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488 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 146

fizestes, mas muito mais estreita do que deixastes de fazer.
Pelo que fizeram, muitos hão-de ser condenados; pelo que não fizeram, todos.

Por este não fazer - que foi deixar imutável durante trinta e cinco anos a lei do inquilinato - todos nós somos culpados.
Era mais cómodo não escutar a voz da justiça e não lhe mexer, porque assim se evitavam os protestos dos inquilinos, que são mais. Mas má justiça será essa que só se aplique para agradar ou não desagradar ao maior número, sem cuidar de ser verdadeiramente justa.
Porque conheço o País em que vivo - onde floresce a carta anónima, onde a insídia espera sempre as pessoas que têm uma opinião -, repito aquilo que já uma vez aqui disse: não sou nem senhorio nem inquilino na capital, que é onde este problema toma vulto e interesse. Posso consequentemente, sem merecimento aliás, subtrair-me aos interesses que fazem julgar cada caso conforme a nossa própria conveniência. Não falo dos interesses inconfessáveis, mas daqueles que são naturais e legítimos e que todavia não deixam ser imparcial a consciência de cada qual, pois que o maior número há-de pensar de uma maneira se for inquilino e de outra se for senhorio, e até por vezes sucederá que a mesma pessoa, sendo cumulativamente senhorio e inquilino, pensará conforme o interesse que tiver de defender no momento. Raros, muito raros hão-de esquecer os seus interesses, para dar razão a quem a tenha, mesmo contra si próprios.
Já disse que seria mais cómodo não atender a justiça que manifestamente assiste aos senhorios, considerando o maior número de inquilinos. Por muitos ou poucos que fossem os senhorios, o que importava era terem ou não terem razão.
Mas serão assim tão poucos?
Pude verificar que o número dos prédios existentes nas cidades de Lisboa e Porto é de 301:020. Mesmo que algumas pessoas ou entidades sejam donas de vários prédios, estes serão compensados por aqueles que pertencem colectivamente a várias pessoas
Se considerarmos aquele número como de proprietários e ainda o seu agregado familiar, verifica-se que não é assim tão despiciendo, para que possa ignorar-se, rejeitando-os do direito que têm à justiça, que, para ser verdadeira, tem de ser feita a todos, e não só a alguns, por muitos que estes sejam.
E entre estes proprietários de prédios, quantas viúvas, quantos órfãos, quantas economias tão penosamente amealhadas durante uma vida inteira de sacrifícios e trabalhos para cumular numa casinha que seria esperança de melhores dias.
Para todo e qualquer inquilino o senhorio é sinónimo de ricaço, mas para quantos senhorios os seus prédios são o parco sustento de cada dia, que foi minguando ano após ano, reduzindo além do que é possível imaginar as disponibilidades de muitos dos seus possuidores, porque o seu rendimento permanecia o mesmo, enquanto tudo subia.
Subiu a libra, que em 1913 estava a 5$14, para 480$ em 1946. Tinham subido os salários das profissões que se empregam na construção civil sessenta e seis vezes e meia, subiram os materiais que normalmente se empregam nas construções e reparações dos prédios oitenta e três vezes. Mas as rendas ficaram, porém, imutáveis, não desistindo a câmara municipal de continuar periódica e inexoràvelmente a exigir as limpezas e reparações dos prédios.

O Sr. Mário de Figueiredo: - De 1913 para cá não ficaram as rendas imutáveis. Isso poderia afirmar-se talvez a partir de um momento muito posterior: 1929, 1932; mas desde 1913 não.

O Orador: - Sim, mas aumentaram apenas dez vezes.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não posso precisar o número, embora esteja fixado na lei.

O Orador: - Em consequência do custo das reparações dos prédios, elas consomem uma boa parte do rendimento dos mesmos, quando não comprometem irremediavelmente a situação financeira dos seus proprietários. Havia mesmo inquilinos com tal consciência da justiça que não hesitavam em recorrer às subdelegação de saúde e às câmaras municipais para exigirem obras custosíssimas, apesar de continuarem a pagar a mesma insignificante renda.
E tudo isto se tem feito em holocausto e satisfação do maior número, esquecendo a razão e a justiça que, sem possibilidade de qualquer discussão, pertenciam aos senhorios.
Quantos inconvenientes resultaram da malfadada lei do inquilinato, não falando senão dos inconvenientes materiais?
O primeiro e mais nefasto foi ter concorrido, não só para impedir a melhoria e modernização dos prédios antigos - que hoje, se ostentam fachadas limpas, são internamente verdadeiras ruínas anti-higiénicas na sua maioria -, mas ainda ocasionar, pela falta de concorrência que as casas antigas modernizadas poderiam fazer às modernas, uma elevação excessiva das rendas destas, que, em concorrência, talvez pudessem ser mais razoáveis.
A população de Lisboa, que todos os semestres mudava de casa, tendo alcançado, mercê desta inconcebível lei, a vantagem de usufruir por preços de excepcional favor as casas, que a outros pertenciam, fixou-se nelas como lapa à rocha, concorrendo assim para complicar o problema dos transportes em comum, pois moram em Benfica ou Lumiar pessoas que são empregadas em Belém ou nos Caminhos de Ferro e vice-versa, estabelecendo-se assim uma contradança permanente entre os mais longínquos bairros da cidade, a que faltam para mais as linhas de transporte transversais que tornem dispensável vir sempre à Baixa para atingir qualquer destes bairros, por vezes não muito distantes uns dos outros.
Todos os inquilinos afirmam não comportar a sua economia qualquer aumento de renda. Verifica-se porém que essa mesma economia tem comportado muitos outros aumentos, bem mais dispensáveis que a casa que habitam.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Podem pagar bilhetes para o futebol a 100$.

O Orador: - Não há qualquer espécie de dúvida de que a população veste muito melhor e tanto melhor quanto mais caros estão os artigos de vestuário.
Costumam estar literalmente cheios os cinemas, as touradas e o futebol, divertimentos estes cujos preços subiram respectivamente noventa, cento e vinte e cento e oitenta e sete vezes!
O direito de habitação é absolutamente respeitável, sem dúvida, mas também o direito de propriedade o é, e garantido pela própria Constituição, e ninguém com verdade poderá dizer que, mercê da lei do inquilinato, as casas não pertençam muito mais aos inquilinos que aos senhorios, seus legítimos donos e possuidores.
Se o direito de habitação é absolutamente respeitável, parece legítimo que quem dele se quer servir pague, pelo menos, com a mesma liberalidade com que paga