384 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139
tados e os princípios se afirmam por forma indiscutível de regra jurídica superior.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 consignava que os «cidadãos têm direito, por si ou pelos seus representantes, a fiscalizar a aplicação das contribuições públicas»; e acentuava que pertencia à representação nacional votar o orçamento e liquidar as contas.
Os meios financeiros e o seu destino, as previsões e os resultados pertenciam, pois, ao domínio de decisão duma assembleia representativa.
A Constituição portuguesa de 1822, no artigo 103.º, alínea IX, dispunha que às Cortes incumbia fixar anualmente os impostos e as despesas públicas; fiscalizar o emprego das rendas públicas e as contas da sua receita e despesa.
A Carta Constitucional de 1826 mandava, no artigo 138.º, que o Ministro de Estado da Fazenda apresentasse à Câmara dos Deputados um balanço geral da receita e despesa do Tesouro no ano antecedente. Este mesmo princípio se continha no Acto Adicional de 1852, onde se dizia mais: «haverá um tribunal de contas, cujas organização e atribuições serão reguladas por lei».
A Constituição de 1838 estabelecera já esta jurisdição, composta de membros eleitos pelo parlamento.
Ainda a Constituição Política da República Portuguesa de 1911 estabelecia pelo artigo 26.º, como competência privativa do Congresso da República, orçar a receita e fixar a despesa da República, anualmente, tomar as contas da receita e despesa de cada exercício financeiro e votar anualmente os impostos.
Portanto, o Direito constitucional começa por limitar a faculdade real de lançar tributos, interessa-se depois pelo destino dos dinheiros públicos, acaba, enfim, por exigir uma severa prestação de contas da utilização que lhes foi dada pelos que governam.
Sr. Presidente: é dispensável agora referir o que importa na Constituição de 1933, que nos rege, pois está bem presente.
Como temos acentuado, a Assembleia Nacional confere uma grande autorização ao Governo para cobrar o que precisa e aplicar o que tem, e dessa autorização se toma conta neste debate anual.
Vivendo o Governo em regime de confiança e de mandato - e tem-na e merece-o todo - é chegada a hora de discutir a sua administração.
Thiers, o grande historiador e Ministro, resumia perfeitamente a situação constitucional, dizendo: «um pouco de confiança antes e muita fiscalização depois».
O que é a Conta Geral do Estado?-Depois do orçamento não há documento mais importante para a vida financeira do que a Conta Geral do Estado, que nos fornece a fotografia dos factos da gestão administrativa.
A Conta mostra-nos uma recapitulação de factos consumados, que se distingue, pelo plano e método, do programa de acção que é o orçamento.
O orçamento volta-se para o futuro, a Conta, como a mulher de Lot, olha para trás, vendo o passado, mesmo que permaneça estática.
A Conta é o apanhado, o estado das receitas e despesas.
Os franceses doutro tempo diziam - état au vrai. Jèze escreve - o relevé.
A nossa Conta Geral do Estado era dantes um mostrengo; agora mostra-se um volume manuseável, bem impresso, límpido, acessível.
No passado era um mostrengo de 8 quilogramas, 2:000 páginas, que suplantava em grossura o célebre volume da Legislação de Maio de 1919, com seus trinta suplementos.
Mais alto e mais largo que o volume actual, apresentava-se como calhamaço seis vezes mais espesso!
Dele dizia incisivamente o Ministro das Finanças de 1937 - Salazar: «os dois volumes em que a nossa sábia legislação manda compendiar a Conta Geral do Estado referente à gerência de um ano custam 1 conto, pesam 8 quilogramas, têm 2:000 páginas e ninguém os lê.
As contas ou não chegam a ser organizadas, ou, se o são, não se publicam; se se publicam não são remetidas ao Tribunal de Contas; se são enviadas, não obtêm deste o voto de conformidade e ou não são presentes às câmaras ou estas as não apreciam nem julgam».
Pelo decreto-lei n.º 27:223, de 21 de Novembro de 1936, a conta foi trazida à sua expressão rigorosa e sucinta, simplificando-se e consubstanciando-se nalguns quadros fundamentais. Passou a ser despida de excrecências, extirpada de tumores, produzida na devida altura e impressa a tempo.
Tornou-se então uma base segura e límpida, completa e sintetizada de fiscalização financeira, abrindo assim o caminho aos trabalhos parlamentares.
Servem-lhe de prefácios os monumentos notáveis de literatura financeira, a que adiante nos referiremos; sobre este documento importantíssimo há-de recair a curiosidade de todos e afinar-se a análise do Tribunal de Contas e da Assembleia Nacional.
Falou-se no Tribunal de Contas já-e qual a sua posição em relação à Câmara política?
Mesmo em teoria, um julgador político carece de um conhecimento criterioso ou técnico que lhe permita grande latitude e elasticidade de apreciação.
Compreende-se que uma câmara política no exercício de uma soberania incondicional se dispense de grandes análises e meticulosidades para se pronunciar capazmente sobre os assuntos mais intricados ou dificultosos. Mas também se compreende a vantagem em que a mesma câmara se pronuncie soberana e politicamente, após a sua preparação com uma informação especializada ou técnica.
No primeiro caso ela decide por intuição do sentido das realidades sociais; no segundo funda o seu juízo num conhecimento seguro - em qualquer hipótese ela pode manifestar-te com soberania.
As duas tendências podem defender-se nas suas manifestações positivas, mas a segunda hipótese eliminará mais preponderantemente alguns riscos de apreciação.
No início dos sistemas financeiros modernos, Napoleão, encarando as probabilidades de erros e infracções e substituindo-se às instituições representativas afirmava: A Cour dês Comptes me elucidará!
E a mesma ideia, mas já dentro do sistema constitucional, era exposta por Casal Ribeiro nas Cortes, deste modo: «além de julgar os responsáveis, o Tribunal de Contas é informador nato e necessário das câmaras legislativas, enquanto à gerência dos Ministros da Coroa».
E sobre o mesmo ponto anotava o Dr. Lopes Praça:
«Examinar as contas dos diversos Ministérios e dar sobre elas as suas declarações, as quais são enviadas aos Ministros respectivos, para que façam as suas observações. Examinados e apreciados os exercícios dos anos a que a conta se refere, devem as contas ser remetidas ao parlamento para as examinar e conferir, ou alterar, enfim exigir e tornar efectivas a responsabilidade ministerial e legalizar o que deve ser legalizado».
Portanto, órgão esclarecedor, segundo o pensamento napoleónico; informador nato do parlamento, examinador prévio, segundo a ideia dos nossos doutrinadores liberais: este órgão especializado que é o Tribunal de Contas prepara e facilita a opinião dos representantes da Nação.
No curso destas ideias alguns vão demasiadamente longe.
Stourm chega a falar em atribuições parlamentares da Cour dês Comptes, o que é manifestamente exagerado e contraria a divisão de funções do Estado moderno.