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490 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 146

O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente: não obstante o assunto de que estamos tratando ser da maior importância, vou ver se consigo ser breve, pois apenas quero fazer um depoimento sobre a matéria em discussão.
Um estudo em profundidade dos problemas que se ligam com a habitação e o inquilinato levaria, por parte de cada um dos Srs. Deputados que intervêm na discussão, muitas e muitas sessões, o que não é permitido pelo Regimento da Câmara, que a todos cumpre observar, até na própria defesa de todos nós.
De resto, não me esqueço, quando subo a esta tribuna, ainda menino quando trato de assuntos ligados à minha profissão, que estou numa assembleia política, e não numa assembleia técnica, e um estudo profundo da matéria é mais próprio de técnicos do que de políticos.
Vamos a ver se conseguimos, com o nosso depoimento e com alguns factos, demonstrar a oportunidade e a conveniência de modificar a lei dentro dos princípios que orientam o projecto e a proposta de lei em discussão.
O primeiro diploma que entre nós foi conhecido por lei do inquilinato é o decreto de 12 de Novembro de 1910.
Antes do Código Civil, como se vê nas Ordenações Filipinas e em Coelho da Rocha (Instituições do Direito Civil Português, § 830.º), havia o contrato de locação condução, que tomava o nome de arrendamento quando se tratava de uso e fruição de bens imóveis.
Em 1867 aparece o nosso Código Civil, que, nos artigos 1595.º e 1596.º, consignou que a locação consistia no uso e fruição de certa coisa por certo tempo e mediante certa retribuição, tomando o nome de arrendamento quando se tratava de imóveis e de aluguer quando respeitasse a móveis.
É bom dizer que na legislação anterior ao Código Civil o contrato de arrendamento abrangia um maior número de contratos, pois, entre outros, estavam nele incluídos a parceria e a prestação de serviços.
O Código Civil, além de disposições de direito substantivo, também tinha preceitos de direito adjectivo, o mesmo acontecendo à lei de 21 de Maio de 1896, onde se dava o contrário, pois, sendo, como era, uma lei de processo, continha muitas disposições de direito substantivo.
Muitos diplomas se seguiram ao decreto de 12 de Novembro de 1910, mas. só o decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, que ainda é a base da actual legislação sobre inquilinato, conseguiu reunir toda a matéria referente a este importante e complexo assunto.
Com efeito, e na verdade, o decreto n.º 5:411 abrange os arrendamentos de prédios rústicos e urbanos e trata de direito substantivo e adjectivo, pois abarca arrendamentos e despejos.
Depois do referido diploma têm sido publicadas dezenas e dezenas de decretos e portarias, que o alteram, que modificam, que esclarecem, que revogam muitas e muitas dais suas disposições.
Não andarei muito longe da verdade se disser a VV. Ex.ªs que os diplomas .sobre inquilinato se elevam a mais de duas centenas!
Comparado com esta pletora de diplomas só o que se dá com a legislação sobre contribuições e impostos, em que, além do respectivo Código, há centenas e centenas de leis, decretos, portarias e circulares, que fazem perder a paciência ao intérprete mais paciente.
O intérprete, por mais sábio que seja, por mais senhor que esteja da matéria, só depois de um grande e profundo estudo é que sabe, por exemplo, a quem tem de se dirigir para reclamar ou recorrer.
E isto é tanto mais grave quanto é certo que os contribuintes podem, por si só, sem intervenção de qualquer profissional do foro, fazer as suas reclamações e interpor os seus recursos.
É um verdadeiro alçapão, porque, como a legislação é muita e confusa, os contribuintes, a toda a hora, dirigem as reclamações e os recursos para entidades que nada têm com o caso, que dele não tomam conhecimento, e assim se vão perdendo os prazos e os contribuintes o sen dinheiro.
Acho muito bem que os contribuintes possam, por si só, reclamar e .recorrer, anãs para isso preciso é que a lei seja clara, que esteja ao alcance de todos, pois, caso contrário, é manifesto o prejuízo daqueles que tem de reclamar ou recorrer.
É difícil, quase impossível, legislar sobre inquilinato de forma a obter-se para todos soluções de justiça e equidade.
As normas jurídicas são sempre gerais, isto é, destinam-se em princípio a todos os indivíduos, e não a este ou àquele.
Além disso, são também abstractas, quer dizer, dirigem-se a toda uma generalidade de factos, e não a este ou àquele em concreto.
Dirige-se, portanto, a norma jurídica a uma generalidade média de casos.
Como assim é, a norma justa para essa média de casos pode ser justa na sua aplicação a determinado caso concreto.
Se é assim em qualquer norma jurídica, por anais equilibrada que ela seja, o facto mais saliente se torna mas normas sobre inquilinato, pois os casos concretos são tão diferentes e variados que, para haver boa justiça, para haver equidade, quase que era preciso fazer uma lei para cada caso concreto, quer dizer, a lei, em vez de ser geral e abstracta, devia ser particular e concreta.
Por mais ponderação que haja neste assunto, não pensem os que mele intervêm que a questão se resolve; as injustiças hão-de continuar, por mais cuidado que houver.
Por mim, se conseguir com o meu depoimento diminuir as injustiças que actualmente existem, se elas ficarem reduzidas, já me dou por satisfeito.
Já que os juízes não podem deixar de aplicar a lei sob pretexto de ela lhes parecer imoral ou injusta, como expressamente consigna o artigo 240.º do Estatuto Judiciário, as injustiças hão-de continuar e da mesma sorte as reclamações, porque neste caso, como afinal em tudo, infelizmente, cada um vê o seu caso dentro dos restritos muros do seu apertado quintal.
A questão que se debate é, na verdade, do maior interesse, pois ela colide com os interesses de todos, porque todos os indivíduos, todos, ou são senhorios ou são inquilinos, mesmo que habitem uma simples e modesta barraca, e muitas vezes se dá um indivíduo ser ao mesmo tempo senhorio e inquilino.
Como assim é, por mais perfeito que seja o nosso trabalho, há-de ser sempre duramente criticado, porque os que com ele ganharem, isto é, os que obtiverem alguma vantagem com o que for aqui aprovado, calam-se e os que se sentirem prejudicados, com justiça ou sem ela, hão-de fazer ura enormíssimo barulho.
De resto, o que vai acontecer com a resolução da Assembleia Nacional sobre este importante problema é o que se dá com todos os demais problemas, sejam eles importantes ou não.
Na verdade, o homem público pode estar, a trabalhar para uma população inteira, com acerto e ponderação, durante uma dezena de anos ou mais sem um deslize. Ninguém, mas ninguém, o aprecia devidamente, ninguém aprecia a sua obra, ninguém a analisa, pois os que com ela obtiveram quaisquer vantagens calam-se, parecendo até que são mudos, que perderam o uso da fala. Porém, quando esse homem público pratica um deslize, mesmo que seja de pouco ou nenhum valor, mesmo que