19 DE ABRIL DE 1948 507
qual se fixava a posição do Estado em face do problema o inquilinato dos trabalhadores, definindo os princípios a observar na construção de casas económicas, de cuja concepção e amplitude já nos havia dado conta o decreto-lei n.º 23:051. No decreto-lei n.º 28:912, de 12 de Agosto de 1938, conferia-se às instituições de seguro social a sua intervenção na obra das «asas económica», paralelamente às empresas concessionárias de serviços públicos. Avançou-se mais neste aspecto no decreto-lei n.º 3-3:278, de 24 de Novembro de 1943, que alargava o princípio à generalidade das empresas particulares. Escreveu-se a este respeito que igualmente ganhava em amplitude tal iniciativa, pela crescente flexibilidade do sistema, que passava assim a abranger maior número de tipos de habitações e, correlativamente, agregados familiares de economia mais desafogada.
Logo em 1945 surge a lei n.º 2:007, a qual, no dizer do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Constituiu, indiscutivelmente, uma iniciativa notabilíssima, orientada no sentido de resolver o problema da habitação. O que se pretendia, pois, por meio de tal providência? Resolver, ao que parecia, o problema do inquilinato das famílias que não pudessem ou não quisessem converter-se em proprietárias de moradias económicas, tendo-se em vista paralelamente o intensivo fomento da construção de habitações de preço razoável, para serem arrendadas ou vendidas a pessoas das classes médias, admitindo-se também, neste aspecto, o concurso das instituições de previdência.
Finalmente, a 25 de Abril de 1946, surge o decreto-lei n.º 35:611, no qual se permite às nossas instituições de previdência o desempenho de um largo papel ma realização dos planas já esboçados, pelo que se constituiu, por portaria publicada no Diário do Governo n.º 137, 2.º série, de 15 de Junho do mesmo ano, uma federação de caixas de previdência denominada Habitações Económicas, tendo por objectivo promover e assegurar a construção de casas económicas e casas de renda económica.
Ora de todas as providências enumeradas e do interesse posto na questão por pessoas cujo entusiasmo, dedicação e competência nunca será demais destacar resultou a base técnica e jurídica indispensável para o empreendimento previsto e cuja realização prática excederia certamente tudo o que neste aspecto se poderia pensar.
Para a grande maioria do público, vivamente interessado neste debate, um ponto há na proposta de lei que tocou a sua curiosidade de modo muito especial: o da actualização e fixação de rendas - arrendamentos celebrados antes de 1 de Janeiro de 1943; arrendamentos celebrados depois de 31 de Dezembro de 1942.
É que nas providências adoptadas não se descobre até que ponto, pretendendo-se resolver um grande mal, se não caminhará abertamente para um mal maior...
Apoiados.
Senão, vejamos: a limitação do regime de liberdade contratual em matéria de inquilinato, longe de estimular a construção e, portanto, de obviar ao progressivo pronunciamento da crise habitacional, conduzirá, fatalmente, à retracção dos capitais, o que agravará, em lugar de desanuviar, o problema.
O Sr. Melo Machado: - Nesse ponto estamos inteiramente de acordo.
O Orador: - Em momento tão instável do mercado de capitais, sob o jogo de impulsos negativos e contraditórios, o cerceamento de uma situação adquirida por meio de uma limitação que subtrai a livre iniciativa de contrato por mútuo acordo não deixará de conduzir a resultados bem diversos dos pretendidos.
O economista Keines filia o investimento no incitamento a investir que depende da eficácia marginal do capital e da taxa de juro. E, como muito bem comenta o ilustre ensaísta Doutor Águedo de Oliveira, no seu livro Portugal permite as Tendências da Economia Mundial, a p. 160:
Talvez seja cómodo admitir esta- convenção e pode bem ser que conduza, a resultados úteis, mas a verdade é que o empresário não pensa sómente na taxa de remuneração do capital; porquanto - diz o brilhante ensaísta - o pensar do empresário reveste forma mais complexa do que ajuizar dos seus bens através da providência limite. Pensa ou não na magnitude presente e futura da exploração? Pensa ou não nas perspectivas do empreendimento, seus riscos, custos, possibilidades de ganhos e perdas?
Ora, é justamente este pensar que levará o empresário a retrair-se de fazer investimentos em prédios- de rendimento sob o regime de limitação de rendas. A garantia de que os arrendamentos de prédios construídos posteriormente à vigência da lei ficam subtraídos às limitações da liberdade contratual surge como «negaça», mas duvido bastante que seja por ela atraído.
Foi Caj-los Gide quem afirmou que no dia em que se pretenda substituir a espontaneidade social, a livre iniciativa do homem, por uma actividade económica prevista e ajustada em todas as suas partes, esbarrar-se-á com impossibilidades morais.
Essa impossibilidade moral está patente, pela injustiça que se aponta e a limitação em si parece-nos francamente contrária ao fim que se propõe de estímulo à construção e consequente desanuviamento da crise habitacional.
Sr. Presidente: tendo preconizado ainda, há pouco o princípio do condicionamento da propriedade privada sempre que o exija o bem comum, em face da usura do proprietário, e defendendo agora o princípio de liberdade contratual em matéria de inquilinato, parece verificar-se uma contradição. Ela é apenas aparente, pois não esqueço que em regime de liberdade de rendas e de contrato, logo que o proprietário se coloque em situação de abuso do direito de propriedade, pela- exigência excessiva de remuneração do capital investido, entra automaticamente nos limites puníveis da especulação ou da usura e como tal fica sujeito às consequentes sanções, o que até hoje não sei que tenham sido aplicadas.
O que dificilmente se pode conceber é que, pretendendo-se estimular a construção de casas e resolver assim em grande parte o grave problema habitacional, se tenha procurado adoptar uma solução tão precária, de êxito tão duvidoso.
Acredito que seja dramática- e angustiosa a situação de muitos milhares de famílias, em virtude das deficientes condições de habitabilidade, da alta das rendas e dos seus minguados orçamentos domésticos.
Acredito também, aras dificuldades de muitos proprietários a quem a progressiva desvalorização da moeda colocou em situações de verdadeiro apuro, quando não de pura insolvência, mantendo por contrato rendas irrisórias e que por vezes não chegam para cobrir todos os encargos inerentes à propriedade explorada.
Acredito que as dificuldades apontadas são um dos muitos factores de perturbação do nosso meio social.
Agora, o que é certo e quase indesmentível é que este estado de coisas é devido a muitos factores independentes da vontade de uns e de outros e do próprio Estado.