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382 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139

O filme intitulava-se: À beira do abismo -já pelo titulo de sugestivo alcance no seu propósito desmoralizador.
No dia seguinte o mesmo jornal, a propósito da reacção contra o mau cinema, que vai já alastrando, felizmente, em vários países e levou os produtores americanos de Hollywood a mudar de rumo, tendo prometido não realizar mais filmes de gangsters, para que o Mundo, através de tais filmes, não faça uma falsa e errada ideia dos Estados Unidos da América, voltava de novo a atacar justamente essa película indecorosa, que passou, como tantas outras, pelas largas malhas da censura.
Ao mesmo tempo acautelava-nos e acautelava a censura contra dois filmes, possivelmente a exibir em Portugal (um, The Outlaw, já traduzido, ao que parece, para português, com o título A Terra dos Homens Perdidos), ambos boicotados pelos católicos norte-americanos e retirados do écran em virtude de um enérgico ultimato do episcopado ianque.
Ao mesmo tempo o articulista do Diário da Manhã afirma dignamente a necessidade de reagirmos contra esses exportadores de «imundícies cinematográficas», alinhando assim com outros países que cita, a principiar pelos próprios Estados Unidos.
Sr. Presidente: eu não pretendo de modo algum com estas considerações antecipar o meu aviso prévio, para o qual V. Ex.ª marcará dia próprio, muito de desejar sendo, o que peço, que dele me possa ocupar ainda na próxima sessão prorrogada, para ver se, pondo a descoberto as nossas deficiências de defesa contra o mau cinema e referindo os danos produzidos já nas várias classes do País por essas tais «imundícies cinematográficas» a que se refere o articulista do Diário da Manhã, conseguimos pôr cobro a tal desaforo, protegendo-nos contra essa lepra horrível que os maus filmes fazem espalhar por toda a parte, hoje até nas próprias aldeias, tão pacíficas e tão morigeradas, ainda não muito longe no tempo, mas já perturbadas pelos venenos de uma civilização invertida.
Porque na imprensa católica tenho abordado o assunto com o maior interesse, cônscio de que presto, no limitado âmbito da minha acção, serviços ao bem comum, cada vez mais carecendo de protecção e vigilância perante as arrogantes intervenções do ateísmo, que de tal já se não oculta, e de um materialismo sórdido -em que não sei que mais admirar: se o relaxamento egoísta dos gozadores da fortuna, se a expectativa delirante dos que sofrem as agruras da miséria-, senti a urgência de trazer à Assembleia elucidativos elementos de informação, que denotam a imperiosa necessidade de uma repressão enérgica que ponha termo ao que se passa.
De vários lados, além dos inquéritos de alarmantes resultados, me chegam queixas e indicações de filmes imorais que ilustram vergonhosamente os nossos écrans e que a inexplicável inércia das autoridades e entidades legítimas, não pondo em execução a lei n.º 1:974, aqui votada, e que regulamenta a assistência de menores aos espectáculos cinematográficos, mais agrava a situação em que se encontra um problema de tão fácil solução, mas que tão tristemente se faz difícil.
Tenho aqui presente um número de O Comércio do Porto, recentíssimo, de 15 do corrente, que traz um artigo de uma senhora, D. Maria Irene Faria do Vale, com o título «Mulheres e crianças» e o subtítulo «Os presos (influência nefasta dos maus cinemas)», no qual essa senhora censura indignadamente a exibição de um filme que se manteve durante mais de uma semana em espectáculos diurnos e nocturnos e em que toda a acção se desenrola entre crimes de envenenamento e estrangulamento de mulheres, com uma técnica de crime que é escola terrível pela perfeição a que se chega na arte de o dissimular. E tudo se passa na segunda cidade do País, em inteira liberdade de assistência de espectadores de todas as classes e idades.
Junto dessa senhora - conta ela -, entre grande número de menores que ocupavam vários lugares da casa de espectáculos, estavam uma jovem e uma criança de 4 a 5 anos. E esta, alarmada -pobre criança assim entregue à criminosa indiferença de uma mãe!-, gritava para esta: «Mamã, por que razão aquele homem quer matar a mulher?». E repetia: «Mamã, por que razão aquele homem quer matar a mulher?».
E comenta a articulista:

O que estaria a passar-se no cérebro desta criança? Que espécie de vestígios ficariam gravados na sua alma a evoluir?

Sr. Presidente: pode continuar a manter-se tal estado de coisas?
Porque se não cumpre a lei aqui votada ? Porque cerra a censura os olhos a estes filmes e tudo deixa passar, através de um critério de tolerância, para não dizer conivência, censurável, porque trai os deveres que lhe cabem pela própria natureza e jus da sua constituição ? Na defesa da juventude, porque se não cumpre a lei, que a Assembleia aprovou, da autoria do nosso ilustre colega Dr. José Cabral e desse superior espírito de mulher - e alma cristã que tanto nobilitou a nossa tribuna - a Dr.ª D. Domitila de Carvalho ? Na França, numa importante reunião efectuada recentemente no Conselho da República, iniciou-se um debate acerca da criminalidade infantil, apontando-se como suas principais causas as publicações e os filmes de moral dissolvente e perigosa.
De dez mil delinquentes adolescentes em 1936, passou a trinta e três mil em 1946, com a percentagem de 93 por cento urbanos. A principal causa, ai se afirmou, é o mau cinema, que se considerou: escola do crime pela imagem. Resolveu o Conselho nomear uma comissão de censura, que deverá impedir publicações e películas que desmoralizem a juventude, e o Ministro da Justiça afirmou que preparava um texto de lei para acabar com esses abusos.
E nós, Sr. Presidente?
Nós temos já uma lei de protecção às crianças e às jovens, mas jaz no pó do esquecimento. Teremos de continuar neste estado de coisas ?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o que acabo de dizer é simples amostra do que vai por esses cinemas do País, cuja acção nefasta de filmes imorais se desenrola numa sementeira de desregramentos, que aniquilará no futuro as nossas gerações.
O muito mais que há a dizer ficará para o aviso prévio, cuja discussão peço a V. Ex.ª não demore.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Chegaram à Mesa os elementos fornecidos pela Direcção Geral dos Serviços Pecuários, a requerimento do Sr. Deputado Figueiroa Rego. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado do ano de 1946. Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.