20 DE MARÇO DE 1948 385
O que pode afirmar-se é que os tribunais de contas facilitam e integram as funções dos órgãos representativos, mas não sendo apesar disso delegados destes últimos.
Santi Romano afirma expressivamente que a Corte dei Conti, em Itália, possui importância constitucional mas não é por si órgão constitucional.
Portanto, a Assembleia Nacional herdou do passado uma certa proeminência em matéria de consentimento para levantar tributos e na fiscalização da disponibilidade e aplicação dos dinheiros públicos.
Esta Câmara consente nas receitas. E consente nas despesas.
Todos os anos - e a tempo - a Assembleia Nacional vota uma lei de meios que permite ao Governo elaborar o orçamento e realizar as finanças anuais.
Já aqui foi dito que a Câmara é um mandante e o Governo um mandatário; como tal a lei de meios tem a configuração jurídica de uma autorização.
Como usou o Governo desse mandato?
Como executou a lei de receita e despesa?
Como fez política e administração com base numa percepção ou distribuição de recursos?
A Câmara procede ao exame anual da prática financeira seguida, verifica se as leis foram cumpridas, estabelece se o orçamento corresponde à lei de meios e à execução daquele e desta.
É a faculdade que lhe confere o artigo 91.º, n.º 3.º, da Constituição, considerado o reverso da medalha do n.º 4.º do mesmo artigo.
Para exercer a sua soberania neste debate, a Assembleia Nacional pode ser informada ou esclarecida previamente por um órgão especializado que é o Tribunal de Contas.
Pode julgar sem ele a Conta Geral do Estado, resumo contabilista de todas as contas e situações. Mas também pode, querendo, socorrer-se do seu depoimento técnico para melhor formular o seu juízo.
Portanto, o Tribunal de Contas não julga a Tonta Geral do Estado. Informa-a; prepara o seu estudo apenas; elucida-a até; quem julga porém é esta Assembleia Nacional, segundo a tradição, o espírito e a mecânica constitucional.
O Tribunal de Contas decide sobre as contas parciais.
Em que consistirá o exame do Tribunal de Contas ? - Vimos para que o faz, mas pode perguntar-se- como e de que maneira o faz?
Pelo sistema longo tempo em vigor entre nós e decalcado no modelo francês, o Tribunal de Contas proferia uma declaração geral de conformidade sobre as contas do exercício findo e ainda outras declarações, baseadas, uma e outras, na comparação com as contas de responsabilidade, as ministeriais, as de material e as de ordenadores.
Era isto que se continha entre outros diplomas no magnífico código de Direito financeiro que foi o regimento de 1881 do célebre Lopo Vaz de Sampaio e Melo e à sombra do qual técnicos franceses modelaram e ajustaram alguns quadros fundamentais contabilistas.
As coisas agora apresentam, pelo menos, certas diferenças.
Segundo o artigo 6.º, n.º 11.º, do decreto orgânico n.º 22:257, de 20 de Fevereiro de 1933, o Tribunal formula um parecer fundamentado sobre a execução da lei da receita e despesa e leis especiais promulgadas, declarando se foram integralmente cumpridas e quais as infracções, dos seus responsáveis.
O artigo 1.º, n.º 3.º, do decreto n.º 26:340, de 7 de Fevereiro de 1936, pretende habilitar o Tribunal com os elementos indispensáveis para a verificação das despesas dos diversos Ministérios e elaboração do relatório e decisão sobre a Conta Geral do Estado.
O artigo 27.º do decreto n.º 26:341, de 7 de Fevereiro de 1936, refere-se aos documentos e informações que julgar necessários para a elaboração do relatório e decisão sobre as contas públicas.
Está bem de ver que a letra destes últimos diplomas excede o espírito e a própria regra do decreto orgânico.
O Tribunal, pela teoria construtiva do Direito constitucional, pela tradução das declarações de conformidade, não tem que decidir. Tem que informar tecnicamente, elaborar um parecer ou um relatório. Quem decide propriamente, quem está constitucionalmente autorizado a faze-lo, é a Assembleia Nacional.
As decisões do Tribunal são plurais e relativas às responsabilidades contáveis, como foi dito.
Mas o parecer técnico perdeu parte da sua importância. - Porque é que o parecer técnico do Tribunal não reveste hoje a importância e transcendência, visada pelos legisladores liberais europeus, relativamente às declarações de conformidade?
Em primeiro lugar porque o Sr. Presidente do Conselho educou e formou os governantes actuais na mais estrita, na mais severa das administrações financeiras.
Em segundo lugar porque a Direcção Geral e as repartições da contabilidade pública são hoje travão seguro, obstáculo pesado, um dique mesmo oposto às infracções e despesas ilegais, que por elas directamente respondem.
Depois também porque o Tribunal de Contas, mercê dos seus serviços, filtra, criva miúda e preventivamente, através do visto prévio, diplomas, actos e contratos, no aspecto financeiro, diminuindo os coeficientes de erro ou irregularidade.
Finalmente porque o aumento torrencial dos actos públicos levou a reforçar todos os meios administrativos e judiciais de contrôle, aperfeiçoando e ampliando a fiscalização não contenciosa e jurisdicional.
Assim a sanidade habitual e comezinha da nassa vida financeira despe os actos do Poder daqueles percalços e desvios tradicionais que podiam servir de pomo de discórdia aos lances dramáticos desta Casa.
Mantendo-se a prática de a Assembleia julgar as contas logo após a sua impressão, não é material nem legalmente possível que o Tribunal dê o seu parecer.
Vou agora mostrar - e este é o ponto mais delicado da minha intervenção - que só alterando as condições de tempo e de facto o Tribunal poderia dar o seu parecer, cumprindo o seu dever institucional para com esta assembleia política.
Como estão as coisas, ele não é nem material nem legalmente possível, nos prazos que lhe são permitidos praticamente.
Primeiramente - quando chega para estudo a Conta Geral do Estado ao Tribunal de Contas?
Antes de 1944 a Conta chegava a esta instituição aí por volta de 20 de Fevereiro, quere dizer, na altura ou depois que a Assembleia Nacional havia travado o debate sobre ela e proferido a sua decisão.
Com o esforço da Direcção Geral da Contabilidade Pública a Conta começou, nos últimos anos, a chegar no fim de Novembro, o que, na suposição de que a Assembleia a vai debater em Fevereiro, torna praticamente impossível o exame e estudo de tão vasto e inquietante problema e a elaboração de um parecer fundamentado.
Mas há mais: em vez destes escassos dois meses, cortados pelas férias do Natal, a lei especial confere ao Tribunal de Contas dois anos para se desobrigar desta tarefa de elaborar parecer duma tal responsabilidade.
Pelo artigo 7.º do decreto orgânico de 11 de Abril de 1911 e pelo artigo 202.º do regimento de 1915, este último ainda em vigor, dispôs-se que o parecer seria apresentado na sessão imediata a cada gerência ou, não sendo possível, na sessão seguinte do Congresso.