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17 DE ABRIL DE 1948 489

outras despesas muito mais dispensáveis e novas comodidades.
Que diremos da exploração, feita pelos inquilinos, das casas dos senhorios?
Enquanto a estes se nega a renda justa, auferem muitos inquilinos pelos quartos que alugam a preços fabulosos um rendimento que lhes permite melhorar largamente a sua vida material.

O Sr. Querubim Guimarães: - V. Ex.ª pode afirmar que essas sublocações são sempre feitas a preços fabulosos? V. Ex.ª não admite que haja sublocações absolutamente razoáveis e justificáveis?

O Orador: - Mas manifestamente; o que não exclui a existência de numerosíssimos casos como os que referi.
Em geral o senhorio é tido pelo inquilino como um ser malfazejo e egoísta, mas ninguém se revolta contra os inquilinos exploradores, que chegam a alugar um quarto por 500$ e 600$, quando pagam ao senhorio pela casa toda 100$ ou 200$.
Não, Sr. Presidente. Negar que aos senhorios assista o direito de serem tratados com mais justiça é negar a evidência.
Enquanto se não atingir a actualização real das rendas não solucionaremos o problema da habitação. Numa cidade como Lisboa, cuja população cresce constantemente, não só ocupando ninguém de inquirir se os que vêm de novo terão onde habitar, um único processo existe: construir, construir sempre, construir mais. A magnitude desta questão revela-se quando se vê o Estado dedicar-se tão afincadamente à construção dos bairros sociais, sem que essa abnegada e inteligente orientação faça sentir os seus efeitos na acuidade do problema.

O Sr. Albano Homem de Melo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Os efeitos não se fazem sentir porque tem estado esgotada a capacidade de construção. Todavia, à medida que for aumentando essa capacidade, os seus efeitos far-se-ão sentir, pois o que não falta são capitais...

O Orador: - O que é certo é que o Estado tem construído enorme quantidade de casas e nada disso se sente.

O Sr. Albano Homem de Melo: - Mas, ainda que os particulares tencionassem construir mais, não conseguiriam.

O Orador: - Não constróem porque a lei do inquilinato não convida a que o façam, pois sabem de antemão que, uma vez a casa alugada, não mais lhes pertencerá.
Respondendo a V. Ex.ª, Sr. Deputado Albano Homem de Melo, direi que de 1930 a 1940 a população da cidade subiu 11:477 indivíduos por ano. Quanto teria aumentado de 1940 para cá?
Certamente numa proporção muito maior, mas desses números não tenho conhecimento, porque não existem censos.
De 1928 a 193S construíram-se em Lisboa em média 428 prédios por ano; mas já de 1939 a 1941 baixou para 140 e de 1942 a 1946 apenas foram construídos 131 (média por cada ano). Como VV. Ex.ªs vêem, há um decréscimo contínuo, com uma queda brusca de 1938 para 1939, que se explica certamente pelas dificuldades surgidas na obtenção dos materiais necessários à construção, em resultado da guerra.

O Sr. Albano Homem de Melo: - É o que eu dizia, e veja V. Ex.ª que nessa ocasião havia liberdade para os proprietários fixarem as rendas que entendessem para os prédios novos.

O Orador: - Por isso é que eu disse a VV. Ex.ªs que não me parecia que estivessem esgotadas as possibilidades da construção.
A verdade é que nem mesmo com rendas elevadas: desde que existe uma lei que anula a possibilidade de cada um dispor daquilo que é seu, tal situação não convida a construir.
As próprias rendas as receberá apenas se ao inquilino apetecer pagar, pois tão complicadas, custosas e morosas são as acções nos tribunais para que os senhorios possam receber as rendas em divida que há quem explore esta dificuldade não pagando e recebendo ainda por cima para abandonar a casa; e não estou dizendo nenhuma enormidade, mas simplesmente a verdade.
Uma lei que dá lugar a tantas e tão variadas iniquidades não pode continuar a subsistir sem ser alterada.
Eis, Sr. Presidente, porque me julgo no dever de render as minhas homenagens ao nosso ilustre colega Sr. Dr. Sá Carneiro, que foi quem teve a coragem de enfrentar este dragão de fauces hiantes; à Câmara Corporativa, que trouxe ao assunto a sua esclarecida opinião e iniciativa, e ao Sr. Ministro da Justiça, pelo seu valioso trabalho.
Se a solução encontrada não satisfaz completamente, dá-se no entanto aquele mínimo de satisfação honesta, qual seja a de atribuir aos proprietários aquele valor que o próprio Estado julga justo para sobre ele fazer incidir as suas contribuições.
Neste ignorar permanente da razão a que tinha direito o senhorio, até a isto se chegou: atribuir o Estado aos prédios urbanos um valor para efeitos tributários, que não reconhece aos proprietários para efeitos de renda!
Com esta medida que estamos a discutir não se satisfará possivelmente ninguém, mas dá-se um princípio de satisfação à este intrincado assunto e - vamos com Deus! - alguma justiça se faz a quem há trinta e cinco anos espera por ela.
Não é possível, pelas repercussões económicas que adviriam, dar completa solução ao assunto, mas demonstra-se o desejo de emendar o que está mal e com coragem moral se arrosta com a má vontade de muitos para quem os seus interesses ou conveniências, mesmo ilegítimos, prevalecem. Eis porque dou, na generalidade, o meu voto a esta proposta de lei, que considero indispensável, justa e equilibrada quanto possível, e que, se dá alguma satisfação aos senhorios, não esquece ao mesmo tempo a situação dos inquilinos, indo, por amor deles, até onde seria legítimo e compreensível que fosse, propondo ainda uma série de medidas que acautelam o direito de propriedade e a construção, procurando fomentá-la, como único remédio para a situação angustiosa a que chegámos.
E para terminar, Sr. Presidente, como comecei, volto ao Padre António Vieira e ao sen sermão. Disse o grande orador:

A omissão é o pecado que mais facilmente se comete e com mais dificuldade se conhece, e o que facilmente se comete e dificultosamente se conhece raramente se emenda.

Desta vez, porém, parece que vamos emendar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.