510 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 147
das por ilustres colegas desta Câmara, pelo que dou por terminadas as minhas despretensiosas considerações.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Sá Alves: - Sr. Presidente: neste complicado problema, acerca do qual toda a gente fala e que, na verdade, a toda a gente interessa, entendi de meu dever apresentar também ligeiro apontamento, modesto contributo para a solução justa que esta Assembleia deseja.
Mas antes permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, após o longo silêncio a que circunstâncias pessoais me têm forçado, reitere a V. Ex.ª a homenagem sincera da minha altíssima consideração e respeito, homenagem que não é mais do que o tributo devido ao superior critério com que V. Ex.ª tem dirigido os nossos trabalhos, revelando qualidades de inteligência e cultura que lhe criaram natural autoridade.
Sr. Presidente: afigura-se-me a proposta de lei em discussão informada de um realismo económico-social tão vincado que não posso recusar-lhe o meu voto na generalidade. É que ela constitui mais uma revelação palpável da capacidade realizadora de quem a elaborou.
Mas seria esta a oportunidade da sua apresentação?
O problema em debate liga-se a tão violento conflito de interesses, sendo por isso tão rígidas as posições dos contendores, que não é possível descortinar um terreno de conciliação. Enquanto os senhorios se mantêm aferrados às velhas fórmulas de um direito de propriedade absoluto, tal como nelas legaram os jurisconsultos romanos, num desconhecimento impiedoso das novas doutrinas do abuso do direito e do estado de necessidade, os inquilinos colocam-se também no extremo oposto, chegando a invocar a função social da propriedade em termos tais que se aproximam muito da negação absoluta deste instituto fundamental da ordenação jurídica vigente.
Não podemos aspirar, em tais condições, a encontrar solução satisfatória para ambas as partes. Seja qual for a nossa deliberação, ela há-de desagradar a todos, porque nós temos de ser justos, e a justiça, neste caso, está nos dois campos, mas muito acima dos interesses e posições dos litigantes.
É justificada, portanto, a minha interrogação, sobretudo se a apreciação for limitada ao aspecto pura ou especificamente político.
Mas esta consideração não satisfaz o meu sentimento de justiça; e não satisfaz também - disso estou certo - o de nenhum dos membros desta Assembleia.
É que as flagrantes injustiças suscitadas pela velha questão do inquilinato vêm ferindo a consciência pública desde há muitos anos, exigindo uma actuação urgente do Estado. Considero, por isso, essa actuação imperativo de consciência, superior a quaisquer outras considerações de natureza política.
E isto é assim também porque nunca podemos esquecer que servimos uma concepção política que tem por objectivo o bem comum e por único limite a moral e o direito.
Sr. Presidente: na proposta de lei em discussão revela-se à evidência que a questão do inquilinato é uma questão de fundo, e não de forma.
E por isso o Governo entendeu, e muito bem, que não é com normas jurídicas que se dá habitação a quem a não tem, quando não há casas suficientes. É construindo casas, muitas casas, que se abrigará o nosso sempre crescente excesso demográfico, que se dará lar higiénico e confortável a todas as famílias portuguesas.
A economia da proposta está, pois, orientada com verdadeiro acerto.
O seu objectivo primordial é fomentar ao máximo a construção urbana. Mas para o período transitório que temos de sofrer adopta, como é mister, soluções de emergência, destinadas a aproximar a situação actual da situação justa.
É impecável a lógica do sistema, porque no dia em que as casas forem bastantes para alojar toda a população o problema perderá a sua acuidade, pelo equacionamento automático dos interesses hoje divergentes. - Creio, portanto, que também será completo o nosso acordo neste segundo aspecto geral da questão.
Sr. Presidente: começa a proposta pela regulamentação do instituto das expropriações, regulamentação que tem de ser um dos pilares do objectivo a atingir. Dois votos apenas quero emitir sobre esta matéria.
O primeiro é que esta regulamentação seja total, constituindo um Código das Expropriações, que a todos permita saber a lei em que vivem. Em assunto de tamanha transcendência é da maior utilidade a fixação de um regime jurídico com garantias de certeza e estabilidade.
O segundo voto é referente à distribuição das maiores valias.
Devo afirmar que sou um férreo defensor do direito de propriedade, por o reputar o grande e quase único impulsionador do trabalho e da iniciativa individual; e, mais ainda, por me parecer a base indispensável à, estabilidade da família.
Mas esta inclinação não me obnubila a inteligência até ao ponto de não aceitar todas as limitações que a função social impõe ao direito de propriedade. E talvez este pendor provenha da circunstância de o pouco de que sou dono o ter adquirido só à custa do meu esforço.
Ora, em tais termos, não posso admitir que as maiores valias resultantes de trabalhos públicos, de grandes obras de utilidade pública realizadas à custa da Nação, vão beneficiar em especial os proprietários de prédios que, por um mero acaso - e tantas vezes até por uma torpe especulação -, se acham situados no local ou imediações das obras referidas. A maior valia é, em são critério de justiça, de quem a criou, justo sendo, pois, que reverta a favor do seu legítimo dono - o agregado nacional.
Na proposta reservam-se para o proprietário 50 por cento da maior valia criada, revertendo os outros 50 por cento a favor da entidade pública que efectuar as obras.
Choca-me, por a achar exorbitante, a percentagem atribuída ao proprietário, que nada fez para receber tão avultado prémio. 25 por cento parecia-me compensação suficiente de qualquer valor estimativo em que fosse prejudicado, tanto mais que os restantes 75 por cento seriam destinados a um fim de reconhecido interesse nacional.
Creio que isto não é socialismo, mas sim sã justiça distributiva, realizada por um Estado justo, submetido às injunções do bem comum.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça, abalizado professor de Direito e estadista de grandes e consagra, dos méritos, quis regular nesta proposta de lei um instituto do direito civil até hoje sem autonomia no nosso sistema legislativo, por o considerar factor importante do fomento da construção urbana.
Seria inconcebível ousadia a minha intervenção em tal assunto se não a fizesse acompanhar de uma explicação prévia: não é na qualidade de modesto profissional do direito que abordo o problema, mas sim na do geral anonimato de «toda a gente», pois que, como já disse, a vastidão dos interesses em jogo qualifica toda a gente para depor.
Quero assim afirmar, sem outra autoridade que não seja a do sentido das realidades económicas e sociais, que não considero o direito de superfície fórmula adequada à realização do objectivo proposto. Sem curar