320 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135
É, pois, no cumprimento desse dever que, neste momento, trazemos a essa apreciação a nossa contribuição, constituída pelas razões que cabem ao comércio lojista para que os seus legítimos interesses e direitos fiquem justamente acautelados.
Faremos em primeiro lugar referência à situação do comércio lojista perante os casos de expropriação, que o diploma trata muito superficialmente.
Desde há muito que os diplomas legais relativos aos casos de expropriação estabelecem situação de similitude entre os arrendamentos comerciais e os industriais, como se pudesse haver entre as duas espécies outra semelhança do que a do direito a indemnização.
O estabelecimento industrial, como inclusivamente o estabelecimento comercial armazenista, não sofrem normalmente com a sua deslocação outro prejuízo além da mudança de local e dos encargos de reinstalação, continuando a sua laboração a fazer-se sem alteração, neste como naquele local, porque, tanto num como noutro caso, a venda das respectivas mercadorias só se faz a compradores que se conhecem e que se vão procurar. Para o estabelecimento comercial de retalho a situação é absolutamente diferente, pois o seu negócio - a razão da sua existência - está inteiramente dependente, não só da sua localização, como, e muito principalmente, da assiduidade de uma clientela que uma larga preparação comercial conquistou, mas que imediatamente trocará a sua preferência se o estabelecimento desaparecer do sitio onde se habituou a encontrá-lo. Estabelecimento de retalho que quaisquer circunstâncias forcem a mudar-se é como se passasse a ser um novo estabelecimento, que necessita refazer a sua clientela e a sua posição comercial.
Como se esta circunstância não bastasse, ainda há a contar com a de lhe ser interdita a sua instalação em qualquer local apropriado, sem o pagamento do chamado traspasse, que na maioria dos casos representa uma avultada quantia.
Tanto neste diploma como nos anteriores verifica-se portanto essa injustiça de tratamento, considerando-se o valor dos estabelecimentos comerciais retalhistas igual ao dos industriais, apenas dependendo a diferenciação do quantitativo das respectivas rendas.
Neste ponto há que chamar a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia Nacional, fazendo notar quanto este critério tem determinado profundas injustiças nos casos de despejo por expropriação.
Enquanto o estabelecimento antigo e cujo valor representa o esforço e trabalho de muitos anos, por ter uma renda mais baixa, recebe menor compensação, a outro muito mais recente, por ter renda mais alta, cabe maior indemnização.
Nas transacções realizadas ultimamente entre a Câmara Municipal de Lisboa e os proprietários de alguns prédios existentes na zona da Rua Silva e Albuquerque, em que, mal ou bem, legal ou ilegalmente, se aplicou o mesmo princípio para a atribuição de indemnizações a inquilinos com arrendamentos comerciais ou industriais, houve casos em que se concederam a estabelecimentos de retalho com muitos anos de existência indemnizações real ou proporcionalmente inferiores às que foram atribuídas a oficinas de alfaiates, de sapateiros ou de costura, ou a pequenos armazéns de retém, por vezes sempre encerrados, existentes em vários andares dos mesmos prédios.
Uma tal atribuição representa a maior das injustiças. Deve estabelecer-se uma justificada diferença entre as indemnizações a conceder aos estabelecimentos comerciais de retalho e às outras espécies de estabelecimentos industriais ou mesmo comerciais de outros graus de actividade.
Vejamos agora a situação criada pelo diploma em apreciação aos inquilinos com comércio retalhista nu mesmo caso de expropriação.
Diz a base X que «o arrendamento comercial ou industrial deve ser considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado, não podendo essa indemnização exceder 20 por cento do valor que for dado ao respectivo prédio. E, havendo mais de um estabelecimento comercial ou industrial - diz ainda a referida base-, a indemnização será rateada na proporção em que cada um dos arrendatários contribuir para o aumento do valor locativo do prédio».
Na prática, é de supor que esta última parte dessa base se deva referir ao volume de renda que cada um paga.
Como já tivemos ocasião de demonstrar quanto este critério pode induzir em erro em certos casos, não nos demoraremos agora a analisá-lo, bastando acrescentar que, por essa orientação, melhor indemnização caberia a um armazém fechado, com renda alta por ser de arrendamento mais recente, do que a uma loja afreguesada, antiga, e por isso de renda mais baixa. Mas temos de o apreciar com largueza na crítica da percentagem fixada para limite destas indemnizações.
Dois erros graves se verificam nessa fixação:
Quando essa fixação se faz em relação ao valor total do prédio;
Quando se estabelece o limite.
Nunca o valor de um estabelecimento comercial pode depender do do prédio, que pode ser de boa ou de má construção, ter tratamento cuidado ou descuidado do seu proprietário, ter um valor colectável maior ou menor, conforme o interesse manifestado pelo proprietário na melhoria do respectivo rendimento, possuir maior ou menor volume de construção, etc.
Tudo factores independentes do valor comercial do estabelecimento.
Exemplifiquemos:
Dois estabelecimentos do mesmo ramo, de características semelhantes, instalados em prédios contíguos, no mesmo arruamento; um dos prédios tem cinco andares e o outro apenas um.
A seguir-se o critério da base X, que diferentes indemnizações seriam atribuídas a estes dois estabelecimentos de valor sensivelmente igual, por estarem instalados em prédios de valor muito diverso!
Admita-se ainda a existência de prédios de construção semelhante, tendo um quase totalmente ocupados os seus andares por inquilinos comerciais e industriais, e o outro apenas por inquilinos de habitação e um único estabelecimento.
Os proprietários das respectivas lojas seriam indemnizados em condições inteiramente diferentes, pois, enquanto uns pouco viriam a receber, o outro seria muito mais beneficiado; e tudo isto sem que para tal contribuiu o valor comercial dos estabelecimentos. [...] casos, bem mais frequentes do que se julga, em que o valor comercial de um ou mais estabelecimentos é bastante superior ao do prédio em que estão instalados.
A quem duvide podemos apontar casos concretos, verificados agora na projectada remodelação da zona da Rua da Palma e arruamentos vizinhos.
Estamos evidentemente a uma enorme distância da doutrina expendida no relatório que antecede o diploma, e em que, no capitulo B), se diz que: «O principio da igualdade dos cidadãos perante os encargos que à sociedade incumbem exige a reparação integral dos prejuízos suportados pelo expropriado».