506 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 147
paganda feita durante o último conflito, que se convencionou ter terminado, deixou avolumar para mal e desassossego do Mundo.
Não se pense, todavia, que, por isso, ponho em dúvida a oportunidade de encarar de frente o problema grave e complexo que agora se discute. Mais, julgo do meu dever salientar em especial o seu extraordinário sentido de oportunidade.
Sr. Presidente: a proposta de lei n.º 202, da autoria do Governo, contém matérias diversas, como esclarece o douto parecer da Câmara Corporativa, embora dominada, toda ela, pela preocupação de resolver alguns dos aspectos fundamentais do problema da habitação.
Fala-se, contudo, por toda a parte na discussão da lei do inquilinato, como se só disso se tratasse, verificando-se desta forma um desvio da intenção da proposta de lei n.º 202.
Não desejo deixar de registar este facto, que demonstra mais uma vez quanto a opinião pública continua a ser deficientemente esclarecida acerca da verdadeira substância das grandes questões nacionais.
E a opinião pública representa para mim, ao contrário do que sucede, segundo parece, com o Sr. Deputado Camarate de Campos, um importante factor de decisão.
Já a tal respeito escrevi um dia que quem tem de
julgar ou dirigir e da opinião pública se alheia faz lembrar aquele que pensa cumprir o seu dever assistindo à missa debruçado sobre o seu livro de orações, sem querer saber de mais nada, ou aquele outro que cuida conhecer a vida vivendo-a sómente instalado em carros de centenas de contos.
Mas voltemos ao assunto.
O que está em causa, no fundo, é o problema da habitação e o modo de o resolver.
Nestas condições, pergunta-se:
Pelas medidas sugeridas na proposta de lei n.º 202 será possível resolver alguns dos aspectos fundamentais do problema da habitação, atenuando-se dessa maneira o premente estado de insatisfação derivado dele?
Ter-se-á dado ao problema a solução ideal e mais consentânea com a ética e a doutrina da Revolução?
Como Estado Corporativo que somos, corresponderá a solução proposta pelo Governo à essência dos princípios?
Nem sempre, infelizmente, assim tem sucedido, e não raro se tem observado um divórcio chocante entre a doutrina e a resolução, na prática, dalguns problemas nacionais.
Sr. Presidente: habituado a confiar no Governo da Nação, quero afirmar desde já que não tenho dúvida em dar o meu voto para a aprovação na generalidade da proposta de lei n.º 202.
Julgo, todavia, que é meu dever, como servidor leal da Situação, expor tudo o que penso, todas as preocupações que dominam o meu espírito sobre o problema que se discute. Pode suceder que nas minhas considerações alguma coisa se encontre de útil para o bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar deve considerar-se que não é possível encarar o problema da habitação se não tivermos uma noção esclarecida sobre a propriedade privada.
Quanto ao direito de apropriação, de conservar e acumular os bens materiais; quanto ao direito da sua fruição e disposição - como faculdade atribuída pela ordem jurídica -, o problema vem de longe, quando o espírito do homem, em épocas diferentes da História, se apercebeu da necessidade de definir princípios que
haviam de servir de base, de sustentáculo, à vida política e social dos povos civilizados.
Se excluirmos as teses de Marx e Engels, verificaremos que raras foram as escolas do pensamento que o condenaram.
Os saint-simonistas, que se honraram de construir uma crítica da propriedade privada, afirmaram que esta era apenas de atacar na medida em que se consagrasse, para alguns, o ímpio privilégio da ociosidade, isto é, o de viverem do trabalho de outros.
Um pouco mais tarde diria Proudhou: queremos a propriedade para todos.
Abandonado o problema, durante anos, ao capricho e à fantasia de uma iniciativa, na mor parte dos casos, sem escrúpulos de qualquer espécie, pode afirmar-se hoje que a propriedade privada não tem, segundo a concepção corporativa, dentro do sentido comunitário do nosso tempo, uma expressão absoluta, em concordância, desta forma, com a doutrina tomista, que alicerçou sempre as almas bem formadas, do destino geral e providencial dos bens.
Nesta mesma ordem de ideias, dizia recentemente, em França, Abbé Monin, que os homens não são nunca proprietários absolutos dos bens que possuem; eles não são senão seus administradores, encarregados por Deus de governar estes bens, para satisfação das suas necessidades pessoais, sem dúvida, mas igualmente para o bem da comunidade humana.
E no direito britânico, com semelhante identidade, diz-se que os proprietários não devem ser senão concessionários, a título gracioso, da coisa possuída.
Mas se um dos motivos que determinaram esta providência legislativa que agora se discute foi justamente o da necessidade de resolver o problema da habitação, dado o premente estado de insatisfação do meio social, somos forcados a admitir que o nosso instituto de propriedade apresenta graves lacunas, permitindo abusos inqualificáveis, e que, no aspecto das realidades políticas, não se terá avançado ao ponto de corajosamente, condicionar a propriedade privada com vista à sua função social, com vista ao bem comum, como fins expressos da doutrina corporativa, tal como se determina no artigo 11.º do nosso Estatuto do Trabalho Nacional, o que, devidamente interpretado, parece querer dizer que apenas na medida que não afecta o interesse da sociedade, o interesse geral, pode e deve a propriedade ser garantida é defendida pelo Estado.
Sr. Presidente: a segunda parte das aninhas considerações diz respeito ao aumento de construções habitacionais, que convém estimular tanto quanto possível, como foi afirmado aqui por todos os oradores que une antecederam.
Há quem pense -e eu não discordo disso- que simultaneamente deveria procurar-se, por todos os meios, estimular também o regresso à terra. Muito pouco se tem trabalhado e doutrinado nesse sentido.
Para o aumento de construções habitacionais não tem faltado legislação conveniente, da mesma forma que, como já se verificou, não é por falta de doutrina bem orientada que muitos espíritos vivem ainda perturbados, sem a noção exacta do direito de propriedade.
Senão vejamos:
Pelo decreto n.º 15:289, de 30 de Maio de 1928, procurava-se já, dado o insuficiente inúmero de habitações e a quase paralisação da construção civil, vencer, como se diz no douto parecer da Câmara Corporativa, o ponto morto, quer por via directa, criando um fundo nacional destinado a subsidiar a construção de casas para as classes médias e operárias, quer por via indirecta, restabelecendo o regime de liberdade para os prédios construídos posteriormente à sua publicação. Seguiu-se-lhe o decreto n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, no