2 DE ABRIL DE 1948 417
e solicitude. Porque não existe ainda um serviço de assistência especializada para os cardíacos, um centro ou instituto de cardiologia nesta grande cidade? Morre-se, porventura, em Portugal, menos de doenças do coração do que de cancro e do tuberculose? O último Anuário Demográfico dá respostas cabais a estas perguntas.
Em 1946 faleceram de tuberculose pulmonar e de outras localizações 12:905 pessoas, de cancro 3:697 e de doenças do coração 13:817.
Se na rubrica «doenças do coração» incluirmos, como é lógico, os falecimentos por «outras doenças do aparelho circulatório» (1:807) e por. outras doenças arteriais - «hemorragia embólica ou trombose cerebral» (9:208)-, teremos achado uma totalidade de 24:832 óbitos por doenças cardiovasculares, cifra quase dupla da dos casos de morte por todas as formas de tuberculose S
Ora o doente cardiovascular carece de maior vigilância, tanto durante a sua hospitalização como nas consultas e em casa. Precisa ainda de ser estudado por meios especiais; se muitas cardiopatías são de origem infecciosa (sífilis, reumatismo, escarlatina, etc.), no grande contingente - hipertensão, arteriosclerose - é desconhecida ainda a causa basilar, e isto constitui um dos problemas fundamentais da medicina.
A doença coronária - um dos males mais importantes que afectam o homem - habitualmente é de origem arteriosclerótica. A arteriosclerose não aparece sómente no velho, é frequente no jovem, e a doença coronária mostra-se, bastas vezes, entre os 40 e 60 anos.
Como estudar o seu mecanismo e os meios de impedir o seu desenvolvimento? Só em centros especiais, onde haja aparelhagem e laboratórios especializados.
Se considerarmos agora outra forma de doenças cardiovasculares - as endocardites -, diremos que têm de ser vigiadas durante o período de cura e de acalmia, porque de um momento para o outro surge a forma recorrente ou a forma septicémica subaguda que mata, tantas vezes, sem que a sintomatologia chame a atenção do próprio doente. A profilaxia dessas complicações tem de se fazer em centros especiais.
Por outro lado, há doenças congénitas do coração e da aorta que vitimam sempre adentro de um determinado prazo; desde há quatro anos que se operam por cirurgiões especializados e se curam essas doenças quando diagnosticadas e tratadas. São necessários métodos especiais de diagnóstico e uma equipe de clínicos, da qual faz parte o radiologista, o electrocardiologista e o cirurgião.
E preciso atacar o problema (o estudo e o tratamento das cardiopatias) por várias facetas, compreendendo os enfermos hospitalizados e os ambulatórios, a profilaxia dos doentes cardiovasculares, o ensino especializado, a criação de especialistas, investigação clínica e o serviço social em benefício do cardíaco pobre.
Fizeram-no a Aústria, com o Instituto de Cardiologia de Viena, a Alemanha, com o Instituto de Cardiologia de Bade Mauheim, a Trança, com a Clínica de Cardiologia de Paris, a Argentina, o Brasil, o Chile, o México (com o melhor instituto de cardiologia do Mundo) e os numerosos departamentos de cardiologia dos Estadas Unidos da América do Norte e do Canadá.
Em Portugal, que eu saiba, só em Coimbra existe um centro de cardiologia médico-social, de carácter particular, mas vinculado à Faculdade de Medicina e instalado nos Hospitais da Universidade. Embora enfrentando bastantes dificuldades financeiras (vive graças, principalmente, ao generoso auxílio do (Subsecretariado de Estado da Assistência Social e ao da consulta externa hospitalar), esta instituição tem já uma obra notável, tanto no que respeita à investigação - patenteiam-no os estudos insertos em Coimbra Médica, muito apreciados pelos especialistas -nacionais e estrangeiros- e à
difusão de ensinamentos - testemunham-mo exuberantemente os temas das conferências do ciclo deste ano -, como no referente à actividade social que vem desenvolvendo.
Segundo o seu ilustre director, o Centro de Cardiologia Médico-Social de Coimbra propõe-se executar, no centro do País, o seguinte e cristianíssimo programa de medicina social: «auxiliar económicamente o cardíaco para que ele consiga fazer o tratamento devido; atender, quando tal convenha, o padecente no domicílio, de modo que ele, aí, possa seguir facilmente a terapêutica prescrita; melhorar as condições higiénicas da sua habitação ou as condições materiais do seu trabalho; promover a orientação vocacional dos cardíacos jovens, aconselhando-lhes o tipo de profissão mais compatível com as suas possibilidades físicas; reeducar profissionalmente os cardíacos adultos, orientando-os para mister mais suave, de forma a poderem, bastar-se a si próprios sem prejuízo da sua saúde; e, finalmente, amparar aqueles que tenham atingido os extremos de invalidez». Tão sedutoras aspirações só poderão tomar-se realidade com uma maior contribuição pecuniária do Estado, que, decerto, lha não regateará.
Sr. Presidente: como uma grande percentagem das cardiopatias (30 a 40 por cento) é de origem reumática (pericardites, miocardites, endocardites) e como a endocardite reumática (98 por cento das endocardites) -que constitui a avalancha de doentes que frequentam os hospitais e enchem as enfermarias- mata quase sempre por uma recorrência do processo reumático (endocardite recorrente), há a necessidade de criar num instituto de cardiologia um departamento ou secção de reumatologia, com 03 seguintes objectivos:
(1.º Investigação científica do reumatismo como processo alérgico determinante de doenças de diferentes órgãos (vasos, vísceras e serosas);
2.º Estudo das causas do reumatismo (factores extrínsecos a factores intrínsecos - infecções focais) e estabelecimento da sua profilaxia;
3.º Estudo do reumatismo cardíaco e tentativas para impedir a sua evolução;
4.º Estudo da endocardite recorrente reumática e processos de a evitar.
O departamento de reumatologia abrangeria a um tempo secções de investigação científica experimental, de clínica das diferentes formas agudas e crónicas do reumatismo e de medicina social do reumatismo e das cardiopatias reumáticas.
A profilaxia das doenças cardiovasculares assenta, além de outros de menor importância, em dois pilares fundamentais: a profilaxia da arteriosclerose e n- profilaxia do reumatismo.
Por estes dias vai abrir uma consulta de cardiologia no Hospital de- Santa Marta, que ambiciona ser o embrião de um futuro centro ou instituto de cardiologia e de reumatologia da capital do Império. O serviço que uma dúzia de clínicos especializados ali vai prestar é completamente gratuito e a aparelhagem de que se servem foi adquirida a expensas da algibeira do seu ilustre director! Creio, Sr. Presidente, que o Subsecretário de Estado da Assistência Social e o Instituto para a Alta Cultura se esforçarão por ajudar a criar, a viver e a progredir o referido organismo, tamanha é a sua utilidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que, a seguir, foque outro passo do substancioso relatório das contas, que, sem exagero, reputo de sombrias consequências para a Nação; refiro-me à redução, a menos de metade, do número dos alunos da Escola Superior Colonial,