para maior elevação da respectiva renda - as reparações, pinturas e arranjos de várias ordens com que o inquilino foi melhorando o seu lar, não suspeitando que assim contribuía para o agravamento futuro das próprias condições económicas.
4. Além deste, que é fundamental, outros aspectos oferece a proposta de lei dignos de reparo.
Um dos problemas do inquilinato que maior projecção tem tido na crise de habitação que atravessamos é o da distinção entre subarrendamento e contrato de albergaria ou pousada.
Tinha-se orientado a jurisprudência no sentido tolerante e altamente generoso de não considerar aplicação a fim diverso, por não constituir indústria de hospedaria, o recebimento de hóspedes, até ao limite de três, na casa arrendada para habitação, reconhecendo que assim, embora com privação de comodidades próprias, muitas famílias supriam as deficiências dos seus minguados orçamentos. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 1933, interpretando o assento de 22 de Janeiro de 1929, consagrou esta doutrina em termos tão doutos e com tão sábias razões que daí em diante ela se considerou pacífica.
Vem agora a proposta de lei em referência contrariar abertamente aquela magnânima orientação, enquadrando no tipo de subarrendamento o que até aqui -mesmo que não houvesse prestação normal de alimentos por parte do arrendatário - era indiscutivelmente contrato de albergaria ou pousada.
Não se vislumbra razão justificativa desta radical mutação de conceitos, tanto mais que, além das que inspiraram o citado acórdão, ainda o inquilino tinha por si as próprias características deste contrato, entre as quais a da prestação de serviços ao hóspede, quase sempre acrescida de fornecimento de mobiliário, que se traduziam em sacrifícios suficientes para desmentir a afirmação, tantas vezes reproduzida, de que desse modo o arrendatário fazia negócio com a casa arrendada, à custa do senhorio.
A proposta de lei n.º 202, equiparando aquela situação à de subarrendamento sempre que não haja prestação normal de alimentos, contribuirá, se vier a ser convertida em lei mantendo esta disposição - e só por via desta particularidade, sem falar doutras -, para o acréscimo das dificuldades de habitação, pois há-de fatalmente provocar a redução da cedência de quartos mobilados, em que hoje se albergam milhares de indivíduos que, mercê de várias circunstâncias, não podem ter casa própria ou hospedar-se em hotéis ou pensões. E, simultaneamente, impedirá numerosas famílias pobres de aumentar os seus parcos meios de vida, mediante esta honesta, mas tantas vezes dolorosa, restrição das próprias comodidades do seu lar.
Este aspecto do problema será ainda mais agravado com a exigência da notificação ao senhorio, estabelecida na base XXXVIII, visto que em tal caso o consentimento prévio só poderá ser dado em termos genéricos; e então, sempre que um quarto mobilado seja arrendado de novo, verificar-se-á a obrigatoriedade da notificação, sob pena de se incorrer em sublocação ilegal.
É certo que a proibição, consignada na base XXXIII, de se exigir renda superior ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido nos arrendamentos celebrados depois de entrar em vigor a lei proposta obviará a muitos dos inconvenientes a que o rigor das normas relativas à sublocação poderia dar causa, visto que o senhorio nem sempre será tentado a promover o despejo do inquilino que tenha sublocado mas que lhe pague pontualmente a renda, dada a impossibilidade legal de a obter superior, mediante novo contrato.
Mas a ameaça existirá permanentemente - e o inquilino nem sempre conhece as razões ocultas que estimulam certas atitudes hostis ou interesseiras dos senhorios.
5. Por outro lado, restringir a possibilidade de sublocar é esquecer que a crise de habitação -ainda no auge da sua curva ascendente - tem sido consideràvelmente debelada à custa daqueles que repartiram com outrem os cómodos das suas casas, sacrificando sempre a independência do lar e sujeitando-se muitas vezes aos incómodos e conflitos suscitados pelo obrigatório convívio com pessoas de temperamento ou de educação diferentes.
Não é, portanto, ambição desmedida dos inquilinos a de uma regulamentação mais benévola do subarrendamento, reconhecendo embora que desse modo se reduziriam as faculdades legítimas dos proprietários; mas estas apenas teriam de ceder perante a função social da propriedade, que, na judiciosa expressão do relatório, como que as oprime e sacrifica ao interesse geral da habitação.
Numa regulamentação dessa índole impor-se-ia a revogação do § 6.º do artigo 5.º e do artigo 7.º e seu § 1.º da lei n.º 1:662, que permitem o despejo imediato com fundamento na sublocação não consentida, mantendo-se contudo o direito, consignado na base XLIII, de requerer o despejo para o fim do prazo do arrendamento ou da sua renovação quando o arrendatário recebesse pela parte sublocada quantia superior à que lhe fosse proporcional no total da renda e mais 50 por cento, doutrina que aliás pode inferir-se do disposto nesta base e sua alínea c).
Assim, dar-se-ia ao locatário um direito de cujo exercício normalmente não adviria prejuízo material para o senhorio.
Impõe-se também acautelar as situações que ao abrigo da lei até agora vigente se estabeleceram e que, se for mantida a retroactividade prevista na base XXXIX, ficarão gravemente ameaçadas.
Na verdade, será justo e consentâneo com o respeito pelos direitos adquiridos impedir que o proprietário use da faculdade que lhe é concedida nesta base quando a sublocação já existir à data da entrada da lei em vigor e deva considerar-se tácita ou expressamente consentida.
E ainda se atenderia ao mesmo alto interesse público e à mesma assinalada função social da propriedade concedendo ao sublocatário garantias que não fossem de todo incompatíveis com os interesses do senhorio, como a de lhe dar preferência no novo contrato quando, em relação ao arrendatário sublocador, terminasse o arrendamento e o senhorio quisesse arrendar outra vez a casa.
6. A Associação dos Inquilinos Lisbonenses não pode deixar de manifestar o seu apreço pelas bases da proposta em que mais nitidamente se revela o espírito de protecção ao lar, reduto sagrado da família como célula social, destacando de entre elas a base XLII, que classifica como crime de especulação as infracções, referidas nas suas alíneas; mas estranha que não figure entre estas uma que diga respeito à violação do disposto na base XXXIII, segundo a qual nos futuros arrendamentos a renda não poderá ser inferior ao duodécimo do rendimento colectável.