17 DE ABRIL DE 1948 499
Todavia não posso deixar de manifestar a minha não de que tem havido certa timidez em abordar este problema e não posso deixar também de confessar sinceramente que filio essa timidez e esse receio naquele grande pânico que está dominando a Europa e que de certo modo, como já foi dito por quem tinha toda a autoridade para o fazer, é um reflexo do medo da subversão do Mundo pela doutrina comunista.
Essa impressão de medo chega a dar-nos estoutra impressão de que os Governos responsáveis das nações burguesas, em lugar de tentarem combater esse medo, em lugar de tentarem expungi-lo da sua própria mentalidade e da mentalidade dos seus governados, pelo contrário, têm procurado apenas acalmá-lo ilusoriamente com certas transigências, com certas adesões a princípios que no fundo não diferem muito daqueles princípios fundamentais da doutrina marxista que conduzem à negação do direito à renda, do direito ao lucro, e portanto à anulação do direito de propriedade.
Por mim não estou convencido de que dê resultado, na patologia social, o tratamento pelo sistema de vacina com cultura do vírus da própria infecção, pronunciando-me antes pelos métodos um pouco mais revulsivos, por métodos cirúrgicos e sobretudo de perfeita anti-sepsia social.
Quero dizer com isto que numa sociedade que se diz conservadora, que se baseia na coexistência de várias camadas sociais, numa sociedade cristã, numa sociedade de cultura latina, devemos sobretudo procurar manter a estrutura fundamental dessa sociedade e não ceder cerimoniosamente à tentativa de nivelamento, de esmagamento do indivíduo com que nos ameaça o cilindro oriental, e não me parece que é procedendo como se tem feito em Portugal com certos assuntos que podemos afirmar perante o Mundo a nossa vontade de subsistir como sociedade conservadora, burguesa e -digamos afoitamente- capitalista.
Em Portugal já se chega à absorção fiscal de quase metade ou mesmo metade da renda das empresas.
Em Portugal parece que se pretende aderir a certos conceitos estranhos, como o de considerar beneficio adquirido sem esforço a renda da empresa ou a renda do prédio.
E em Portugal, como dentro de qualquer sociedade burguesa, podemos encontrar no nosso sistema tributário o instrumento eficaz para evitar certas flagrantes desigualdades, para evitar que vamos caminhando para aquilo que Churchill chamava a igualdade na miséria geral, e, pelo contrário, para conseguir que nos matenhamos desiguais dentro do bem-estar de todos, porque essa é a única forma de minorar a miséria de alguns.
Sr. Presidente: quando, há três anos, aqui se discutiu a questão das casas de renda económica, apontei com certo desenvolvimento as causas que, em minha opinião, concorriam nesse tempo e continuam a concorrer hoje para a crise habitacional.
Mencionei o incessante aumento da população portuguesa num ritmo muito mais acelerado do que o da construção de alojamento para a sua habitação; mencionei o fenómeno assustador do urbanismo, fazendo agravar o problema da habitação dentro das cidades, o mau critério da distribuição das zonas industriais do País, a tendência, invencível quase por parte dos Governos, para promover e dar maior atenção ao desenvolvimento das capitais e esquecerem-se quase dos aglomerados rurais, e lembro-me que preconizei nessa altura algumas medidas tendentes a evitar essa situação.
Não vale a pena repeti-las, tornar a enumerá-las, porque o meu objectivo, como já disse ao subir a esta tribuna, foi apenas o de dar o meu aplauso à economia geral e à orientação da proposta do Governo, onde se incluem mais ou menos todas as soluções que interessam ao problema, e, além disso, formular apenas um reparo no que respeita à actualização das rendas.
Ninguém ignora que desde há quinze anos, pouco mais ou menos, se procedeu em Portugal à avaliação dos rendimentos colectáveis dos prédios urbanos em ordem a conseguir que o Estado pudesse cobrar através da contribuição predial aquilo que reputou legítimo cobrar.
O sistema então estabelecido quanto à situação dos senhorios foi apenas a permissão de cobrar dos seus inquilinos, conjuntamente com a renda, a parte do excesso da contribuição que passava a ter de pagar ao Estado.
Esta situação, Sr. Presidente, reputei-a sempre gravemente injusta e entendi que era chegada a oportunidade de o Governo manifestar a esses contribuintes, a essa classe constituída pelos senhorios que estão a receber rendas desactualizadas, uma pequena reparação, ainda que a titulo simbólico, pela assistência que por um lado prestam ao Estado e por outro lado aos seus inquilinos.
Nesse sentido enviarei para a Mesa uma proposta de alteração à base XXIX, que vou ler à Assembleia para que possa ter tempo para a apreciar e mais tarde a discutir e votar.
Essa proposta consiste no seguinte:
Os rendimentos colectáveis de prédios ou partes de prédios urbanos que não tenham tido alteração posteriormente a 1 de Janeiro de 1943 serão aumentados, a partir da vigência da presente lei, de 20 por cento, se se destinam a habitação, e de 40 por cento, se se destinam a comércio ou indústria, e as respectivas rendas actuais serão actualizadas nos termos seguintes:
a) No semestre a partir de 1 de Julho de 1948 sofrerão um aumento equivalente à diferença entre a renda mensal e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, modificado nos termos do corpo desta base, aumento esse não superior a 20 por cento da importância da renda actual;
b) Em cada um dos semestres seguintes, e até se atingir em cada caso a importância do rendimento colectável modificado,- as rendas terão um novo aumento de 20 por cento da importância da renda actual;
c) Se, em razão da diferença entre a renda inicial e o duodécimo do rendimento colectável modificado, o processo de actualização atrás prescrito demorar mais de seis semestres, o aumento em cada semestre será igual à sexta parte dessa diferença.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Essa alteração é à proposta do Governo?
O Orador: - Sim, senhor, porque concordo mais com o texto da proposta do Governo do que com o que é sugerido pelo parecer da Câmara Corporativa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Portanto, V. Ex.ª, em vez de provocar a correcção do rendimento ilíquido inscrito na matriz através da avaliação, provoca-a através da multiplicação do que actualmente está inscrito na matriz por um certo coeficiente?
O Orador: - Sim, senhor, pela adição de 20 por cento.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso supõe um certo coeficiente, porque se multiplica o rendimento ilíquido inscrito na matriz. Quer dizer que a solução que V. Ex.ª propugna é esta: se o rendimento inscrito na matriz está errado, continua errado. Só se se actualizou de qualquer maneira.
O Orador: - Mas errado em relação a quê?