17 DE ABRIL DE 1948 495
tentes, como se vê na proposta do Governo e no parecer da Câmara Corporativa, só serve para afastar os capitais da construção.
Não é assim que ela se fomenta; por esta maneira ela é dificultada.
De resto, a injustiça é manifesta, porque as rendas foram fixadas, com base em disposições: que o permitiam.
As rendas foram fixadas em contrato livre e os prédios foram construídos ou adquiridos sem qualquer limitação.
Bem sabemos que isto não é virgem, mas um abuso não legitima nem pode fundamentar novas abusos.
O reconhecimento e a verificação do abuso e da injustiça deve fazer com que nos afastemos tanto quanto possível deles.
E que não é virgem prova-o o infelicíssimo decreto-lei n.º 32:638, de 22 de Janeiro de 1943, já aqui referido pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro.
Pelo artigo 54.º do decreto-lei 11.º 15:289, de 30 de Março de 1928, foi permitido ao» proprietários de prédios ou parte de prédios construídos depois da sua publicação fixar livremente a renda dos mesmos- prédios ou parte de prédios, consiguando-se no § 2.º que o senhorio, quanto a tais prédios, terminado o prazo do contrato, podia, requerer o despejo ,por lhe não convir a continuação do arrendamento.
Dentro desta liberdade se construíram muitos prédios e muitos se compraram.
Passados quinze anos, surge o referido decreto-lei n.º 32:638, que, sem o mais leve respeito pelo que se encontrava legislado, suspendeu a. (referida disposição e considerou anulados os contratos de arrendamento
efectuados ao abrigo do disposto no referido artigo 54.º e anulou ainda as decisões dos tribunais, muitas com trânsito em julgado, que tinham por fundamento a já citada disposição de lei.
Não há que reincidir, e o que se vê na proposta e do parecer da Câmara, Corporativa sobre redução de rendas é uma verdadeira reincidência.
O que há é que revogar o decreto-lei n.º 32:638, pois só assim se consegue a confiança dos capitais, e sem essa confiança não é possível, repetimos, fomentar a, construção. E tanto isto é assim que «posso informar a Câmara de que há muitos negócios em suspenso a aguardar a resolução da Assembleia.
O importante problema das expropriações é largamente tratado «na proposta, e no parecer.
Sem me debruçai- sobre ele, porque as minhas considerações já vão longas e não quero abusar por mais tempo da paciência de VV. Ex.ªs, além de que me parece o problema deslocado, direi, com a Câmara Corporativa, que se torna absolutamente necessário reunir todos os preceitos relativos ao regime jurídico sobre expropriações por utilidade pública.
E que depois da. lei de 20 de Julho de 1912, regulamentada pelo decreto de 15 d.e Fevereiro de 1913, que ainda é a base da nossa legislação sobre expropriações, estão em vigor, pelo menos, cento e treze diplomas sobre a matéria, e digo pelo menos, porque esses contei eu e, portanto, se houver engano, é para mais e não paira menos. Eu sei somar. Pelo seu número vê-se logo a necessidade da sua reunião num único diploma.
Mais e mais havia a dizer, miais e mais havia a focar, tantos e tão variados são os assuntos que se prendem com o problema da habitação, mas reconheço que fui demasiadamente longo e que não tenho o direito - esta é a verdade- de roubar, mais tempo à Câmara, pelo que vou dar por findas as minhas considerações.
De resto, a, oportunidade e a vantagem de introduzir ma lei os princípios que dominam a proposta e o projecto são tão evidentes, são tão palpáveis, que quase não havia necessidade de liana discussão na
Não quero, por em, terminar sem prestar as minhas homenagens ao Sr. Deputado -Sá Carneiro, pelo seu projecto, e do Governo, pela sua proposta, pois tanto aquele como esta. demonstram coragem, que, infelizmente, é moeda rara. Não é qualidade de raitos.
Outros sim desejo felicitar a Câmara Corporativa pelos doutíssimos trabalhos que são os pareceres que estamos analisando.
Se desta discussão sair uma lei equilibrada dou-me por satisfeito; para que isso aconteça não me pouparei a esforços.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: quando o nosso colega Bustorff da Silva informou esta Assembleia de que desde 1910 haviam sido publicadas 98 disposições legislativas sobre inquilinato, não resisti a dizer: «Tantas leis! Não admira que cada vez faltem mais casas!».
Efectivamente, o problema resume-se nisto: leis a mais e habitações a menos ...
Porquê?
Façamos um pouco de história, pois o mal presente sómente pode compreender-se, e talvez remediar-se, depois de havermos analisado o passado. Ao falar em história, suplico a VV. Ex.ªs que não se assustem.
Muito terra a terra, como é próprio de quem_ há-de ocupar-se do direito de superfície, limitar-me-ei a dizer que não fomos nós, gente do Estado Novo, que criámos o problema. Herdámo-lo, como muitos outros, desses gloriosos estadistas que governaram Portugal nos últimos cinquenta anos, designadamente a partir de 1914.
Hoje, quando, corajosamente, tentamos abordar as soluções, atiram-nos as pedras de todas as paredes arruinadas que constituíram a nossa herança política.
Discute-se com paixão. A paixão origina parcialidade, a que não escapam pessoas que deviam a si próprias a missão de orientadores.
Lembro, a propósito, uma entrevista aparecida no Diário de Lisboa de um sapiente licenciado, consultor jurídico de uma vaga cooperativa de inquilinos. Chamo-lhe vaga porque, sendo por lei sociedade mercantil, não sei se se fundou para vender inquilinos ou comprar senhorios.
Comparou S. Ex.ª a situação dos proprietários vítimas de rendas antigas à dos portadores de títulos papel, cujo rendimento não se encontra actualizado.
O Sr. doutor, apesar de todos os livros de economia e códigos com que anda carregada a sua indiscutível inteligência, esqueceu-se apenas de que os títulos de crédito não precisam de obras de restauro, nem se pintam, nem tem pias ou algerozes entupidos, nem instalações eléctricas que se queimam, nem taxas de seguro que se pagam com encargos actualizados.
E esqueceu ainda a diferença de função social das propriedades imobiliárias e dos títulos de crédito: precisamente a solução do problema encontra-se nessa diferença de funções sociais. É preciso atrair capitais à habitação. E isso somente se consegue se os colocarmos ao abrigo do risco de desvalorização artificial.
Pela vastíssima bibliografia, anónima ou assinada, manuscrita ou impressa, que tem chegado até mim verifico que quase toda a gente discute o problema com pleno desconhecimento de causa. Teceram-se ao redor do projecto de lei Sá- Carneiro, da proposta governamental e dos dois pareceres, tão pouco parecidos, da Câmara Corporativa as mais extraordinárias e mais falsas conclusões, que nalguns casos chegaram a afirmar exacta-