20 DE MARÇO DE 1948 387
notável há pouco falecido, António Malheiro, pelo que a minha consciência impõe uma palavra de saudade, no meio das dó louvor que estou proferindo.
A Assembleia dispõe dos pareceres da Comissão de Contas Públicas, cujo labor execepcional se deve ao engenheiro Araújo Correia. Relatórios e pareceres partem de razões inflexíveis de ordem e equilíbrio financeiros e fazem desfilar diante de nós todo o panorama da vida nacional, fornecendo ângulos, vistas largas, perspectivas as mais inesperadas.
Desde 1937 que se sucedem os pareceres do nosso colega Araújo Correia, representativos de estudos sólidos, análises cuidadosas até à minúcia, reflexões sensatas e críticas, sempre prudentemente temperadas. E até mais: Araújo Correia tem feito acompanhar os seus pareceres, ao qual a Comissão de Contas Públicas adere na generalidade, de monografias especiais, criteriosas e interessantes, uma sobre aproveitamentos hidráulicos, outra sobre encargos corporativos; esta sobre comércio externo, aquela sobre recursos naturais ...
Discussões amplas, rasgadas, de várias sessões elevam o grau de crítica parlamentar mais do que no debate da lei de finanças e coroam o nosso sistema. Por fim a Assembleia Nacional adopta uma resolução sobre as conclusões- estabelecidas pela comissão parlamentar.
E pena que a tirania do tempo, que os clássicos chamaram irreparável, não tolere que no processo de julgamento da Conta não intervenha o seu perito, qualificado para um arbitramento sobre os livros de escrituração !
Confesso, porém, que no estado a que as coisas chegaram e não estabelecendo a lei constitucional no artigo 91.º, n.º 3.º, a precedência obrigatória do parecer técnico do Tribunal, me parece arriscado alterar a ordem estabelecida por uma longa praxe constitucional, em obediência a um critério simétrico, sendo problemática qualquer tentativa de adiamento.
Sobre o parecer do Sr. Deputado Araújo Correia devo consignar apenas dois reparos, que demandariam tempo e vagar para serem devidamente fundamentados.
Embora justas as críticas, quanto à prioridade do aproveitamento dos recursos naturais, as suas concepções de gastos gerais e de trabalhos públicos parecem-me - como direi? - antiquadas.
Por paradoxal que se afigure, são uns e outros que alentam o investimento, e não a maioria dos depósitos bancários.
Por outro lado insiste-se com excesso sobre a severidade repressiva das importações, obliterando que precisamos dos outros mais poderosos que nós, podemos atrair contramedidas e nada se poderá conseguir se não insistirmos no desenvolvimento das nossas exportações.
Porém, o Tribunal de Contas tem trabalhado e preparado o exame da Conta. Devo porém defender o Tribunal de uma precipitada acusação de negligência ou de omissão; instituição esta desmancha-prazeres, que apenas pode contar com a boa vontade das anais severas administrações. Mas é saudável factor da vida pública o receio da sua severidade de juízo.
Desde 1937 que o Tribunal de Contas fornia, organiza e julga um processo sobre exame, verificação e conferência de documentos de despesas, acto preparatório decisivo para a elaboração do parecer sobre a Conta Geral do Estado.
O último parecer relativo a este descomparado processo, composto de exames directos e periciais, é da autoria do Dr. Marques Mano, nosso colega.
Desde 1938 que se organiza o processo relativo à Conta Geral do Estado que, atingido em cheio pelo bill de indemnidade, passado por esta Câmara, tem de ser arquivado.
E é qualquer coisa de monumental.
Os processos da Conta compõem-se, anualmente, de 24 volumes, têm atingido desde 5:605 páginas a 7:708, aumentando sempre.
Embora as dimensões sejam variáveis, já deitaram peso como 68 quilos e alturas como lm,31.
Estes trabalhos atrasam um pouco, não só pela enormidade de meios empregados, mas porque a secção respectiva dispõe de pessoal reduzido para tão descomparada tarefa e a técnica empregada talvez seja demasiado meticulosa e profunda.
A prática das democracias parlamentares resulta num louvor desta Assembleia. - A prática das chamadas democracias parlamentares contrasta com os nossos métodos desempoeirados e expeditos. Ou o debate não se faz ou passa despercebido, ou é levado a cabo com atraso tal que para nada serve o julgamento parlamentar das contas públicas.
Passando muito tempo torna-se impossível analisar, explicar e corrigir. Os atrasos chegam a reduzir o debate a uma simples formalidade, sem projecção política, sem qualquer possibilidade de anotação ou de comentário à vida financeira.
O julgamento parlamentar em vários países não passa de chancela tardia, perdendo, por inteiro, significado ou interesse. E, assim, o debate sobre as contas públicas e o seu encerramento vêm a resultar inoperantes. Vejamos alguns factos.
Em Itália foram apresentadas ao Parlamento, em 1925, contas recapituladoras dos períodos de 1912-1913 a 1923-1924, escapando nelas, ou contabilizando-se com dificuldade, os gastos extraordinários de guerra.
Em França traduzo agora do tratado do Prof. Barthélemy:
As câmaras democráticas testemunham em menor grau o espírito de ordem e de economia:
1.º As leis de contas são votadas no meio da indiferença geral, muitas vezes em sessões da manhã; e em 1899 e 1914 sem outra observação, a não ser a de um membro que verificou não haver número na Câmara e que era lamentável verificar que para o exame da situação não se encontravam em sessão cinquenta Deputados ao menos;
2.º São votadas por maços e sem debate. Num começo de sessão, em 25 de Maio de 1891, o Senado votou a liquidação de três exercícios; em 23 de Maio do mesmo ano, e em alguns minutos, a Câmara votou quatro; em 3 de Abril de 1914, numa sessão matinal, foram votados, num rufo e sem debate, duas leis de liquidação dos exercícios de 1910 e 1911, que representavam uma soma de despesas de perto de 9 biliões;
3.º São votadas com um atraso espantoso. Atraso de oito, nove, dez e até onze anos, antes da Grande Guerra; depois, tal atraso não diminui.
O ano de 1921 viu surgir uma série de leis que liquidaram definitivamente as contas dos exercícios de 1907, 1908, 1909, 1910 e 1911. A lei de contas de 9 de Fevereiro de 1922 fecha o exercício de 1912; a de 6 de Dezembro de 1927 a do exercício de 1913. E em 12 de Fevereiro de 1930 que o Sr. Perreau-Pradier entrega o seu relatório do exercício de 1921.
A opinião pública toma como responsável pelos atrasos o Parlamento; todavia, é evidente que eles derivam das administrações, que não conseguem despachar-se.
O Reino Unido segue uma praxe saudável. - O sistema inglês aproxima-se e afasta-se do nosso.
Em Inglaterra um auditor geral, acompanhado de técnicos, vê as contas à medida que lhe vão chegando