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12 DE MARÇO DE 1948 321

Há que transplantar estes princípios para o campo da realidade, estabelecendo sistemas ou processos de compensação que correspondam ao espírito da lei, condensado no seu relatório, porque os comerciantes despejados nestes casos também são afinal expropriados.

Nos estudos em que nos temos debruçado para encontrar soluções adequadas aos casos que a citada remodelação de parte da chamada Baixa (Rua da Palma, Marquês do Alegrete, etc.) trouxe ao conhecimento da direcção desta União julgamos ter entrevisto formas que podem ser utilizadas.
Em primeiro lugar, cumpre averiguar se a expropriação tem por fim o aproveitamento total da área expropriada e das construções que lá venham a fazer-se, ou se, por motivo de transformação, nos novos edifícios não ficarão lojas aproveitáveis em que possam instalar-se estabelecimentos comerciais.
No caso de ficarem, julgamos de defender o princípio da reocupação dessas lojas pelos comerciantes desalojados e cujos comércios ou valor dos estabelecimentos o justifiquem, e que para lá transfeririam oportunamente os seus estabelecimentos, em condições de renda evidentemente compatíveis com o novo valor dos edifícios e dos locais modernizados. Para estabelecer essas rendas teríamos as avaliações oficiais que o decreto preconiza.
Este princípio não constitui inovação, porquanto consta da legislação especial promulgada aquando da reedificação de Lisboa após o terramoto de 1705, e está previsto nas negociações estabelecidas entre esta União de Grémios de Lojistas e a Câmara Municipal de Lisboa, que, no seu louvável desejo de respeitar, tanto quanto possível, os direitos dos seus munícipes, o admitiu, para prover à situação dos comerciantes a desalojar proximamente, na já referida zona, e cujos comércios e valor dos estabelecimentos o justifiquem.
Quando por efeito de expropriação se verifique, pois, a circunstância que vimos de apontar, isto é, de nos novos edifícios ficarem existindo lojas que possam ser utilizadas para fins comerciais, se não ficar previsto o direito de reocupação, terá lugar uma flagrante espoliação, pois ter-se-ão despejado forçadamente comerciantes a quem se indemnizou deficientemente, para que a entidade expropriante, ou os adquirentes dos terrenos libertados, possam receber pela ocupação dos novos estabelecimentos, a qualquer título, verbas que, em caso algum, lhes podiam com justiça competir.
Prevista a reocupação, restaria determinar a obrigação para a entidade expropriante de estabelecer com os comerciantes desalojados a forma de serem compensados do prejuízo causado pela cessação temporária do seu negócio - até que possam reinstalar-se-, o que pode ser feito por meio de alojamento temporário, mesmo em instalação de carácter provisório - como está em princípio assente coma Câmara Municipal de Lisboa - ou por meio de indemnização, que, na falta de acordo poderá ser fixada por decisão judicial.
É fora de dúvida que a solução defendida não compensará inteiramente os comerciantes desalojados dos transtornos e prejuízos que a suspensão parcial dos seus negócios lhes proporcionará nesse interregno, mas, de dois males, é de escolher o menor.
Passemos agora à apreciação do caso de expropriação quando nas novas construções não haja lugar para estabelecimentos com características adequadas ou adequáveis aos desalojados, circunstância em que, evidentemente, a compensação só poderá vir por indemnização.
Neste caso, essa indemnização deverá ser fixada independentemente da apreciação de qualquer outro valor.
Quando se indemniza o proprietário do prédio entrega-se-lhe a importância necessária para que ele possa, com a mesma aplicação, obter um rendimento não inferior ao que usufruía pela propriedade expropriada.
É, portanto, de defender o mesmo princípio para os proprietários dos estabelecimentos despejados, atribuindo-lhes indemnizações que lhes permitam ocupar estabelecimentos semelhantes, onde possam continuar u exercer o seu comércio, em lugar de os atirar para a miséria, porque entregar a um comerciante lojista, em troca de um estabelecimento afreguesado e com os lucros de cuja laboração aquele se mantém e aos seus, umas dezenas de milhares de escudos com que não lhe é possível obter o traspasse dam outro estabelecimento, isto é, reinstalar o estabelecimento expropriado, o mesmo é que reduzi-lo à situação de ir gastando na sua manutenção, a pouco e pouco, o que tão parcamente lhe entregaram como sendo valor da sua casa comercial, ou obrigando-o a procurar empregar-se, se o puder fazer, transformando fundamentalmente as condições da sua vida profissional e familiar. Quase o mesmo se poderia dizer de qualquer indivíduo de profissão liberal, a quem, quando tivesse a sua clientela criada e o seu nome feito numa terra, o obrigassem a deixá-la para se transferir para outra, onde, quase desconhecido, teria de refazer a sua vida, apenas com a bagagem da sua carta de curso e da experiência adquirida, não esquecendo que até a idade tem poderosa influência para que o indivíduo sinta ou tenha as condições necessárias para essa dura prova a que o submetem. A justa indemnização é possível mediante avaliação feita por comissões de que faria parte um delegado do organismo corporativo representativo da actividade do comerciante a desalojar, comissões que teriam em atenção, entre outros elementos, o valor dos traspasses dados nos últimos anos por estabelecimentos semelhantes, instalados no mesmo arruamento ou em artéria da mesma categoria, e até as verbas de lucro tributável atribuídas para efeito da contribuição industrial.
Assim, Excelentíssimo Senhor, será possível corresponder ao princípio afirmado no relatório, e cujos dizeres já reproduzimos; de outra forma, aos comerciantes desalojados ter-se-á apenas feito uma espoliação que nem o mais elevado fim de bem público poderá desculpar, pois, enquanto a uns, aos proprietários dos prédios, se compensará justamente, a outros, aos comerciantes lojistas, inutilizar-se-lhes-á a vida, empurrando-os para a miséria.
Outro ponto que mereceu as nossas atenções foi o que se refere aos traspasses dos estabelecimentos comerciais.
Na base XXXIV diz-se que «é permitido sem autorização do senhorio o traspasse do estabelecimento comercial para o mesmo ramo de negócio; e que são considerados como sublocações ilegais o traspasse do local de um estabelecimento comercial ou industrial, independentemente das mercadorias ou utensílios que constituem a existência do estabelecimento, e o traspasse do estabelecimento comercial sem autorização do senhorio para diferente ramo de negócio».
Como deve entender-se a designação «traspasse» num caso ou noutro?
É fora de dúvida que nos casos em que não possa ter lugar legal o traspasse será o valor das mercadorias e utensílios que suportará a diferença cuja exigência é mais que justificada. De resto, o que se torna preciso acautelar são os direitos do Estado fiscal pela transacção efectuada e o direito do senhorio de beneficiar nessa transacção por melhoria da renda.
Parece depreender-se a intenção de vincar que o valor transaccionável é o do negócio, e não o do local, o que não está bem para o caso de estabelecimentos comerciais